segunda-feira, 20 de maio de 2019

O MENINO DO CORDEL




Menino paulista realiza sonho 

de construir uma 'cordelteca'

Por Wolney Batista, do Caderno VERSO, do DN

Pedro Popoff, o "Pedro do Cordel", tem ascendência russa e administra um espaço exclusivo à literatura regionalista no Sudeste

Espaço foi implantado em um anexo da loja de artesanato da mãe de Pedro e, atualmente, reúne mais de dois mil cordéis. O cearense Gonçalo Ferreira da Silva dá nome à cordelteca. Poeta presidente da ABLC, ele foi convidado de honra da inauguração.

Quando um pequeno morador do interior paulista começou a se interessar por expressões artísticas que remetem aos rincões brasileiros, as frases ainda eram pueris. "Aos três anos, já gostava muito de sertanejo de raiz; com cinco anos assisti ao filme 'Lampião - o Rei do Cangaço', me apaixonei. Depois, descobri o cordel e assim foi fluindo naturalmente", conta Pedro Popoff, que hoje está com 13 anos.
O amor pela literatura nordestina o fez adotar informalmente o sobrenome "Cordel" e disseminar para outras crianças o conhecimento que acumulou ao longo da pouca idade. O projeto educativo em escolas apresenta o livreto de poesias que carrega a tradição do interior brasileiro em versos e prosas.
A iniciativa ganhou projeção nacional e o menino descendente de russos e apaixonado pelo Nordeste sentiu que estava na hora de dar um passo maior: fundar uma cordelteca na cidade onde mora, Bauru, localizada no interior de São Paulo. "Há uns dois anos, eu já vinha pedindo por um espaço na loja da minha mãe, em uma salinha que estava isolada. Ela cedeu a sala, depois viu que era muito pequena e me deu o escritório, que tá também no mesmo terreno", conta Pedro do Cordel.
União de poetas
Para o sonho ganhar formas concretas, alguns entraves tiveram que ser vencidos. O teto carecia de reparos contra a chuva e o ambiente precisava de móveis. A saída encontrada pela família foi iniciar uma vaquinha online para arrecadar R$ 6,3 mil, mas só pouco mais de 40% da meta foi alcançada.
"A gente teve que lutar muito para conseguir renda, não tivemos apoio de políticas públicas. Mas conseguimos, graças a Deus", diz Pedro. O dinheiro para a reforma saiu das reservas financeiras dos próprios pais, Marcelo e Carla.
Se o auxílio financeiro teve pouca adesão, o cultural se avolumou e materializou-se em centenas de exemplares de cordel. "A Academia Brasileira de Literatura de Cordel nos enviou 800 títulos", comemora Pedro. Poetas de diversos lugares também atenderam ao chamado do pequeno entusiasta. "Recebemos da Isabel Nascimento, Academia Alagoana de Cordel, Cleusa Santos, Joab Nascimento, Ednaldo Alves de Oliveira, Francisco de Assis, Tião Simpatia, Kydelmir Dantas, Pedro Queiroz e do Chico Vaqueiro, que inclusive mandou um gibão do acervo pessoal", cita, a mãe, alguns nomes que estampavam as entregas dos Correios. Atualmente, a quantidade de folhetos no acervo já ultrapassou duas mil obras.

Homenagem a cearense
Inaugurada no fim do mês passado, a cordelteca recebeu o nome de Gonçalo Ferreira da Silva, poeta nascido no município de Ipu, no Ceará, atual presidente e um dos fundadores da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC).


Homenageado, poeta cearense Gonçalo Ferreira da Silva marcou presença na inauguração

A homenagem foi indicação do cantor Moraes Moreira, ocupante da cadeira 38 da ABLC. "Fui a um show dele e minha mãe conseguiu que a gente entrasse no camarim. Mostramos pra ele tudo; o meu trabalho e falamos da cordelteca. Daí ele deu a ideia de colocarmos o nome do Gonçalo Ferreira", detalha o garoto.
No dia da abertura do espaço ao público, o notável cearense foi um dos convidados presentes e discursou sobre o momento especial. "Uma iniciativa espetacular do Pedrinho, que já não é fora de tempo. Na verdade, ele tem se dedicado de corpo e alma à difusão da literatura de cordel por onde anda e deixa um rastro de luz na história da cultura nacional", reconheceu o presidente da ABLC.
O poeta cearense Klevisson Viana festeja a pertinência da implantação. "É uma prova da vitalidade e vigor dessa nossa literatura de cordel, que hoje deixou de ser um fenômeno genuinamente regional, passou a ser nacional e muitas vezes até internacional", pontua.
Andanças pelo Nordeste
No ano passado, Pedro do Cordel esteve no Ceará para aprofundar o conhecimento na cultura nordestina. Ele veio a convite do seminário Cariri Cangaço, evento com 10 anos de existência que se debruça sobre a historiografia cangaceira da região. O encontro já reuniu mais de 700 pesquisadores e 50 mil pessoas somadas todas as edições.
"Pedro esteve conosco em duas edições, uma em Exu, em Pernambuco, e outra aqui em Fortaleza. Pedro encantou a todos pelo profundo amor à cultura do sertão e pelo pleno conhecimento, apesar de bem jovem", recorda Manoel Severo, organizador do seminário.
Ele aponta ainda a relevância da cordelteca como memória para os imigrantes nordestinos. "É importante a criação de um equipamento como esse para Bauru, no estado de São Paulo. A própria capital paulista foi construída e é mantida, em boa parte, pela força de trabalho do nordestino, e uma iniciativa ousada e inédita de um garoto perpetua a força dessa cultura. Nada mais forte do que representar a cultura do Nordeste com o cordel".

Intercâmbio de cultura
Da vivência, Pedro guarda com afeto. "Aprendi bastante coisa sobre literatura de cordel e voltei com um pouquinho mais de bagagem na mala. Conheci muitas pessoas", conta ele, que encantou-se também por Fortaleza. "É uma cidade muito grande e linda, me diverti bastante. Foi um marco na minha vida. Nunca esquecerei esses dias que vivi". Anteriormente, ele já havia viajado a Juazeiro do Norte, Nova Olinda, onde conheceu o mestre Espedito Seleiro e a Fundação Casa Grande, e ao Crato.
Foi nessa última cidade que visitou o Museu de Luiz Gonzaga, fundado por Pedro Lucas, 14 anos. O cratense elogia a ação do xará, com quem soma saberes desde 2016 e já se encontrou algumas vezes. "O Nordeste por muito tempo foi tão sofrido por causa do preconceito. Ele, assim como eu, começou a gostar muito novo e um sulista, como a gente dizia antigamente, ser tão interessado por uma cultura tão linda como a nordestina é imensamente importante. Então, isso só vem a melhorar, expandir e divulgar a cultura nordestina".
As experiências acumuladas ajudam a basilar um sonho grandioso de Pedro Popoff para o futuro. "Quero continuar com a questão do cordel e um dia me tornar presidente do Brasil. E não é brincadeira isso", diz com seriedade e emenda sobre quais temas seriam prioridade para ser bem-sucedido no Palácio do Planalto. "Iria valorizar primeiro a cultura e a educação".


quarta-feira, 8 de maio de 2019

LANÇAMENTO



Poetas Arievaldo Vianna e Bruno Paulino lançam cordel sobre os milagres de Antônio Conselheiro

Por Diego Barbosa

Lançamento acontece nesta sexta-feira (10), na Livraria Lamarca; na ocasião, Bruno Paulino também lança, de forma individual, outra obra.

LANÇAMENTO OFICIAL em Quixeramobim-CE, no Cariri Cangaço, dia 25 de maio. Para saber mais, veja este vídeo, entrevista de Arievaldo Vianna e Manoel Severo Barbosa no programa CORDEL E VIOLA, apresentado por Paulo de Tarso: https://www.youtube.com/watch?v=5P2V1B_OaS0&fbclid=IwAR2wQcS3g9c4PIFoF1gByJA_XcoWhlUgr9vXUX9GmQx-Xk3DC8iqLVIKKYk


Ilustração de Jô Oliveira para contracapa da obra

Das memórias que Arievaldo Vianna carrega consigo da época de infância, aquelas relacionadas às caminhadas com a avó Alzira são ternas e ultrapassam o componente afetivo: remontam a conhecimentos importantes, adquiridos à boca pequena. Ao visitar o município de Quixeramobim, ela fazia questão de mostrar ao neto os lugares históricos e relembrava episódios de seus antepassados.
Um desses saberes, que o poeta batizou em livro de "Lições informais de história", diz respeito à casa de Antônio Conselheiro e o sobrado onde ainda funciona a Câmara Municipal da cidade. Falando-se propriamente do antigo lar do líder do movimento messiânico que reuniu milhares de sertanejos no arraial de Canudos, no Nordeste da Bahia - para resistir às tropas do Governo Federal, em novembro de 1896 -, o escritor recorda ter iniciado, ali, uma relação de estreitamento com a figura do histórico e relevante personagem.
"Eu nasci no sertão Central, na divisa de Quixeramobim com Canindé, onde hoje é Madalena. E, desde pequeno, o Conselheiro foi um personagem que me fascinou. Mas eu nunca tinha feito nada em cordel a respeito dele", explica Arievaldo.
A nova empreitada do poeta, realizada com outro autor quixeramobinense, Bruno Paulino, dá um basta a esse hiato. "Os milagres de Antônio Conselheiro" traduz, nas celebradas rimas da cultura popular, os feitos mágicos do "peregrino", como ele se autodenominava. A obra será lançada nesta sexta-feira (10), às 19h, na Livraria Lamarca. Na sequência, um bate-papo com os autores terá mediação de Zeca Lemos, representante da nova safra de escritores da cidade.
Na ocasião, Bruno Paulino também lançará, de forma individual, seu quinto livro, "Ofertório dos Pássaros", estreia solo no gênero poesia.

Memória

Com prefácio assinado pelo jornalista e pesquisador Gilmar de Carvalho e ilustrações de Arievaldo Vianna e Jô Oliveira, o cordel começou a ter seu projeto modelado há cerca de dois anos, quando uma iniciativa do Sesc-Ler convidou os autores para ministrar oficinas sobre o tema, ampliando perspectivas.
Segundo Arievaldo, "Canudos nem existia quando ele fez o primeiro milagre. Chegou em Monte Santo, onde havia uma seca muito grande, pediu para pregar e traçou uma cruz na parede da Igreja com o cajado. Começou a pingar água do teto do templo naquele mesmo momento". Com criatividade, o feito é narrado no cordel, aliado a outros tantos.


Poetas quixeramobinenses, Bruno Paulino e Arievaldo Vianna iniciaram o projeto de "Os milagres de Antônio Conselheiro" a partir de oficinas organizadas pelo Sesc-Ler
Foto: Tarcísio Filho
Bruno Paulino ressalta ainda que a obra teve como base capítulos do livro "O Capitão Jagunço" (1946), do escritor Paulo Dantas. "Claro que recorremos a outras fontes, como Euclides da Cunha, Ariano Suassuna e José Calazans, pois nossa intenção era também evocar outros aspectos da mística do Beato, como a pregação apocalíptica e o Sebastianismo latente em Canudos", detalha.
Perguntado sobre a relevância de as pessoas ainda hoje se debruçarem sobre a personalidade de Antônio Conselheiro, Arievaldo não titubeia:

"Hoje, mais do que nunca, sua figura é importante para mostrar às pessoas que, por mais humildes que sejam, elas são capazes de uma reação, de se insurgir contra um sistema que está oprimindo, massacrando, retirando direitos, tirando a liberdade, privando das coisas mais elementares".

Divino mistério
Por sua vez, "Ofertório dos pássaros" reúne poesias de Bruno Paulino gestadas sobretudo no último ano. "Dei um conceito à obra de celebração do divino mistério, que é a própria ideia que tenho de poesia, e que também é o mesmo sentido místico da missa", considera. "Por isso a divisão do livro em duas partes do rito religioso: homilia sombria dos dias e ofertório dos pássaros".
O exemplar, de acordo com o poeta, também vai ao encontro de confrontar o que observamos atualmente no Brasil a nível político e social. "No livro, deixo claro que essa é a razão existencial do poeta: ofertar pássaros como resistência, apesar do tempo sombrio". É ler para conferir.

Serviço
Lançamento dos livros “Os milagres de Antônio Conselheiro” e “Ofertório dos Pássaros” e bate-papo com autores. Nesta sexta-feira (10), às 19h, na Livraria Lamarca (Avenida da Universidade, 2475, Benfica). Entrada gratuita. Contato: Facebook da livraria


Os Milagres de Antônio Conselheiro
Arievaldo Vianna e Bruno Paulino
Independente
2019, 46 páginas
R$ 15


Ofertório dos Pássaros
Bruno Paulino
Luazul Edições
2019, 78 páginas
R$ 25