quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O VELHO RIBA

O DIA EM QUE CONHECI 
RIBAMAR LOPES


A vida tem me ensinado que nada acontece por acaso. A partir de 1998 eu passei a ver a Literatura de Cordel com seriedade, porque antes me considerava apenas um leitor e poeta diletante. Fazia por brincadeira, sem a preocupação de publicar e não obedecia qualquer critério comercial com relação à escolha dos temas. Somente quando resolvi enfeixar parte da minha produção no meu livro de estreia, “O Baú da Gaiatice”, é que constatei que 90% do que havia produzido até ali era tão pessoal, tão restrito ao meu círculo de amizades, que o leitor comum ficaria a ver navios, sem entender patavina. É que antes de deixar Canindé para batalhar pela vida em Fortaleza, os temas de nossos cordéis surgiam nas rodas boêmias ou no balcão da velha Casa Marreiro. Fazíamos uma pequena tiragem na “xerox” e nos dávamos por satisfeitos.
Tanto que ao chegar numa agência de propaganda, onde trabalhavam pessoas da capital e também do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, eu era considerado um bicho do mato, um legítimo matuto, coisa que a princípio me causava algum constrangimento, mas depois, refletindo bem, tornou-se motivo de orgulho. Aqui, acolá, diziam, em tom de gozação:
— Esse bicho saiu do sertão, mas o sertão não saiu dele.
Geralmente, tais comentários eram feitos quando eu aparecia na agência com um folheto de cordel ou com LP’s de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, em plena era do CD e outras mídias digitais!
À medida que eu colecionava folhetos, ia escrevendo meus textos e procurando temas mais abrangentes, que fossem compreensíveis a qualquer tipo de público. A sátira política era um de meus temas favoritos, mas também comecei a me enveredar pelo romance de 16, 24 e até 32 páginas, exercitando a minha poética de forma consciente. Fiz várias pelejas imaginárias, sozinho ou ao lado de parceiros, para testar outras modalidades, como o martelo, o beira-mar, o cantador de vocês, o oitavão rebatido e outros gêneros da cantoria.
Quando me preparava para lançar a “Coleção Cancão de Fogo”, uma caixa com dez folhetos, meus e de Pedro Paulo Paulino, passei na gráfica Simões, que ficava na rua Agapito dos Santos (Centro de Fortaleza), e peguei alguns exemplares dos quatro primeiros títulos que acabavam de ser impressos. Minutos depois passei numa banca de revistas da Praça do Liceu e deparei com um senhor grisalho, de estatura mediana, magro, usando uns óculos grossos e arredondados. A figura me pareceu familiar, embora nunca o tivesse visto pessoalmente. Procurei nos escaninhos da mente e acabei deduzindo que havia visto a sua foto no jornal, em matéria assinada pelo jornalista Eliézer Rodrigues, divulgando o lançamento de seu livro “Cordel, Mito e Utopia”. Era o poeta e pesquisador Ribamar Lopes, organizador da melhor antologia de Literatura de Cordel de que se tem notícia no Brasil, aquela lançada pelo Banco do Nordeste.


Hesitei alguns minutos antes de me apresentar, mas, percebendo que ele já se despedia do Bandeira, dono da banca de revistas, adiantei-me e fiz a pergunta que já estava engatilhada:
— O senhor é o escritor Ribamar Lopes?
— Em carne e osso, disse ele.
— Muito prazer. Tenho ouvido falar de suas pesquisas sobre Literatura de Cordel. No momento estou empenhado na publicação de uma caixa de folhetos.
— Uma caixa de folhetos?!
— Sim, respondi. Como eu e meu parceiro já dispomos de vários títulos, resolvemos lançá-los numa coleção, como aquela de Patativa do Assaré, organizada pelo professor Gilmar de Carvalho, que foi lançada pela SECULT-CE.
Ribamar me olhou meio desconfiado, como que duvidando do meu talento, e rebateu:
— Muito bem. Mas, vocês já têm bagagem para isso? Já publicaram alguma coisa?
— Acabo de receber da gráfica alguns exemplares dos quatro primeiros...
— Deixa eu ver. Se prestar eu digo. Se não prestar... Posso ver?
Meti a mão lá na “aduana”, como diz o Kid Morangueira, e saquei os seguintes títulos: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, Encontro de FHC com Pedro Álvares Cabral, Peleja de Franciné Calixto com Pedro Tatu e Debate de Zé Limeira com os profetas do fim do mundo. Os dois últimos em parceria com Pedro Paulo, que, salvo engano, também estava presente a esse encontro, ocorrido em julho ou agosto de 1999.
Ribamar esboçou um sorriso maroto, ajustou os óculos na ponta do nariz e abriu o primeiro folheto, lendo-o em voz alta:

Eu admiro o cangaço,
Apesar da violência
Dos engenhos o bagaço
Porque a minha vivência
Tem sido nesse sertão
Pesquisando Lampião
Padim Ciço e Conselheiro,
Cultura que não se esmaga
E ouvindo Luiz Gonzaga
Nosso maior sanfoneiro.

No município de Exu
Divisa com o Ceará,
Nos Sertões do Pajeú,
Do Juazeiro pra lá
Nasceu este nordestino,
Artista desde menino,
Orgulho do meu sertão
Dia treze de dezembro
De doze, ainda me lembro,
Nasceu o REI DO BAIÃO.

O mestre arregalou os olhos, abriu-se num sorriso largo e sincero e perguntou:
— É tudo em dez pés?
— Não, respondemos. Tem folhetos em sextilha, setilha, e também pelejas com outras modalidades da cantoria.
Ribamar leu mais algumas estrofes de outro folheto e acenou com o polegar para cima, como faziam os romanos no Coliseu, quando queriam salvar a vida de um gladiador. Entabulamos um papo animado e ele percebeu, de imediato, que não éramos neófitos nem penetras naquela seara. Então, fez-nos um convite:
— Meninos, eu tenho o que fazer em casa. Moro nesse prédio, quase defronte à banca de revistas. Querem me fazer uma visita?
— Agora?
— Sim, por que não?
Seguimos o Ribamar, e a partir daquele instante estávamos crismados como poetas populares, sagrados cavaleiros das rimas por uma das maiores autoridades no assunto. Quando adentramos no apartamento em que ele morava, não nos surpreendemos com a quantidade de livros nas estantes que havia na sala, no corredor, no seu gabinete de trabalho e outros cômodos da casa. O que nos deixou basbaques, boquiabertos, foi a coleção de folhetos de cordel, composta de quase seis mil títulos, organizada em dois armários de ferro com amplos gavetões, cuidadosamente organizados por assunto, autores, editores etc. Coisa metódica, de um pesquisador sério e organizado.
E que alegria reencontrar folhetos que havíamos lido na infância e que haviam se extraviado, levados por empréstimo, destruídos pela ação do tempo ou perdidos em faxinas e mudanças.
Quis pedir alguns emprestados, mas achei que estaria abusando da confiança do novo amigo e deixei para uma visita futura, que aconteceu logo na semana seguinte. Ribamar, um pouco desconfiado, pegou alguns títulos que tinha em duplicata e me emprestou, dizendo que forneceria outro lote, assim que eu devolvesse o primeiro. Foi assim que pude reler todos os clássicos que havia lido na infância e travar contato com outros títulos igualmente preciosos, como a obra dos poetas Delarme Monteiro e Manoel Camilo dos Santos, que eu mal conhecia. De Delarme só havia lido, até então, “O sino da Torre Negra” e de Camilo apenas o clássico “Viagem a São Saruê”, que aparece um duas ou três antologias. Em setembro daquele mesmo ano, no dia do meu aniversário, o Velho Riba me presenteou com um exemplar da terceira edição da Antologia do BNB, obra espetacular, onde os folhetos aparecem de forma fac-similar, algo que lhe custou muito trabalho, pois na época não se conhecia o scanner e outras ferramentas de tratamento de imagem.
Para encurtar a conversa, além de amigo dileto, Ribamar tornou-se, a partir dali, revisor de minhas obras e, mais das vezes, contribuiu com sugestões maravilhosas. Caso dos livros “São Francisco de Canindé na Literatura de Cordel” e “Acorda Cordel na Sala de Aula”, para os quais escreveu o prefácio, fez a revisão e ainda sugeriu a inclusão de alguns assuntos.
Foi uma perda muito sentida, a sua partida inesperada em janeiro de 2006. Na véspera tivemos um encontro no Fabiano da Panelada, ali na Praça do Liceu, e o Riba, jovialmente, recordou muitos episódios da sua infância em Pedreiras-MA e de sua juventude, na capital São Luís. Poeta de esmerado talento, contista imaginoso e ensaísta consagrado, Ribamar nos deixou um legado literário que, infelizmente, vai sendo aos poucos esquecido, nesse país de desmemoriados. Dentre as amizades que cultivou, os que sempre o relembram em conversas, além de mim, figuram o escritor Raymundo Neto, que o homenageou numa crônica belíssima e o poeta Rouxinol do Rinaré, que adaptou alguns de seus contos para o Cordel.


José Ribamar Lopes nasceu no dia 8 de novembro de 1932 em Pedreiras (Maranhão) e faleceu em Fortaleza (Ceará) aos 24 de janeiro de 2006.
Contista, poeta e ensaísta, nas últimas décadas vinha desenvolvendo grande atividade como pesquisador e incentivador da Literatura de Cordel. Deixou publicado os seguintes livros: "Literatura de Cordel (Antologia)", "Quinze Casos Contados" (Contos); "Viola da Saudade" (Poesia) e "Sete Temas de Cordel" (Ensaio), "Viola da Saudade" (Poesia, livro póstumo), além do inédito "O Dragão da Literatura de Cordel", cujos originais foram confiados à Tupynanquim Editora.

Arievaldo Vianna
(do livro NO TEMPO DA LAMPARINA)


quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

HOMENAGEM


MULHERES DA ABLC HOMENAGEIAM 
O POETA GONÇALO FERREIRO NA 
PASSAGEM DOS SEUS 80 ANOS

DALINHA CATUNDA
Cadeira, 25 da ABLC
*
Mestre Gonçalo Ferreira
Oitenta anos de idade
Com muita capacidade
Vencendo cada barreira
Lá no alto da ladeira
No cimo de Santa Tereza
Demonstra sua destreza
Na arte de versejar
Como sabe declamar
Disseminando beleza.
*
Lá no Ceará nasceu
Esse mestre da cultura
No cordel Literatura
Ele vive o apogeu
A classe reconheceu
Sua obra sua história
Vive seus dias de glória
Só colhendo o que plantou
Seu nome lugar ganhou
Numa legenda notória.
*
Fundador da Academia
Brasileira de cordel
Desempenha bom papel
Na casa da poesia
Lá se encontra todo dia
Muito bem acompanhado
Madrinha Mena ao seu lado
Cheia de dedicação
Cumprindo a Santa missão
Nesse ideal tão sagrado.
*
Parabéns ao presidente
Dessa nossa academia
Cuidando da confraria
Semeou boa semente
É voz forte e presente
Em nossa instituição
Ao poeta a louvação
Faço com muito carinho
Muita Luz em seu caminho
Desejo de coração.
*
ROSÁRIO PINTO
Cadeira, 18 da ABLC
*
Gonçalo, grande poeta
Hoje faz aniversário
Com nome no abecedário
Do verso, é grande esteta
Sua poesia arquiteta.
Pelas musas, abonado
Do cordel um apaixonado
Percorre todos os temas
Pra ele não há dilema,
Por seus confrades, aclamado
*
Fundou a Academia
E aos poetas irmanar
Reuniam-se num bar
Alegres e em harmonia.
Tudo ali se discutia.
A Academia cresceu
E atingiu seu apogeu.
E com seus 80 anos,
Tem lugar entre decanos.
Dezembro é seu jubileu.
*
E Gonçalo muito ativo
Nestes seus 80 anos
Une “gregos e troianos”
É sempre muito assertivo
Respeita o coletivo
E os poetas reunidos
Aplaudem hoje comovidos
Mena, sua companheira,
É também uma guerreira
Tantos folhetos vendidos.

ALBA HELENA CORRÊA
Cadeira, 16 da ABLC
*
20 de Dezembro – o dia!
Diligente o calendário,
comunica o aniversário,
de alguém que com energia,
desde bem jovem porfia.
Lutou demais e venceu,
porque nunca esmoreceu.
De viva voz eu propalo:
estou falando do GONÇALO,
que chegou ao apogeu!
*
Aos 80 anos de vida
ele escreveu bela história,
que culminou em vitória.
O tempo é que consolida,
a trajetória seguida.
Constrói cada octogenário,
o seu próprio relicário.
A idade nos enobrece:
prêmio que Deus oferece,
é glória em nosso fadário!
*
GONÇALO se dedicou
à difusão do cordel:
magistral em seu papel!
Muito saber propagou
sempre por onde passou,
recebeu consagração,
dentro e fora da nação.
Parabéns, mestre GONÇALO!
Todos querem abraçá-lo,
no seu dia de oitentão.
*
JOSENIR LACERDA
Cadeira 37 da ABLC
*
A data tem ar de festa
É dezembro, dia vinte
Tons de beleza e requinte
Em tudo se manifesta
Parecem fazer seresta
As aves no arvoredo
A natura, sem segredo
A novidade anuncia
E escreve com maestria
Mais um precioso enredo
*
Evento que tem começo
Na folha do calendário
Que registra o aniversário
De alguém alvo de apreço
Por isso tanto adereço
Cerca a comemoração
Alegria e emoção
Enchem festivos espaços
Sentimento vira abraços
Gestados no coração
*
Brilhante ação envolvida
No mais precioso halo
Pra homenagear Gonçalo
Que celebra o dom da vida
Com sua esposa querida
A doce madrinha Mena
Que a vivência faz serena
E com os filhos, completa
A musa acolhe o poeta
E sela uma vida plena
*
ANILDA FIGUEIREDO
Cadeira, 03 da ABLC
*
Vejo em Gonçalo Ferreira
Uma grande fortaleza,
O mar na sua grandeza,
Um tronco de aroeira,
A força da cachoeira,
Exercendo seu papel,
Quando derrama o cordel
Com rima, métrica e bravura,
O verso ganha estrutura
Nas mãos desse menestrel.

*
Conterrâneo de Iracema
Do romance alencarino,
Penso que, desde menino,
Pinta e borda em poema,
A natureza é um tema
Que lhe é peculiar,
Porém pode abordar,
Qualquer assunto ele escreve,
Pois é farta a sua verve
Na arte de versejar.

*
Oitenta anos de idade,
Amor e sabedoria,
Seu CPF é poesia,
Seu cordel, a identidade,
Sua pena é qualidade,
Seu tinteiro é escrever,
Títulos tem por merecer,
Arranca do coração,
Sua melhor criação
Foi fundar a ABLC.

*

FONTE: BLOG CORDEL DE SAIA

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

CORDEL, MÚSICA E TEATRO

(Reprodução de fotos do site do IENH)

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO: CORDEL DE ARIEVALDO VIANA É UTILIZADO EM MONTAGEM TEATRAL POR ALUNOS DE NOVO HAMBURGO-RS


Obra de Shakespeare inspira cordéis e peça teatral na Unidade Pindorama

Alunos bilíngues dos 5ºs anos interpretaram Midsummer Night´s Dream - Sonho de Uma Noite de Verão - Shakespeare e os Cordéis



Língua Portuguesa, Inglês Aplicado, Música e Artes. Esses foram os componentes curriculares envolvidos no projeto interdisciplinar do 5º ano A do Ensino Fundamental Bilíngue da IENH – Unidade Pindorama, da cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Na montagem, foi utilizada a adaptação em CORDEL da obra “Sonho de uma noite de verão” de William Shakespeare, pelo cordelista cearense Arievaldo Vianna, em livro publicado pela Editora Amarylis, em 2013. A obra foi quem inspirou os alunos no planejamento e produção do trabalho.

Nas aulas de Língua Portuguesa, com a Professora Carolina Müller, a obra foi trabalhada na forma de cordel através do livro “Sonho de uma noite de verão em cordel”, escrito pelo cordelista Arievaldo Viana. Nas aulas de Inglês Aplicado com foco em Artes, os alunos ouviram a história “Midsummer Night´s Dream” contada pela Professora Janaína Menezes através do texto de William Shakespeare.




Após as primeiras pesquisas, os alunos entraram em contato com o mundo das artes da Grécia antiga, a vida de Shakespeare e sua importância na literatura inglesa e no teatro. Desta forma, em conjunto com a Professora Janaína, agregaram o texto de cordel do autor Arievaldo Viana como narrativa e criaram falas para uma montagem teatral. Com a Professora Carolina, os estudantes listaram as personagens da história e foram desafiados a criarem um cordel contando sobre cada personagem e sua participação na história. Para isso, estudaram a métrica, rimas e o vocabulário adequado para produção dos cordéis.

No dia 13 de dezembro, através da apresentação da peça teatral Midsummer Night´s Dream - Sonho de Uma Noite de Verão em Cordel, a turma teve a oportunidade de compartilhar tudo que aprendeu com os seus familiares, Núcleo Pedagógico da Unidade e a Direção da escola. A medida em que a história era contada, por diversos locais da escola, os alunos encenavam e guiavam o público. A Professora Janaína narrava a história em cordel, enquanto os alunos realizavam os diálogos em Inglês. A montagem contou com uma trilha de músicas tocadas com instrumentos que remetiam à cultura nordestina, origem da literatura de cordel, que foi criada e executada pela turma e pela Professora Daniella Neres.

Ao final da peça teatral, os estudantes entregaram para suas famílias o “Cordel em Caixa”. Todos os cordéis produzidos pelo 5º ano A foram impressos e reunidos em uma caixa para serem compartilhados. Nas obras elaboradas, a Professora Rita Mosmann também desenvolveu a técnica de ilustração por meio da xilogravura, que também está presente no gênero literário de cordel.

“Os alunos tiveram protagonismo total na montagem da peça teatral, música e escrita dos seus cordéis, além de apresentaram de forma inovadora, utilizando os locais da escola como espaços de arte. A turma desenvolveu a criatividade, colaboratividade, iniciativa, desejo por ler, escrever e atuar em teatro”, destaca a Professora Janaína.


FONTE: https://educacaobasica.ienh.com.br/br/obra-de-shakespeare-inspira-cordeis-e-peca-teatral-na-unidade-pindorama



PARA QUEM ESTÁ INTERESSADO EM ADQUIRIR A OBRA: https://www.manole.com.br/sonho-de-uma-noite-de-verao-em-cordel/p

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

PERAMBULANDO...



FREI MANÉ MAGO NA PRAÇA JOSÉ DE ALENCAR

Depois de orar fervorosamente na velha Igreja do Rosário, joia barroca que ornamenta a não menos vetusta Praça dos Leões, Frei Mané Mago de Jurema deu uma passadinha na Academia Cearense de Letras, onde solicitou uma cadeira para Frei Cancão de Fogo do Amor Divino, seu fiel secretário e escrevinhador de suas memórias. Disseram-lhe que assim que houver uma vaga, informarão com a maior presteza, basta que morra um acadêmico. Pena que o Presidente “à força” da República não seja Acadêmico da ACL, porque existem milhões de pessoas rezando para que esse cabra morra.
Inteirado da corrente de orações que cerca a diabólica figura daquele que tomou de assalto a Presidência da República, Frei Mané Mago contou as últimas moedas de sua algibeira e subiu as escadarias do velho L’Escalle, onde comeu 200 gramas de bacalhau, regado por uma boa dose de vinho do Porto. Em seguida, degustou uma xícara de café expresso e umas bolachinhas com doce de goiaba pregado no cocuruto. Frei Cancão de Fogo absteve-se do nobre repasto porque havia comido CINCO coxinhas...
Frei Mané seguiu pela Guilherme Rocha, procurando uma loja da TOK-DISCOS, porém foi logo informado por um transeunte que a referida casa, que fora deleite de sua juventude musical, há muito fora extinta. Procurou as escadas rolantes das lojas Americanas, que também não existem mais e entrou por uma galeria esquisita, batizada de Shopping “não sei das quantas”, onde deparou com 352 coreanos e mais uns 800 japoneses vendendo componentes eletrônicos e produtos de “marca”, todos de procedência e durabilidade duvidosa. A amarelidão dessa gente o fez lembrar, com escrúpulos (mas, sem preconceitos),  dos patos amarelíssimos da Praça Portugal.
Mais adiante cruzou com dois policiais do Ceará Pacífico, de que nos fala o governador Camilo Santana, e perguntou como estavam as coisas no Triângulo das Bermudas e a movimentação naval nas imediações da Coréia do Norte, regiões banhadas pelo dito Oceano. Não obtendo qualquer resposta de futuro, dobrou a esquina apressado.
Seguiu pela 24 de maio, rumo ao Sebo do Geraldo e adquiriu um livro raríssimo de Gustavo Barroso – Mulheres de Paris, onde leu com muito gosto uma crônica sobre a existência de um CAFÉ DU CEARÁ, em plena capital francesa, no distante ano “da graça” de 1931! Sim, meus diletos leitores. Segundo Gustavo Barroso, desde meados do Século XIX, existia em Paris, na rua La Gaité, uma casa de repasto chamada Au Café du Ceará, cujo proprietário, francês de nascimento, a pegara de terceira mão e não sabia a origem do nome. O bairrista Barroso deduziu que algum cearense dos velhos tempos do Ceará cafeicultor, da Serra do Baturité, instalara-se em Paris com esse negócio.


Inicio da crônica Au Café du Ceará (Gustavo Barroso)

Frei Mané seguiu adiante, sempre acolitado por seu fiel discípulo Frei Cancão do Amor Divino e dirigiram-se ao Beco da Poeira, que não mais existe no seu antigo lugar de origem. Ali pretendiam comprar uma agulha de radiola e um carretel de fita para sua máquina de escrever Olivetti Línea 88. Tudo debalde. Ali encontraram tão somente uma banca de revistas, onde leram a seguinte manchete: “Presidente Temer é internado e faz cirurgia na uretra”, enquanto um camelô esgoelava-se a cinco metros de distância:

- BORRACHA PARA PANELA DE PRESSÃO! DESENTUPIDOR DE PINTO!!!


Antigamente, nos bons tempos de Frei Mané Mago, ali se vendia desentupidor para fogão a gás.


Olivetti Línea 88 - a popular SETE LAPADAS, onde Frei Cancão de Fogo iniciou suas travessuras como escrevinhador.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

105 ANOS DE LUIZ GONZAGA


REI DO BAIÃO, ilustração de Arievaldo Vianna.



13 de dezembro de 2017

Treze de Dezembro
Melodia: Zédantas
Letra: Gilberto Gil

Bem que essa noite eu vi gente chegando
Eu vi sapo saltitando e ao longe
Ouvi o ronco alegre do trovão
Alguma coisa forte pra valer
Estava pra acontecer na região

Quando o galo cantou
Que o dia raiou
Eu imaginei
É que hoje é treze de dezembro
E a treze de dezembro nasceu nosso rei

O nosso rei do baião
A maior voz do sertão
Filho do sonho de Dom Sebastião
Como fruto do matrimônio do cometa Januário
Com a estrela Sant'Ana
Ao romper da era do Aquário

No cenário rico das terras de Exu
O mensageiro nu dos orixás
É desse treze de dezembro que eu me lembrarei

E sei que não esquecerei jamais

sábado, 2 de dezembro de 2017

TEORIA DA TERRA PLANA


E se a terra fosse doida, rodando pra se acabar, tinha derramado as águas 
e era até perigoso o próprio Deus se afogar (Alberto Porfírio)



É impressionante o que se tem visto nos últimos anos aqui nesse planeta que se 
convencionou chamar de TERRA. O obscurantismo está de volta e a imbecilidade tem atingido níveis acima do permitido. Enquanto algumas ANTAS fascistas destilam seu preconceito, outro bando de PAPANGUS anda pregando a teoria da TERRA PLANA! Mestre Alberto Porfírio, um poeta de Quixadá-CE, tirou o maior sarro com essa galerinha trouxa, em meados da década de 1970, no poema intitulado "IDÉIAS DE CABOCLO". Confiram...



Ilustração: Klévisson | Arievaldo Vianna


IDÉIAS DE CABOCLO

O professô dos menino
Fala, fala chega estronda!
Querendo qui eu acredite
Qui a terra seja redonda.

Não, senhor, num acredito
Nunca pude acreditá
Qui viva assim todo mundo
Andando em cima duma bola
Sem nunca iscorregá!

Vós mincê preste atenção,
Um monstro cuma é o trem!...
Se a terra fosse redonda,
Iscorregava tombém.

Ele só diz qui a terra
Veve solta no espaço
Rodando num canto só
Sem tê nada de embaraço.

Muvimenta... muvimenta
E nunca descansa um pedaço,
E qui é as volta qui ela dá
Qui serve pra controlá
A frieza e o mormaço.

Num acredito!... não! não!
Qué sabê cuma é a terra
Na minha maginação?
É um prato feito de barro
Mal feito mais bem grandão!
Emborcado em riba d’água
N’uma firme pusição,
Cum a gente morando in riba
Cum toda satisfação.

Vou prová cuma é mermo
Vou dá toda a insplicação:

Quando Deus fez este mundo
Mandou a terra secá,
Mandou se juntá as água
E foi assim qui fez os má.
E se a terra fosse doida
Rodando pra se acabá,
Tinha derramado as água
E era até pirigoso
O próprio Deus se afogá.

Tá certo ou num tá?!

Os home religioso
Gostun de dizê a gente
Qui tem um tal de inferno
De fogo qui é munto quente
Qui vai pra dentro desse fogo
As alma dessas pessoa
Qui num vão munto decente

Desses home priguiçoso
Qui num quere trabaiá;
Dessas muié vaidosa
Qui usun as roupa curta
Qui é do juêio pra lá;
Qui usun outras safadage
Fazendo a gente pecá
Dispois tudo morre
Vai morá nesse lugá
Debaixo desse arguidá.

Agora eu aviso os home
Qui pras muié são ingrato
Tombém aviso as muié
Qui andun de ponta-de-pé
Mode os sarto do sapato;
Dão zunhada e esconde as unha
Fazendo a moda de gato
Se morrê nesses pecado
Vão pra debaixo do prato!...

Alberto Porfírio


Extraído do Livro: "Poetas Populares e Cantadores do Ceará", de Alberto Porfírio


Poeta ALBERTO PORFÍRIO.

À guisa de conclusão, reproduzo essas duas estrofes do poeta MANÉ MAGO DE PANELLAS:

Eu não sei se o coco é ôco
Não sei se a terra é redonda
Se existe cobra ANACONDA
Se tem caboré no ôco
Se corno de fato é mouco
Se as regiões abissais
Tem feras descomunais
Se aguardente é de cana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.

Não sei quem nasceu primeiro:
Se o OVO, ou a GALINHA,
E não vi quando a bichinha
Se atrepou lá, no poleiro
Vi raposas no terreiro
Com ideias geniais...
E vi tolos bestiais
Aos “pastores” dando a grana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.

Eu não sei se a vaca é louca
Se a ESFINGE tem mistério
Se os mortos do cemitério
Acharam a miséria pouca
Se o diabo dorme de touca
No clarão das capitais
Se as esferas federais
Tem corrupto que me engana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.


Eu não sei se o peba põe
Nem quero ver a ninhada
Não aprendi tabuada
Com o velho Mané Totõe
Não sei se o Bozo supõe
Que agrada aos maiorais
Não sei se os sais minerais
Curam a minha carraspana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.

Não rezo pela cartilha
Do velho OLAVO CARVALHO
Picareta do “BARALHO”
Que embaraçou nossa trilha
Não sei existe armadilha
Nas praças e nos quintais
Pra prender os animais
PATOS que comem banana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.

Não sei se segunda-feira
O VÉLEZ será velado
E o presidente abestado
Vai proferir outra asneira
Se a manada arengueira
Com seus modos bestiais
Vai defender Satanás
Dizendo que ele é bacana
EU NÃO SEI SE A TERRA É PLANA
MAS MEUS ‘EGSS’ SÃO OVAIS.