quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

GRÃO DE MOSTARDA


Melindrosa com velho no colo (J. Carlos)

A Parcimônia do Coronel
Humberto de Campos


Nada encantou mais os provincianos que vieram ao Rio para as festas do Centenário (da Independência, em 1922), do que as mulheres que os tentavam nos cafés, nos cinemas, nas esquinas. Milhares deles ficaram depenados na primeira semana, vendo-se obrigados a tornar à província antes, mesmo, da abertura da Exposição. Em compensação, outros mostraram-se espertíssimos e econômicos, destacando-se, entre eles, o coronel Agostinho Nogueira, proprietário e um pequeno engenho em Pernambuco.
Solto, uma noite, na cidade, o coronel pôs-se a andar pela Avenida, indo ter ao ponto dos bondes, à Rua Santo Antônio. Adivinhando-lhe a origem e o pensamento, uma francesinha aproximou-se, o olhar petulante, o sorriso perverso, o gesto desafiador.
— Meu benzinho, por quanto você dá um beijinho na gente? — aventurou o
velhote, com a cara mais sem-vergonha deste mundo.
— Cinqüenta mil-réis, "mon cheri!"
A essas vozes, o coronel meteu o guarda-chuva debaixo do braço, e continuou a andar, tomando pela Treze de Maio. À esquerda da Evaristo da Veiga, sofreu outro assalto. Fez a mesma pergunta.
— Vinte mil-réis, "mon p'tit!"" — informou a aventureira.
Parcimonioso e ajuizado, o "centenário" nortista não deu resposta. Pôs-se a caminhar, de novo, guarda-chuva em punho, até que, na praia da Lapa, novamente abordado, ouviu a terceira resposta.
— Dez mil-réis, "p'tit cochon"!
Ia o coronel, já de caminho, refletindo nessa redução de preços, obtida à proporção que avançava, quando se encontrou com o seu amigo, patrício e compadre, o capitão Teneredo Bordallo.
— Ó compadre, por aqui?
— É verdade, compadre!
— Aonde vais?
Agostinho meditou rapidamente sobre as economias a fazer, e informou:
— Homem, eu mesmo não sei.
E após um instante, pensando nas reduções já conseguidas:
— Mas, pelo que vejo, compadre, eu vou a Copacabana!


(In Grãos de mostarda – pequenos contos)

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Leandro por Pedro Nunes Filho


Leandro Gomes de Barros
Capela de Santa Maria da Magdalena
Por: Pedro Nunes Filho

Leandro Gomes de Barros nasceu em 1865, na Fazenda Melancia, município de Pombal, Estado da Paraíba. A Fazenda pertencencia aos trisavós do autor desta nota, Manuel Xavier de Farias e sua mulher Dona Antônia Xavier de Farias, por quem Leandro foi criado.(1)
Manuel e Antônia eram pais do Padre Vicente Xavier de Farias, que nasceu na mesma fazenda em 1822.
Ordenado sacerdote, aos 24 anos de idade mudou-se para o Teixeira em 1846, tendo permanecido ali durante 61 anos. Faleceu em 13 de dezembro de 1907, com 85 anos de idade. Em 1880, os pais do Pe Vicente mudaram-se para o Teixeira, vindo em sua companhia o grande e talentoso Leandro, aos 15 anos de idade.
 O Pe. Vicente foi o terceiro vigário do Teixeira, como se pode ver no Livro de Tombo abaixo transcerito:


Leandro, por Fabiano Chaves


CAPELA DE SANTA MARIA DA MAGDALENA
           
Fundamentos da Capela lançados em 1792. Doação do patrimônio em 1795. Inauguração da Capela em 1809. 1º Capelão: Cônego Manoel da Costa Palmeiro, vigário de Patos. Foi ele quem lançou os fundamentos e inaugurou a capela. 2º Capelão: Pe Antônio Dantas Correia de Góes, falecido em Patos, no dia 12 de março de 1852. Elevação do Teixeira à Freguesia em 06.10.1857 pela Lei Provincial nº 16. 1º Vigário: Pe José Germiniano Pereira Régis 2º Vigário: Pe Bernardo de Carvalho Andrade 3º Vigário: Pe Vicente Xavier de Farias
No Teixeira, Leandro conviveu com violeiros da estatura de Inácio da Catingueira, Romano da Mãe d'Água, Bernardo Nogueira, Ungulino Nunes da Costa e Nicandro Nunes da Costa. Por eles nutriu admiração e deles adquiriu o estro da poesia popular.
  De Teixeira mudou-se para Vitória de Santo Antão e de lá para o Recife, onde viveu na rua Motocolombó, nº 87, em Afogados.
Leandro era casado com Dona Venustiniana Aleixo de Barros, união da qual nasceu uma única filha, Raquel de Barros Batista(2) que se casou com o poeta Pedro Batista (1890-1938).
Sobre Leandro, Luiz da Câmara Cascudo in Vaqueiros e Cantadores nos dá o seguinte depoimento (pág. 264 - edições de ouro):
 "Nasceu e morreu na Paraíba, viajando pelo Nordeste. Viveu exclusivamente de escrever versos populares inventando desafios entre cantadores, arquitetando romances, narrando as aventuras de Antônio Silvino, comentando fatos, fazendo sátiras. Fecundo e sempre novo, original e espirituoso, é o responsável por 80% da glória dos cantadores atuais. Publicou cerca de mil folhetos, tirando deles dez mil edições. Esse inesgotável manancial correu ininterrupto enquanto Leandro viveu. É ainda o mais lido dos escritores populares. Escreveu para sertanejos e matutos, cantadores, cangaceiros, almocreves, comboieiro, feirantes e vaqueiros. É lido nas feiras, nas fazendas, sob as oiticicas nas horas do "rancho", no oitão das casas pobres, soletrado com amor e admirado com fanatismo. Seus romances, histórias românticas em versos, são decoradas pelos cantadores. Assim Alonso e Marina, O Boi Misterioso, João da Cruz, Rosa e Lino de Alencar, O Príncipe e a Fada, o satírico Cancão de Fogo, espécie de Palavras Cínicas, de Forjaz de Sampaio, a Órfã Abandonada, etc constituem literatura indispensável para os olhos sertanejos do nordeste. Não sei se ele chegou a medir-se com algum cantador. Conheci-o na capital paraibana. Baixo, grosso, de olhos claros, o bigodão espesso, cabeça redonda, meio corcovado, risonho, contador de anedotas, tendo a fala cantada e lenta do nortista, parecia mais um fazendeiro que um poeta, pleno de alegria, de graça e de oportunidade.
  Quando a desgraça quer vir Não manda avisar ninguém, Não quer saber se um vai mal E nem se outro vai bem, E não procura saber Que idade Fulano tem. Não especula se é branco, Se é preto, rico, ou se é pobre, Se é de origem de escravo Ou se é de linhagem nobre! É como o sol quando nasce O que acha na terra, cobre! 
Um dia, quando se fizer a colheita do folclore poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão."
 O poeta João Martins de Ataíde, que comprou os direitos autorais de Leandro a Venustiniana Eulália de Barros, escreveu o seguinte no folheto A Pranteada Morte de Leandro Gomes de Barros:
 Poeta como Leandro Inda o Brasil não criou, Por ser um dos escritores Que mais livros registrou, Canções, não se sabe quantas, Foram seiscentas e tantas As obras que publicou. No dia de sua morte O céu mostrou-se azulado, No visual horizonte Um círculo subdourado Amostrava no poente Que o poeta eminente Já havia se transportado. 
Na tentativa de preservar a memória deste gênio da poesia popular, não posso deixar de registrar o depoimento de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Jornal do Brasil, edição de 9 de setembro de 1976, que escreveu o seguinte:
"Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado a má informação porque o título, a ser concedido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do País, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de "Ouvir Estrelas". (...) E aqui desfaço a perplexidade que algum leitor não familiarizado com o assunto estará sentindo ao ver defrontados os nomes de Olavo Bilac e Leandro Gomes de Barros. Um é poeta erudito, produto da cultura urbana e burguesa média; o outro, planta sertaneja vicejando à margem do cangaço, da seca e da pobreza. Aquele tinha livros admirados nas rodas sociais, e os salões o recebiam com flores. Este, espalhava seus versos em folhetos de cordel, de papel ordinário, com xilogravuras toscas, vendidos nas feiras a um público de alpercatas ou de pé no chão."

  E continua Drummond, sua comparação justa e inteligente:
 
            "A poesia parnasiana de Bilac, bela e suntuosa, correspondia a uma zona limitada de bem estar social, bebia inspiração européia e, mesmo quando se debruçava sobre temas brasileiros, só era captada pela elite que comandava o sistema de poder político, econômico e mundano. A de Leandro, pobre de ritmos, isenta de lavores musicais, sem apoio livresco, era o que tocava milhares de brasileiros humildes, ainda mais simples que o poeta, e necessitados de ver convertida e sublimada em canto a mesquinharia da vida (...). Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro."
  Severino Nunes de Farias, irmão mais velho do autor desta nota, na Fazenda Mugiqui onde mora atualmente, recolheu da memória e passou para o papel os seguintes versos inéditos de Leandro onde ele descreve um encontro que teve com o poeta Chagas Batista na estação de trem de Tapera:
  Batista viajava De Vitória a Jaboatão, Quando chegou a Tapera, Que saltou na estação, Encontrou-se com Leandro, Entraram em coversação: Bom-dia, Senhor Leandro, Como vai, como passou, Leandro não conhecia, Mas disse também bom-dia, De onde vem, quando chegou? Para comprar cigarro Tinha saltado do trem, Disse ele: Não vou bem, Conheces o meu ofício, Já divulgo o precipício E o desmantelo já vem. Bom-dia, colega amado, Disse Leandro a Batista E lhe apurando a vista, Viu-lhe o bigode raspado, Ficou muito admirado, Com muito cuidado olhou E tomando liberdade, Disse: Raspou de verdade, Colega, quem desfeitou? Disse-lhe Chagas: Ninguém, Raspei porque hoje é moda, Eu que sou homem da roda, Por isso raspei também, Só não raspa quem não tem, A moda é de quem quiser, Pode usar ela quem quer. Então, Leandro lhe disse: Homem sem barba é mulher, Quando eu tinha doze anos Não precisava de estojo, Um cabra teve o arrojo De me chamar de santinho, Eu lhe disse: Você quer Meter-se em couro de boi?   Ele me disse: Perdoe, Homem sem barba é mulher!
Leandro nasceu em 19 de novembro de 1865, no sítio Melancia, em Pombal, e faleceu em Recife, no dia 4 de março de 1918.
 
In Nota nº 72 do livro GUERREIRO TOGADO, Fatos Históricos de Alagoa do Monteiro, de autoria de Pedro Nunes Filho.

FONTE: http://www.jornaldepoesia.jor.br/@pn01.html

NOTAS
(1) Esse texto de Pedro Nunes Filho foi escrito antes da publicação do meu livro LEANDRO GOMES DE BARROS, VIDA E OBRA, para o qual ele escreveu um texto de apresentação.  Depois que leu a minha pesquisa é que Pedro Nunes tomou conhecimento de que era parente de Leandro. Sua bisavó, Josefa, era irmã de Adelaide Xavier de Farias, mãe de Leandro. E ambas eram irmãs do Padre Vicente Xavier de Farias. (Arievaldo Vianna)
(2) Leandro e Venustiniana tiveram quatro filhos: Rachel Aleixo, Esaú Eloy, Gilvaneta e Herodias de Barros Lima.



PEDRO NUNES FILHO VIAJOU PARA OUTROS SERTÕES

Por Arievaldo Vianna

Foi com surpresa e pesar que recebi na manhã de ontem (23/01) a infausta notícia do falecimento do escritor Pedro Nunes Filho, um sertanejo apaixonado pela nossa cultura, autor de livros belíssimos como CARIRIS VELHOS - PASSANDO DE PASSAGEM, A SAGA DO GUERREIRO TOGADO, CAATINGA BRANCA, dentre outros. Pedro tinha 73 anos e lutava contra um câncer. Estava internado no Hospital Português, no Recife-PE.
O homem que conhece o sertão, sabe andar na caatinga: pisa na folha seca e não chia! Esse dito, repetido tantas vezes por meu avô Manoel Lima, pode se enquadrar perfeitamente em Pedro Nunes, um cidadão viajado, que cursou faculdade e fez curso de especialização no estrangeiro, mas que nunca perdeu de vista a alma sertaneja, que tinha conhecimento profundo da fauna e da flora do bioma Caririzeiro. Seu livro "Caatinga Branca", uma coleção de contos narrados por vaqueiros, quase sempre na primeira pessoa, mostra que ele sabia prescrutar o âmago e a essência do homem do sertão. E expressava esse sentimento de forma encantadora, tanto em prosa, quanto em poesia.
Pedro Nunes Filho nasceu em 18 de abril de 1944, no povoado de Bonfim, São José do Egito, Pernambuco, mas foi criado na Fazenda Mugiqui, distrito da Prata, na época pertencente ao município de Alagoa do Monteiro, na Paraíba.
Em 2015 tive o prazer de passar uma tarde em sua companhia, num sítio que possuía na Zona da Mata, próximo ao Recife. Na oportunidade entabulamos uma animada conversa sobre o nosso trabalho e algumas influências em comum, passando por José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Leonardo Mota, Gustavo Barroso, Guimarães Rosas e os nossos poetas populares, em especial Pinto do Monteiro e Leandro Gomes de Barros, de quem Pedro Nunes ainda era parente.
Aliás, foi ele quem fez o texto de apresentação da biografia do poeta, que lancei naquele ano. Siga em paz, meu amigo. Que Deus o acolha na sua infinita misericórdia, num recanto do Paraíso chamado SERTÃO... Lá no Cariri celeste.


Livro GUERREIRO TOGADO, de Pedro Nunes Filho



sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A LIRA DO POETA EXPEDITO


SÉRIE PATRIARCAS DO CORDEL
EXPEDITO SEBASTIÃO DA SILVA



Hoje, 20 de janeiro de 2017, seria o aniversário de 89 anos do poeta Expedito Sebastião da Silva, um dos maiores expoentes da Literatura de Cordel no Ceará. 


Recentemente, o escritor Gilmar de Carvalho trouxe à lume mais uma importante contribuição para a história do cordel no Ceará, o livro 'A lira do poeta Expedito', onde trata da vida e obra de um dos maiores expoentes do gênero, Expedito Sebastião da Silva, que teve a vida inteira dedicada à lendária Tipografia São Francisco, de José Bernardo da Silva, rebatizada Lira Nordestina por sugestão de Patativa do Assaré.  Um dos aspectos mais interessantes da obra é o resgate de nove folhetos inéditos do autor, cujos direitos autorais foram negociados com o poeta Abraão Batista, grande amigo de Expedito. Interessados em adquirir a obra poderão entrar em contato conosco através do e-mail acordacordel@hotmail.com.  O livro de 176 páginas custa R$ 20,00 + despesas postais.




TRAÇOS BIOGRÁFICOS DO POETA 
EXPEDITO SEBASTIÃO DA SILVA

Por: Arievaldo Vianna

Expedito Sebastião da Silva nasceu em Juazeiro do Norte-CE, em 20 de janeiro de 1928 (dia de São Sebastião) e viveu toda a sua vida na Meca do Cariri, até falecer no dia 8 de agosto de 1997. Era filho de pais alagoanos, romeiros do Padre Cícero que se fixaram em Juazeiro do Norte nas primeiras décadas do século passado.
Além de bom poeta, foi tipógrafo e revisor da gráfica de José Bernardo da Silva, tendo assumido, com a morte deste, a gerência da Tipografia São Francisco, rebatizada nos anos 70 como Literatura de Cordel José Bernardo da Silva e posteriormente como Lira Nordestina, denominação que permanece até hoje.
De origem camponesa, conseguiu frequentar a escola, chegando a concluir a quarta série ginasial. Durante os anos escolares começou a rascunhar seus primeiros poemas, o que acabou chamando a atenção de José Bernardo da Silva, o grande editor de Juazeiro. Seu primeiro folheto, intitulado “A moça que depois de morta dançou em São Paulo”,  data de 1948. Por essa época, o chefe da oficina tipográfica era o poeta e xilógrafo Damásio Paulo da Silva, que incentiva o jovem Expedito a continuar produzindo. Cuidadoso com a rima e, principalmente, com a métrica, Expedito costumava a revisar a obra de outros poetas que imprimiam seus folhetos na “Lira”. Chegou a receber elogios de Patativa do Assaré, que o comparou ao lendário João Martins de Athayde. Seu romance Suplício de um condenado, um de seus folhetos mais conhecidos, denota essa influência herdada do mestre de Ingá do Bacamarte.
Nos últimos anos de sua existência, Expedito mostrava-se triste com a visível decadência da literatura de cordel e da Lira Nordestina, empresa à qual dedicou toda a sua vida.  A Lira continua decadente, mas o cordel ganhou um novo alento com o surgimento de novas editoras como a Coqueiro, de Recife, a Queima-Bucha, de Mossoró e a Tupynanquim, de Fortaleza.
Na opinião do pesquisador Marco Haurélio, “foi um poeta imaginoso e de versificação correta. Expedito Sebastião da Silva foi para a Tipografia são Francisco o que Delarme Monteiro foi para a gráfica de Athayde ou que Manoel D'Almeida representou, mesmo à distância, para a Luzeiro. ou seja, a cabeça poética”.



Dentre as obras de Expedito Sebastião da Silva, destacamos as seguintes:

- A Bruxa da Meia-Noite ou o Reino da Maldição
- A marcha dos cabeludos e os usos de hoje em dia
- A opinião dos romeiros sobre a canonização do Padre Cícero
- Adriano e Joaninha
- As aventuras de Lulu na capital de São Paulo
- As diabruras de Pedro Malazartes
- Cacilda e Leôncio
- Calvário de uma mãe (ou O amor de Albertina)
- Em defesa do Padre Cícero – O Apóstolo do Nordeste
- Estória de Paulino e Madalena
- História de São Pedro e o homem orgulhoso
- O lobo do Amazonas ou Lindomar e Jacira
- O negrão do Pajeú
- O prêmio da inocência
- O Sesquicentenário do Padre Cícero Romão Batista
- O Mártires da Santa Fé ou Delmiro e Dorotéia
-  Os milagres do Padre Cícero
- Retirada?
- Suplício de um condenado
- Trechos da vida completa de Lampião.



terça-feira, 17 de janeiro de 2017

PERFIS SERTANEJOS


ESCRITOR BRUNO PAULINO LANÇA "SERTÃO: POETAS E PROSADORES"

Traçar perfis jornalísticos com sabor literário foi uma das atividades prediletas do escritor maranhense Humberto de Campos em seus 20 anos de profícua atividade literária. O filho ilustre de Miritiba-MA chegou a reunir boa parte de sua produção jornalística, espalhada em diversos periódicos (jornais e revistas), em livros que obtiveram enorme sucesso à época de seu lançamento. Existe mesmo uma série com esse título singelo “Perfis – por Humberto de Campos”.  Esses perfis jornalísticos, tão em voga desde o Século XIX, visam registrar o cotidiano, o ambiente, a história de vida de pessoas famosas ou anônimas, buscando revelar ao público fatos inéditos ou pitorescos da vida da personalidade retratada. Conclui-se, portanto, que esse estilo de reportagem, que apresenta em sua linguagem traços da literatura, caracteriza o chamado jornalismo literário.
O título deste prefácio – “Perfis Sertanejos” -, remete a um livro raro do folclorista José Carvalho de Brito, cearense do Crato, membro da Padaria Espiritual e primeiro autor a ocupar-se da pessoa e da obra do célebre Patativa do Assaré em livro publicado no Pará, no distante ano de 1930. Por esse tempo o bardo cearense ainda se chamava Antônio Gonçalves e tinha apenas 21 anos de idade. Aliás, reza a tradição que foi José Carvalho quem crismou o poeta Antônio com o codinome Patativa. Agora vamos saber, no parágrafo seguinte, o que esse enorme “arrodeio” tem a ver com o novo livro de Bruno Paulino.
O jovem escritor Bruno Paulino, já consagrado no mundo da crônica após o lançamento de “Lá nas Marinheiras” e “A menina da Chuva”, resolveu aventurar-se também pela poesia, com assumida preferência pelo gênero Cordel. Sempre propenso a novos voos, estreia em novo gênero literário. Reúne agora, no presente volume, uma série de perfis jornalísticos publicados no jornal “Sertão”, informativo produzido lá mesmo no seu amado Sertão Central, mais precisamente em Quixeramobim-CE. O material aqui enfeixado apresenta o melhor de sua produção veiculada naquele informativo no período de 2014 a 2016.
Antigamente, menino sertanejo armava alçapão para pegar passarinhos. E depois de pegá-los, havia o deslumbramento da criança e a adaptação do pássaro cativo que, se abeirando da letra de Humberto Teixeira e Gonzagão, acabava cantando “melhor”. Esses textos de Bruno Paulino surgem depois de uma conversa um tanto informal com a personalidade que deseja retratar. Como um fotógrafo talentoso e detalhista, ele busca flagrar na prosa de seus interlocutores momentos lúdicos e aparentemente banais que acabam produzindo uma ótima impressão nos leitores, a partir de sua abordagem apaixonada e perspicaz. Com seu talento nato de prosador, vai urdindo os fios da conversa como quem tece uma rede de varandas, emprestando a cada peça um colorido novo e diferente. E tem uma vantagem... Ele nem precisa furar os “zói” dos Passarim. Aqui, todo mundo canta melhor!
A jornalista portuguesa Cremilda de Araújo Medina, professora de Comunicação da USP, em seu livro Entrevista: o diálogo possível (Editora Ática - São Paulo, 2008) estabelece que “ao contrário da espetacularização, a entrevista com finalidade de traçar um perfil humano não provoca gratuitamente, apenas para acentuar o grotesco, para “condenar” a pessoa (que estaria pré-condenada) ou para glamourizá-la sensacionalisticamente. Esta é uma entrevista aberta que mergulha no outro para compreender seus conceitos, valores, comportamentos, histórico de vida”.
Passemos agora ao critério utilizado por Bruno Paulino na escolha de seus biografados. Quase todos os personagens aqui retratados têm alguma ligação com o Sertão Central, em especial com Quixeramobim, sua cidade natal. Sob essa ótica é que desfilam por suas páginas nomes como Luiz Gonzaga (visitando a terrinha e cortando o cabelo numa barbearia da cidade natal de Fausto Nilo), Audifax Rios (falando de Antônio Conselheiro), Gordurinha (e suas canções dedicadas ao sertão cearense), Geraldo Amâncio, Diogo Fontenele, Cláudio Portella (trazendo o Cego Aderaldo a tira-colo), João Pedro do Juazeiro, Saraiva Júnior, Luiz Costa, Jards Nobre, João Eudes Costa, Klévisson Viana e o autor dessas linhas.
Ouso afirmar que esse livro do professor Bruno Paulino terá grande repercussão e utilidade no ambiente escolar, recebendo, desde já, o selo “altamente recomendável” deste escriba que vos fala e relata. Boa leitura.

Arievaldo Vianna

Escritor, membro da AQUILETRAS

SERVIÇO:
Lançamento do livro "SERTÃO: POETAS E PROSADORES"
Autor: Bruno Paulino
Quando: 26 de janeiro de 2017
Aonde: Casa de Antônio Conselheiro, a partir das 19h.

Escritor Bruno Paulino, de Quixeramobim-CE

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Anedotas da Mala da Cobra

Cantoria - xilogravura de José Costa Leite

O HUMOR NA CANTORIA – LUIZ ANTÔNIO

Por: Arievaldo Viana

Luiz Antonio foi um dos cantadores mais espirituosos que conheci. Chamava-se, na verdade, Luiz Gonzaga da Silva e nasceu aos 28 de novembro de 1939, em Vista Serrana-PB. Faleceu em 2009, em Mossoró-RN onde residia. Ali presidiu por algum tempo a Casa do Cantador do Oeste Potiguar. Sempre que eu ia àquela cidade costumava encontrá-lo na recepção da Rádio Rural, aguardando o início do programa do poeta Crispiniano Neto. Já idoso, nunca havia publicado um folheto de cordel. Eu estava reunindo, na época, adaptações em versos para uma antologia composta de contos populares recolhidos pelo eminente folclorista Luís da Câmara Cascudo. Essa tarefa culminou com a publicação da caixa 12 contos de Cascudo em folhetos de cordel, pela Editora Queima-Bucha, de Gustavo Luz. Coube a Luiz Antonio adaptar o curioso conto “Couro de piolho”, que na sua versão transformou-se em O rapaz que encheu um saco de mentiras.  Versejador desembaraçado, fez uma adaptação brilhante do referido conto por mim indicado, terminando por compor um dos melhores folhetos da coleção. Depois deste ainda escreveu Um pouco da história de Jesuíno Brilhante e O sal nosso de cada dia.
Cantando certa feita com  o poeta Onésimo Maia, a cantoria começou a fraquejar e as ofertas na bandeja foram se tornando cada vez mais escassas. Desolado com a situação, Onésimo terminou uma estrofe dessa maneira: “Vamos parar o baião / que está ficando ruim.” O irreverente Luiz Antônio respondeu em cima da bucha:

Eu sei que cantamos ruim...
Eu reconheço a derrota,
A culpa é do seu baião
Tão doido e fora de rota
Que dá pra tirar de tempo
Até motor de Toyota.

De outra feita cantava com o saudoso Luiz Campos (autor do famoso poema Carta a Papai Noel) quando entrou uma mulher embriagada e espalhafatosa, prostituída ainda na adolescência, perturbando o ambiente. Luiz Antônio não se conteve e desferiu a seguinte estrofe:

O diabo desta menina
Nunca quis ter vida boa,
Nunca foi moça na vida
Nem casou, pra ser patroa...
De menina sem-vergonha
Passou pra mulher à toa.


* * *

Portador de uma propalada feiúra, mas humorista incorrigível brincava com a própria falta de atributos físicos que lhe negara a natureza. Certa feita viajava de ônibus e uma velhinha começou a rodeá-lo, querendo puxar assunto. Depois de olhar fixamente na sua cara, saiu-se com esta:
Estou lhe achando parecido com uma pessoa?!...
O poeta respondeu, em cima da bucha:
Eu sou uma pessoa, dona!


* * *

Essa outra quem contou-me foi Crispiniano Neto, ex-Secretário de Cultura do Rio Grande do Norte e inspirado poeta:  Quando o Café Kimimo ainda era do empresário paraibano conhecido como Pitéu, eram comuns os bingos em Mossoró. Quando o governo os proibiu, Pitéu que tinha feito muitos deles, não se deu por vencido. Bolou uma excelente ideia de marketing. Fez um bingo onde ninguém comprava a cartela. Quem chegasse com dez embalagens de Café Kimimo vazias, ganhava a cartela e ia concorrer a inúmeros prêmios. No dia marcado, lá ia o poeta tentar a sorte. Quem sabe, um carrinho para viajar e fazer cantorias. O bingo era de manhã. Terminou e o poeta não chegou nem perto de armar, quanto mais de bater. Voltava a pé, pois os coletivos, diante da imensa demanda de um final de bingo, não tinham uma vaga nem pelo amor de Deus. Já perto de casa, após andar vários quilômetros a pé, suor empapando a camisa, cansado e morto de fome, eis que uma vizinha lhe aborda aos berros:

"Seu" Luiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiz, foi pro bingo de Pitéééééu????????
Fui. Respondeu o poeta num fio de voz que denotava o seu imenso cansaço e desgosto.
E tirou alguma cooooooisa?
Tirei...
O quêêêêêêêê, "Seu" Luiz?
Tirei o dia pra ser besta!
 Sempre houve um certo preconceito contra o cantador de viola, sobretudo a partir da década de 1960, quando surgiram os primeiros ecos da jovem guarda e a moçada daqui do Nordeste passou a imitar desbragadamente as modas ditadas pela mídia do Sudeste. Lembro de minhas tias, agarradas com revistas de fotonovelas, suspirando por Wanderley Cardoso, Roberto Carlos e Jerry Adriani e copiando os modelos dos vestidos das atrizes da época. Luiz Gonzaga e cantoria nem pensar! Cordel era coisa de velho, sinônimo de atraso.
Foi nessa época que, em nome da modernidade, resolveram dar um fim na mala de folhetos de cordel de minha avó. Primeiramente a dita maleta foi “desterrada” para a casa velha, espécie de armazém de quinquilharias. Deparei com a mesma totalmente empoeirada, em cima do caixão da farinha e comecei a trazer os folhetos de volta para as gavetas dos móveis da sala de jantar. Nesse leva-e-traz acabaram sumindo de vez, sobretudo quando passei a estudar na cidade.
Geraldo Amâncio contou-me certa vez que quando era um iniciante na arte da cantoria, teve de passar à cavalo por Várzea Alegre ou Icó, juntamente com outro companheiro. Logo na entrada da cidade duas mulheres se acotovelaram numa janela e deram o sinal para as vizinhas:
Olha, mulher! Lá vem dois cantadores!
Aí o mundo desabou... Dezenas de cabeças surgiram nas janelas e começaram a rir, a fofocar e até mesmo vaiar a desafortunada dupla de poetas. Geraldo disse, que para desconto de pecados, a mula em que andava montado se acuou. Aí foi que a galhofa comeu de esmola.
Cena parecida aconteceu com o grande cantador Antônio Marinho (foto ao lado). Ao passar numa calçada, com a viola a tira-colo, duas mulheres o interpelaram e disseram:
O senhor é cantador?
Ante a resposta afirmativa, o poeta foi se afastando. Porém com os ouvidos atentos, aguardando possíveis comentários. Dito e feito, a mais velha e mais feia das duas foi logo dizendo:
Porque será que todo cantador é feio?
Antonio Marinho rodou nos calcanhares, dirigiu-se à velhota e, entregando-lhe a viola disparou:
Pegue a viola, dona, cante!!!
Situação similar aconteceu certa feita com o poeta Luiz Antônio. Ao deixar o modesto bairro em que residia, com viola às costas, meia dúzia de meninos, que brincavam despreocupadamente pela rua, de cipós em punho, começaram a imitar o som da viola em tom de deboche:
Tum, Tum, Tum, Tum, Tum, Tum...  Nhém, nhém, nhém, nhém, nhém, nhém...
Luiz Antônio, sem afobar-se, fitou a molecada e disparou:
Por quê vocês não vão dar os CUS?
Assim, mesmo no plural. Nem precisa dizer que os meninos meteram a viola no saco e pararam imediatamente de importuná-lo.


(In Mala da cobra – Almanaque Matuto, livro inédito de Arievaldo Viana)

sábado, 14 de janeiro de 2017

TRÊS SONETOS - JACÓ E RAQUEL




Encontro de Jacó com Rachel, 1518-19, Rafael
(pintor  italiano do Renascimento, 1483-1520),
afresco, no Palácio do Vaticano – Itália.


Jacó e Raquel (Soneto 29)
Luís Vaz de Camões

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora,
Para tão longo amor, tão curta a vida.

(Soneto XXIX. Luís de Camões, 1524-1580)




A PROPÓSITO DE UM
SONETO DE CAMÕES

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, sujeito esperto.
Servindo ao arameu, quis tê-la perto,
E na faina tão dura se esvaía.

O tal Labão assim se comprazia,
Em ser chamado lobo do deserto,
E Jacó, já pensando estar liberto,
Foi atrás de Raquel, mas trouxe Lia.

Vendo o pobre pastor que o dito sogro
Lhe negou a mulher que tanto amava,
Pois pensava tão só no desencalhe,

Recomeça a servir, pesar do logro,
E no leito com Lia, outra esperava,
E o amor se tornou mero detalhe.

Marco Haurélio
Imagem: Jacó e Raquel (William Dyce)



O sonho de Jacó - Rafael Sânzio

A PROPÓSITO DO SONETO
DO POETA MARCO HAURÉLIO

De Esaú tomou a primogenitura
Pondo peles de cabrito sobre as mãos
Nas disputas que travaram os dois irmãos
Foi Rebeca quem agiu de cara dura!

E Isaac, sacrifício de alma pura,
Segue o engodo, mergulha nesses vãos,
Os seus olhos que já não eram sãos
Não puseram mais água na fervura.

E o Jacó, andarilho dessa estrada,
Sonhador de promessas e de escada,
Procurava qual abelha num vergel

A colmeia que lhe fora prometida
Mas após sete anos nessa lida
Teve Lia, antes de ganhar Raquel.

Arievaldo Vianna


sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

DIA DE SANTOS REIS

Reisado BOI CORAÇÃO, de Cipó dos Anjos (Quixadá-CE)

Reisado, Caretas, Papangus, Brincantes, Foliões de Santos Reis. Eis uma brincadeira secular que praticamente está desaparecendo da cultura cearense. 
Quando menino fui acordado algumas vezes por essa cantiga, na noite do dia 06 de janeiro, Dia de Santos Reis:

Ô de casa ô de fora
Manjerona é quem está aqui
É o cravo, é a rosa
É a flor do bugari. (bis)

Reisado (Caretas) - Ilustração: Arievaldo Vianna


GLOSAS, CANTIGAS E ‘RELAXOS’

DO REISADO CEARENSE


EM FIGURA DE RAPOSA
(Cantiga de Reisado)

Ô de casa ô de fora
Manjerona é quem está aqui
É o cravo, é a rosa
É a flor do bugari. (bis)

Nós estamos em vossa porta
Em figura de raposa
Em figura de raposa
Lhe pedindo alguma coisa.

Esta casa está bem feita
Por dentro, por fora não
Por dentro, cravos e rosas
Por fora manjericão.

Esta casa está bem feita
Só lhe falta a comieira
E viva o dono da casa
Com a sua companheira.

Acordai que está dormindo
Deitadinho em sua rede
Tenha dó de quem está fora
Recostado na parede.

Ó senhor dono da casa
Abra a porta e acenda a luz
Vim buscar os Santos Reis
Vim em nome de Jesus.

O sol entra pela porta
E o luar pela janela
Estou a espera da resposta
Não saio daqui sem ela.

Já ouvi pratos e garrafas
Já vi copos retinir
Já vi dar a volta na chave
Para a porta se abrir.

Deus vos pague Santos Reis
Deus lhe dê muito pra dar
Menino Jesus da Lapa
Ele há de lhe ajudar.

Quando criança eu me encantava com os REIZADOS que assisti no Sertão Central, nos municípios de Quixeramobim, Canindé e Madalena. A figura da velha, com enorme bunda postiça, fazia a alegria da meninada. Mas o personagem que mais me chamava atenção era o “Amo” que dizia glosas e “relaxos” na cabeça do boi. O Quelemente, um vizinho nosso que gostava da brincadeira, sempre repetia os mesmos versos:

Pode crê, mandou lembrança
Se for verdade, Deus lhe pague
Não como frango pedrês
Não como galo pintado

A melhor coisa do mundo
É carinho de menina
Meu padrim o que é que tem
Pra dar a essa tejubina?!

As “tejubinas” a que o caboclo se referia eram as mocinhas que acompanhavam o séquito da BURRINHA, único personagem que permitia a presença feminina no Reizado de Caretas, que varia bastante, de uma região para outra.



Versos da Burrinha:

A burrinha do meu amo
come tudo que lhe dão
só não come carne velha
Sexta-feira da Paixão.

A burrinha do meu amo
tem um buraco no c*
foi um rato que roeu
pensando que era beiju!

O Reizado era animado ao som da sanfona... O saudoso Pedim do Edmundo tocava o baião “Vermêi” enquanto os caretas executavam uma complicada luta de cacetes em perfeita coreografia.


Sanfoneiro Pedro Araújo - Pedim do Edmundo


Os participantes do reisado não assumem a pecha de “papangus”. Eles dizem que papangus são os meninos da plateia. Os brincantes são os caretas.
A criançada empolgada com esse folguedo não falava noutra coisa. Quando criança, de férias no distrito de Iguaçu (Canindé-CE) associei-me a um grupo de meninos que entenderam de fazer um reisado mirim.
Tiramos vergônteas de mofumbo, para fazer a armação do boi, arranjamos um velho lençol de chita para cobri-lo e a cara do bicho foi pintada num grosso papelão. Faltava agora aprender as cantigas do boi. Foi quando alguém nos deu a ideia de visitar o velho José João (ou João José), que morava nos arredores. O bom ancião nos atendeu prontamente e repetiu dezenas de quadrinhas até que nós decoramos a maior parte e nos munimos de um estoque de glosas para a encenação do folguedo. Lembro-me perfeitamente dessas duas:

Eu me chamo Chico Torto
Revesso, quebra-machado,
Cavo cacimba no seco
Depressa dá no molhado.

Só não quero que me mandem
Na rua, comprar fiado,
Que fiado me dá pena
E pena me dá cuidado.”


A apresentação agradou. Apesar do amadorismo do grupo e dos inevitáveis improvisos, foi sucesso total. Retrato de um Sertão não tão distante, que foi tragado pelas mandíbulas afiadas da tal globalização.

Arievaldo Vianna (de O LIVRO DAS CRÔNICAS)
Todos os direitos reservados ao autor.