quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

EXPOENTES DO CORDEL

 
 
  
Folhetos de Joaquim Batista de Sena, editados em Juazeiro do Norte, na Tipografia CASA DOS HORÓSCOPOS, de Manoel Caboclo e Silva
 
 
JOAQUIM BATISTA DE SENA – nasceu no dia 21 de maio de 1912, em Fazenda Velha, do termo de Bananeiras, hoje pertencente ao município de Solânea-PB. Faleceu no distrito de Antônio Diogo (Redenção-CE) no início da década de 90 do século recém-findo. Autodidata, adquiriu vasto conhecimento sobre cultura popular e era um defensor intransigente da poesia popular nordestina. Começou como cantador de viola, permanecendo três anos neste ofício, no final da década de 30.
No início da década de 40, vendeu um sítio de sua propriedade e adquiriu sua primeira tipografia, que funcionou algum tempo na cidade de Guarabira-PB, transferindo-se depois para Fortaleza, onde atuou durante muitos anos. Dizia-se discípulo de Leandro Gomes de Barros e era admirador incondicional de José Camelo de Melo. Durante a Segunda Guerra Mundial, quando viajava de navio de Belém a Fortaleza, foi vítima de um naufrágio da Baía de Quebra-Potes (Maranhão). Salvou-se nadando, mas perdeu uma mala de folhetos, contendo diversos originais. Na capital cearense sua tipografia adotou o nome de “Graças Fátima”. O poeta explicava a razão desse título: durante a passagem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima pelo Nordeste, na década de 50, ele conseguiu ganhar muito dinheiro vendendo folhetos sobre a visita da santa, ampliando consideravelmente seus negócios.
Em 1973 vendeu sua gráfica e sua propriedade literária para Manoel Caboclo e Silva e tentou estabelecer-se no Rio de Janeiro, também no ramo da literatura de cordel, mas não foi bem sucedido. De volta ao Ceará, ainda editou alguns folhetos de sucesso, como o que escreveu em parceria com Vidal Santos, sobre o desastre aéreo da Serra da Aratanha (Pacatuba-CE), onde faleceu, dentre outros, o industrial Edson Queiroz.
Sena era um grande poeta, de verve apurada e rico vocabulário. Conhecia bem os costumes, a fauna, a flora e a geografia nordestina, motivo pelo qual seus romances eram ricos em descrições dessa natureza. Pode-se dizer que com a sua morte, fechou-se um ciclo na poesia popular nordestina e o gênero “romance” perdeu um de seus maiores poetas. Só agora, no início deste novo século, surgem novos romancistas que pretendem dar continuidade à trilha deixada pelo mestre.
Dentre as suas obras de maior aceitação popular, destacamos: A filha noiva do pai ou Amor culpa e perdão; A morte comanda o cangaço; As sete espadas de dores de Maria Santíssima; Estória de Manoel Seguro e Manoel Xexeiro; História de João Mimoso e o castelo maldito; História de Braz e Anália; Os amores de Chiquinha e as bravuras de Apolinário; História do assassinato de Manoel Machado e a vingança do seu filho Samuel; História do Príncipe João Corajoso e a princesa do Reino Não-vai-ninguém.
 
(In “Acorda Cordel na Sala de Aula”, Arievaldo Viana)
 
 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A MULHER QUE FUGIU COM UM ET NO CARNAVAL...

 
 
 
 
Feijão branco era tingido com corante para ficar com cor verde (Foto: TV Verdes Mares/Reprodução)

FONTE: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2015/02/grupo-e-preso-por-vender-feijao-verde-tingido-no-centro-de-fortaleza.html

 

O CASO DO FEIJÃO FALSIFICADO

E DA MULHER QUE FUGIU COM UM ET NO CARNAVAL

Autores: Arievaldo Vianna, Jota Batista e Pedro Paulo Paulino.

 

Ao lançar da minha pena

Nas páginas desse caderno,

- Enquanto o povo sofrido

Suspira pelo inverno -,

Outros da parte do Cão

Estão pintando feijão

Fazendo o maior inferno.

 

Eu pergunto ao Pai Eterno

O que mais falta se vê?

É só roubo e violência

Nos jornais e na TV,

Inda mais, no carnaval,

Uma mulher, só de mal,

Teve um caso com um ET.

 

Primeiro eu conto a você

A história do feijão

Que se deu em Fortaleza

Causando admiração;

Uma mente “satanável”

Fez o caso mais notável

De uma falsificação.

 

De posse de um galão

De uma tinta esverdeada

Um saco de feijão branco

Água fervida ou gelada

Fez logo o feijão inchar

Ficar verde e embalar

Para vender na calçada.

 

Virgem Mãe Imaculada

Que sujeito astucioso!

O povo comprou feijão

Por ser verdinho e “gostoso”;

Mas quem provava uma vez

Não se tornava freguês,

Por ficar branco e pastoso.

 

Mesmo assim, algum guloso,

Se passando por incauto

Comprava bem baratinho

Pra vender por preço alto;

Uma velha “sacripanta”

Foi comprar feijão pra janta

Desconfiou do assalto.

 

E depois gritou bem alto:

- Numa seca como esta,

Se vê tanto feijão verde

Numa quantidade desta?!

Lhe respondeu o “Camonge”:

- Isso vem de muito longe,

Lá do bairro da Floresta!
 
(...)
 
 
CASO DA MULHER FALSA AO MARIDO ABDUZIDA POR ET'S (TRECHOS)
 
 

Não aprende quem não quer

Besta é quem vive iludido
Se não existisse otário
Que seria do sabido?
Uma mulher sem pudor
Foi num disco voador
Trair o próprio marido.
 
Esse mundo está perdido
E mergulhado no mal
A mulher saiu de casa
Na véspera do carnaval
E voltou na quarta-feira
Contando, toda faceira,
Um caso bem anormal.
 
Disse a cuja, num jornal,
Com a cara mais lambida
Que ia para a igreja
Contente e feliz da vida
Quando durante o trajeto
Surgiu um grande objeto
Sendo a mesma abduzida.
 
E o marido da "bandida"
Caiu num golpe de mestre
Para um jumento só falta
O rabo e a carcaça equestre;
Em figura de raposa
Dizia que a sua esposa
Fugiu com um extraterrestre.

 
(...)
 
 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

CADERNO 3 - DN

A SAGA AVENTUROSA DO CANTOR DA BORBOREMA
 
Ilustração: Jô Oliveira

 
No dia 7 de setembro de 1869, nascia mais um patriota no município de Bananeiras-PB: o menino João Melchíades Ferreira da Silva, que se auto-intitularia, no futuro, O Cantor da Borborema. No folheto "Os homens da cordilheira" (há um exemplar catalogado nos Fundos Villa Lobos, organizado por Mário de Andrade), João Melchíades diz que seu avô materno, o beato Antônio Simão, construiu uma igreja na serra, a pedido do padre Ibiapina. Ele teria fundado também uma escola para educar crianças, onde o próprio Melchíades aprendeu as primeiras letras. No terrível triênio de seca que foi de 1877a 1879, já órfão de pai e criado sob a tutela desse avô, o menino João Melchíades foi raptado por um grupo de ciganos. Dizem que ele teria se encantado pela música e resolveu acompanhá-los. Sua mãe só foi resgatá-lo de volta cerca de dois anos depois.
De espírito inquieto e aventureiro, sua sina era correr o mundo. Aos 18 anos sentou praça no exército, ainda na Monarquia. Em 1897 João Melchíades, integrante do 27º Batalhão de Infantaria das Forças Armadas, foi convocado para combater na Guerra de Canudos, onde quase perdeu a vida. Após a guerra, foi promovido a Sargento-Mor. Lembranças familiares, recolhidas num velho manuscrito por sua neta Lela Melchíades, a partir dos relatos de sua avó Senhorinha, informam que ele voltou traumatizado da Guerra e não gostava de tocar no assunto. Ficou muito chocado ao ver os cadáveres de mães carbonizados e abraçadas aos filhinhos, naquilo que Euclides da Cunha batizou de "a nossa Vendeia" ou "Troia sertaneja". Ele participou ativamente da tomada das trincheiras às margens do rio Cocorobó, uma das refregas mais sangrentas daquela luta fratricida.
Informa a pesquisadora Ruth Brito Lêmos Terra que a atividade poética de Melchíades é anterior a 1898. Ela baseia-se no poema "Melchíades escreve a Cícero de Brito Galvão, no Rio de Janeiro, sobre a açudagem do Seridó", onde o poeta faz referência a um açude de propriedade do cangaceiro Silvino Ayres, mentor de Antônio Silvino. O ano de 1898 foi o mesmo em Silvino foi preso e, por conta disso, sucedido por seu êmulo no comando do cangaço.
Em 1903, João Melchíades foi designado para combater na fronteira do Acre com a Bolívia, onde contraiu a febre béri-béri, que quase o vitimou. Nesse período, o poeta andava na companhia do cantador Joaquim Jaqueira e chegou a fazer apresentações em Manaus e em Belém do Pará, ao som da viola. No ano seguinte, segundo apurou o pesquisador baiano José Calasans, Melchíades resolveu publicar, em cordel, suas memórias sobre Canudos. É possível que tenha sido escrito ainda no século XIX, após o término da guerra. Sua visão é alinhada com a propaganda difamatória que se fazia contra o beato Antônio Conselheiro, por meio de libelos divulgados na imprensa, sob a orientação do Ministério da Guerra. Mas nem por isso ele deixa de reconhecer a bravura dos conselheiristas em estrofes antológicas como esta: "Escapa, escapa, soldado/ Quem tiver perna que corra/ Quem quiser ficar que fique/ Quem quiser morrer que morra/ Há de nascer duas vezes/ Quem sair desta gangorra".
Na opinião de Calasans, Melchíades era poeta de reconhecida capacidade, como podemos comprovar nesses versos que consignam um instante dramático da fuga dos soldados da terceira expedição. Na década de 1970, a pesquisadora Ruth Terra entrevistou uma filha do poeta, Santina, e teve acesso a uma carta de 1914, dirigida à sua esposa, Senhorinha (mãe de seus quatro filhos), falando sobre o folheto do Matador de Onças ("História do Capitão Cazuza Sátyro"). Nessa correspondência, o poeta fala também de outras obras e de seus filhos. O pesquisador Mário de Andrade considerou esse poema excelente ("Cazuza Sátyro, o Matador de Onças") e anotou isso, de próprio punho, num exemplar que se encontra na coleção dos Fundos Villa-Lobos. Diz Mário de Andrade: "Estupendo! Não porque esteja feito com espírito, mas pelo interesse extraordinário de quanto conta pelo realismo, às vezes duma firmeza homérica, com que conta. É admirável e vale mais que qualquer espírito". Outro folheto muito elogiado, que tornou-se um dos maiores clássicos da chamada Literatura de Cordel é a "História do Valente Sertanejo Zé Garcia", assim avaliado por mestre Câmara Cascudo, em seu "Vaqueiros e Cantadores": "Retrata deliciosamente o sertão de outrora, com as pegas de barbatão, escolhas de cavalos para montar, rapto de moças, assaltos de cangaceiros, chefes onipotentes e vaqueiros afoitos, cantadores famosos e passagens românticas. Pertence bem ao ciclo social que terminou no século XX e que durara até o século XIX".
 
Xilogravura: João Pedro Neto

 
Pavão Misterioso
 
Entre 1925 e 1929, circula a primeira edição impressa do folheto "O Pavão Misterioso", assinada por João Melchíades Ferreira da Silva. Alguns pesquisadores asseguram que já havia uma versão do poema, escrita anteriormente pelo paraibano José Camelo de Melo Rezende (1885 - 1964) mas que ainda não fora publicada, mas cantada ao vivo. José Camelo era um autor imaginoso e brilhante, de grandes recursos poéticos. Ao que parece, a polêmica em torno da autoria só ganhou repercussão após a morte de Melchíades, em 1933. Depois que o folheto se consolidou como um estrondoso sucesso, tornou-se objeto de cobiça de vários editores, que incitavam a polêmica para facilitar a sua publicação sem pagar direitos autorais a nenhum dos dois poetas.
Segundo as fontes mais acreditadas, nesse período, José Camelo vinha sofrendo perseguições e havia se afastado da Paraíba e se refugiado no Rio Grande do Norte. Essa situação nunca foi devidamente esclarecida. Aroldo Camelo de Melo, sobrinho do poeta, assegura que ele estava preso, em João Pessoa, por causa de dinheiro falso que recebera de um editor no Recife (PE), mas não há provas concretas que endossem essa versão.
Em seus livros, a pesquisadora Ruth Terra apresenta uma lista completa (ou quase) de todos os poetas populares que haviam publicado folhetos entre 1898 e 1930. Na Casa de Rui Barbosa e outras coleções pesquisadas pela autora, aparecem diversos folhetos de João Melchíades, mas nenhum de José Camelo, até o ano de 1930. Segundo o testemunho do poeta Antônio Ferreira da Cruz, que escreveu um folheto intitulado "A morte de João Melchíades - O Cantor da Borborema", publicado pela tipografia da Popular Editora, de João Pessoa, Melchíades era uma espécie de "professor de cantoria" e tinha muitos discípulos. Um de seus parceiros era justamente o cantador José Camelo de Melo, com quem viajava fazendo apresentações. Aroldo Camelo informa que, durante uma dessas apresentações, a questão da autoria do "Pavão Misterioso" veio à baila, mas em clima amistoso. Camelo terminou uma estrofe dizendo: "O pavão tem duas asas / pode voar com nós dois". Melchíades respondeu com outra estrofe, no mesmo tom. Eis o que diz Antônio Ferreira da Cruz, na página 4 do folheto já mencionado, falando inicialmente de uma polêmica (poética) que Melchíades (católico fervoroso) mantinha com os evangélicos: "Era um cantor educado/ Na regra de divertir/ Não bebia, não jogava,/ Nem gostava de mentir;/ Com qualquer pastor da crença/ Gostava de discutir./ Em toda zona brejeira/ Mostrava bem seu emblema/ Era muito conhecido/ Por Cantor da Borborema/ Desde o Pico do Jabre/ Ao Boqueirão da Jurema./ Ensinou muitos cantores,/ Era um escritor de fé/ Andou com José Camelo/ Ensinou Antônio Thomé/ Ensinou José Thomás/ Lecionou Josué./ Em toda escala de versos/ Ele sabia cantar/ Ensinou a cantador/ Que não sabia falar/ Ainda que alguém lhe desse/ A paga de o difamar".
No romance "A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta", de Ariano Suassuna, João Melchíades Ferreira aparece como padrinho de crisma e mestre de cantoria de Quaderna e de seu parceiro Lino Pedra Verde. Pelo visto, mestre Ariano tinha ciência dessa atividade de Melchíades. A saga do Cantor da Borborema deverá virar livro. Para isso estamos iniciando uma cuidadosa pesquisa a fim de contar a sua história sem acirrar, ainda mais, essa polêmica infrutífera que ainda hoje norteia os voos do Pavão Misterioso.

Arievaldo Viana*
Poeta e escritor

Arievaldo Viana nasceu em Quixeramobim (Ceará), em 1967. É poeta, cordelista, escritor e ilustrador. Seu livro mais recente é a biografia "Leandro Gomes de Barros - Vida e Obra" (2014)



Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/coluna/sound-1.160/materia-1.1215774