quinta-feira, 26 de abril de 2018

O TOLO QUE ERA SÁBIO


AS HISTÓRIAS DE MULLA NASRUDIM


Os Contos de Mulla Nasrudin já passaram por muitos séculos. Acredita-se que o personagem de Mulla Nasrudin é baseado em um homem real que viveu no século XIV. No entanto, muitos países pretendem ser a origem do caractere de Mulla Nasrudin real e de suas histórias, e assim permanece incerto onde o homem vivia e as histórias começaram.
Quem conta um conto aumenta um ponto. Ao longo de muitas gerações, novas histórias foram adicionadas, outras foram modificados, e o personagem e as suas histórias se espalharam para regiões mais amplas. Os tipos de temas e sabedoria em seus contos tornaram-se lendárias, produtos de uma variedade de observações e a imaginação das pessoas. E embora a maioria deles retratam Nasrudin em um ambiente de pequena aldeia precoce, os contos de lidar com conceitos que têm relevância para o universo e as pessoas de hoje.
Hoje, as histórias de Mulla Nasrudin são recontadas em uma grande variedade de regiões e foram traduzidas em muitas línguas. (Ele pode apenas ser considerado que algumas regiões desenvolveram de forma independente um personagem semelhante a Mulla Nasrudin, e as histórias se tornam assimilaram juntos.)
Em muitas regiões, Mulla Nasrudin é uma parte importante da cultura e é citado ou aludido freqüentemente na vida diária. Uma vez que existem milhares de diferentes histórias de Nasrudin, um pode ser encontrado para caber quase qualquer ocasião.
Os sufis também usar histórias de Nasrudin freqüentemente como ferramentas de aprendizagem e meditação, semelhantes à maneira como os praticantes de Zen Budismo usam koans.


O TOLO QUE ERA SÁBIO

Todos os dias o Mullah Nasrudin ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam vê-lo fazendo o papel de tolo, com o seguinte truque: mostravam duas moedas, uma valendo dez vezes mais que a outra. Nasrudin sempre escolhia a menor.

A história correu pelo condado.

Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e Nasrudin sempre ficava com a menor. Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse:

- Sempre que lhe oferecerem duas moedas, escolha a maior.

Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros. Nasrudin lhe respondeu:

- O senhor parece ter razão, mas se eu escolher a moeda maior, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro, para provar que sou mais idiota que elas.

O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei, usando este truque. E acrescentou:

- "Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente".

* * *



Também nos diz a sabedoria popular nordestina: “Quando você vinha com os cajus, eu já ia com as castanhas”


Uma máxima popular

Quero deixar registrada:

Quem se acha muito esperto

Às vezes não sabe nada,

Quando espera um maturi

Já tem outro bem ali

Comendo castanha assada.

(Arievaldo Vianna)

quinta-feira, 19 de abril de 2018

DIA DO INDIO


CORDEL DE MANOEL BELISÁRIO


Antes de nossa chegada
Como o índio era feliz!
Tinha a mãe natureza
Como suprema matriz
Da qual extraía a seiva
Necessária ao seu matiz.

A mãe natureza era
Ao extremo respeitada
Porque o índio entendia
Que sem ela ele era nada.
Neste tempo, Pindorama,
Realmente foste amada!

Não tinha poluição,
Queimadas, desmatamento.
Não havia inseticida.
Era puro, o alimento.
O globo sorria alegre
Livre do aquecimento.

O índio só extraía,
da natureza, a essência
A qual fosse necessária
À sua sobrevivência.
Tinha então com o meio
Perfeitíssima convivência.

Não tinha capitalismo
Selvagem ou domesticado.
Com união e respeito,
Todo mundo era tratado.
Cada índio tinha o seu
Espaço igual reservado.

Então chega o europeu
Com o "verdadeiro ideal"
De vida e se escandaliza
Diante do Natural.
Fareja a terra do índio
Como alvo principal.

O índio então vai cedendo
Iludido ou obrigado.
Entrega suas riquezas
Entre elas o legado
Cultural que invadido
Se torna fragilizado.

Quando o índio percebe
Deus! Já é tarde demais...
Os que se diziam amigos
Eram inimigos fatais.
Tomariam suas terras
Com covardia voraz.

Um minuto de silêncio,
Peço ao amigo leitor
Pelo massacre expedido
Que causara grito e dor.
Chamamos dizimação,
Esses atos de horror.

Sinto-me envergonhado,
Caro índio, nesse dia.
Sei que nenhuma desculpa
Vai curar a tirania
Praticada contra ti.
Teu sangue não silencia.

Mesmo assim peço perdão
Por todo o mal que te fiz.
Não é certo massacrar.
Dar vazão à cicatriz
Incurável em função
Da construção de um país.

Se for possível perdoe
Esta vã humanidade
Que se destrói dia-a-dia.
Para ela, na verdade,
O dinheiro e não a vida
Tem maior prioridade.

Percorro quinhentos anos
E ao povo índio contemplo
Na certeza de que ele é
 O mais elevado exemplo
De vida a ser perseguido
Pelo mundo em qualquer tempo.

Autor: Manoel Messias Belizario Neto

Fonte: CORDEL PARAÍBA

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Um ano sem Gonzaga


RELEMBRANDO O POETA

GONZAGA VIEIRA 


Conheci o poeta José Maria GONZAGA VIEIRA em 1980, no Salão Arte Canindeense, que funcionava nas imediações do zoológico de Canindé. A princípio eu não sabia que ele era cordelista e muito menos que já tinha algumas obras publicadas. A atividade por ele exercida, que me despertou interesse, era o ofício de artesão. Gonzaga trabalhava com um material bem variado: sementes de mucunã e mulungu, couro de porco curtido, talos de carnaúba, fios elétricos, arame, lã, cola de sapateiro, pedaços de madeira e usava tinta e verniz para o acabamento final de suas peças. Eram pequenos bonecos, sozinhos ou em dupla, sobre um pequeno pedestal de madeira, representando figuras típicas do Nordeste como o vaqueiro, a dupla de violeiros, Lampião e Maria Bonita, dentre outros. Esses pequenos calungas eram de uma expressividade ímpar e praticamente nunca mais vi algo parecido. Além de montá-los sobre um pedestal, Gonzaga também os fazia em formato reduzido e os pendurava em chaveiros. Tinham ótima aceitação junto aos romeiros. Além do artesanato, que aprendera com um hippie em Fortaleza, no início da década de 1970, Gonzaga também se dedicava à pintura num estilo próximo ao surrealismo.
Certa feira ele me viu com uma pequena tábua nas mãos, tentando fazer uma matriz de xilogravura. Era coisa puramente intuitiva, porque eu nunca vira ninguém trabalhar com essa técnica. Apenas umas fotos de matrizes do Mestre Noza numa matéria de jornal. Foi somente aí que ele me disse ser poeta popular, com folhetos publicados. Suas obras iniciais foram O ABC do Consumidor e O ABC dos Tubarões. No momento escrevia folhetos sobre São Francisco das Chagas, padroeiro da cidade, cujo oitavo centenário de nascimento se aproximava. Apresentou essa obra na SECULT-CE e levou até um desenho feito pelo Lisboa, para servir de capa. Seu texto não foi publicado e a capa foi utilizada em outro cordel escrito pelo Padre Matusalém de Sousa, com a mesma temática escolhida por Gonzaga. Isso lhe despertou um sentimento de revolta que ele externou por longo tempo.
Certa tarde apareci no Salão Arte Canindeense e ele estava com um caderno nas mãos, escrevendo um cordel. Dei alguns palpites, de rima e métrica e ele me propôs a parceria. “Vamos fazer a quatro mãos, poeta” – disse-me ele. Sentamos num banco do zoológico, próximo à jaula dos leões e começamos a nossa parceria. Era um folheto intitulado “Um dia de eleição no país da bicharada”, daí a escolha do zoológico para pesquisar costumes dos que se encontravam ali, sobretudo os macacos, que eram personagens de destaque nessa trama imaginária. Subitamente chegou um funcionário do zoológico trazendo a carcaça de um jumento morto e esfolado num carrinho de mão, para servir de repasto aos leões. Admiradores de Padre Vieira e Luiz Gonzaga e defensores naturais do jumento, nos revoltamos com aquilo e começamos, de imediato, outro cordel intitulado “O massacre do Jumento Nordestino”, cujas estrofes iniciais diziam o seguinte:

O jumento nosso irmão
Cantado em prosa e verso
Que um dia transportou
O Autor do Universo
Vive hoje maltratado
Sendo até eliminado
Num atentado perverso.

Na fuga para o Egito
Jesus, José e Maria
Optaram pelo jegue
Por ser boa montaria
E a Família Sagrada
Viu-se assim transportada
Com conforto e garantia.

(...)

Nos circos e zoológicos
É comida de leão
Repasto de outras feras
É o nosso pobre irmão;
Há tempos Luiz Gonzaga
Denunciava esta saga
Em inspirada canção.

Esse caderno, contendo uns dez originais que produzimos entre 1981 e 82, perdeu-se, irremediavelmente, por ocasião de um dos porres que o poeta costumava tomar. Às vezes passava semanas inteiras mergulhado na bebida. Tempos depois resolveu ingressar num grupo de Alcóolicos Anônimos, onde perseverou por algum tempo, abolindo completamente o uso da bebida. Porém, tinha recaídas e, quando menos se esperava, retornava ao álcool. A princípio, era vinho e cachaça. Já nos últimos anos de vida, dava preferência à cerveja.
Fizemos muita coisa em parceria... Escrevemos mais de 20 cordéis, dentre os quais: "O massacre do jumento nordestino", "Um dia de eleição no país da bicharada", "As peripécias da Vaqueira Rozadina", "A lida de Conrado e a honradez sertaneja", dentre outros. Editamos, no final da década de 1980 um fanzine chamado TRAMELA, com tiragem de, aproximadamente, 500 exemplares mensais. Publicamos um álbum de HQ em cordel, um dos primeiros desse gênero, intitulado Canindé – Cidade da Fé, com tiragem de 10 mil exemplares, que esgotaram em menos de um ano!
Atuamos juntos nas rádios Jornal de Canindé AM e São Francisco AM, participamos de feiras e palestras sobre cordel e, um ano antes de sua morte, gravei o seu depoimento para o IPHAN. Mais de uma hora em áudio e vídeo falando da sua atuação como poeta popular e folheteiro. Por ocasião de sua morte, em abril deste ano (2017), publiquei essa homenagem ao poeta no blog “Mala de Romances”:

ENCANTOU-SE O POETA GONZAGA DE CANINDÉ

Faleceu na madrugada do último domingo (16/04), no Hospital Regional São Francisco de Canindé, vítima de úlcera no estomago, o cordelista José Maria Gonzaga Vieira (Gonzaga Vieira), 70 anos, nascido aos 20 de setembro de 1946. (...)
O corpo do poeta Gonzaga de Canindé foi velado na sede da Associação da Cultura de Canindé, ao lado da Policlínica, na Av. Francisco Cordeiro Campos, no bairro do Monte. Juntamente com seu primo Lisboa e outros artistas canindeenses, lutava pela criação de uma entidade para congregar os artistas de sua terra, sendo que as primeiras tentativas foram o Salão Arte Canindeense, e depois a PROARTCA - Projeção Artística Canindeense, que infelizmente nunca se consolidou. Mais tarde, esse mesmo grupo fundaria a Associação de Artesãos de Canindé, que existe até os dias de hoje.
José Maria Gonzaga Vieira era artesão, radialista, cordelista, escritor, poeta popular e representante regional da Associação Cearense de Jornalistas do Interior ACEJI. Seus trabalhos mais conhecidos como cordelista eram O ABC do Consumidor, Assim era São Francisco, Canindé da Lenda à Realidade, Peripécias da Vaqueira Rozadina, A lida de Conrado ou a honradez sertaneja e História de Aparecida, a Menina Perdida nas Matas do Amazonas, A vida de Alan Kardec em cordel, dentre outras. Muitas dessas obras foram publicadas pela Tupynanquim Editora, do poeta e editor Klévisson Viana.
De acordo com pessoas mais próximas a Gonzaga, ele vinha lutando contra uma enfermidade na próstata, inclusive já marcara uma cirurgia, que não chegou a se realizar. Porém, não foi esse o motivo de sua morte; de acordo com levantamentos feitos junto aos parentes de Gonzaga, ele passou mal no dia 14 de abril, sendo socorrido na Unidade de Pronto Atendimento - UPA 24 Horas, e depois encaminhado ao Hospital São Francisco, onde veio a falecer por volta das 4 horas da madrugada de domingo, 16 de abril. Conforme o laudo médico, vítima de complicações em úlcera no estômago, a qual já se encontrava em estágio bastante avançado. O sepultamento de Gonzaga Vieira aconteceu no Cemitério São Miguel, em Canindé, às 16 horas de domingo, 16 de abril de 2017.
José Maria Gonzaga Vieira nasceu em Canindé no dia 20 de setembro de 1946, filho de Francisco Barbosa Vieira e Bernardete Maria Gonzaga, filha do mestre Luiz Gonzaga de Maria (Luiz Fabiano), que foi, segundo o poeta, aluno do Liceu de Artes e Ofícios fundado pelos frades Capuchinhos, que administraram a Paróquia de Canindé no período de 1896 a 1923. Luiz Fabiano foi construtor de vários prédios em Canindé, inclusive a ermida do Monte ou Igreja de Cristo Rei.

* * *

(Do livro "NO TEMPO DA LAMPARINA", ainda inédito)


terça-feira, 10 de abril de 2018

Leandro na SUPLEMENTO PERNAMBUCO



DAQUELE QUE NOS LEGOU 
UMA IMENSA POESIA

Fonte: Revista SUPLEMENTO PERNAMBUCO
 Escrito por Gisa Carvalho (imagens: Maria Júlia Moreira)

Eu sou pesquisadora da poesia de cordel. Já conversei com um monte de poetas, li incontáveis folhetos. No percurso, sempre aparece Leandro Gomes de Barros, encantado há 100 anos. Me falam dele como “pai” da poesia, por ter inaugurado a forma impressa da poesia popular. São pessoas gratas, dizendo que ele é um gênio. Eu chamaria de empreendedor – o que não lhe suprime a genialidade. Sem recursos financeiros para investir em uma editora, haveria de usar a criatividade para pensar em um formato barato, fácil de transportar, e que mantivesse a aura da poesia oral, que já era o “jornal” do Sertão. E aí ele é quem oferece o folheto colibri. Leve e volante. Capaz de chegar aos mais distantes territórios.
De início, pensei que isso se devia só ao seu pioneirismo. Que, depois, tudo teria se transformado e que essas homenagens constantes eram um esforço de engessamento da poesia de cordel, um apego ao passado e uma resistência ao futuro, com medo da morte do cordel. Como se fosse a criação de uma figura heroica, quase santificada, a quem os poetas poderiam se apegar para reivindicar a própria legitimidade poética. Principalmente, quando eu ouvia falar sobre sua obra conservadora, machista e preconceituosa. Mas eu estava enganada. Ainda bem.
Me permiti a leitura de suas obras. Politicamente, mantenho uma criticidade, por exemplo, diante de seus folhetos sobre a figura da sogra. Mas cedi à qualidade técnica – ora, se é uma técnica poética desenvolvida por ele, claro que ela seria brilhante. E li mais. Percorri os clássicos que me foram sugeridos pelos vendedores de Fortaleza. A Orfã, Pedro Cem, Cancão de Fogo são protagonistas que me despertam simpatia. E eu desço do alto da minha pretensão de não ouvir os poetas e de julgar Leandro.
O que hoje se convencionou chamar de cordel é uma prática que decorre da poesia criada, impressa e vendida por ele. Com maestria, ele falou das mais diversas temáticas: política, sociedade, religião. Escreveu romances que se transformaram nos clássicos da poesia de cordel e criou protagonistas que inspiraram muitos outros personagens de seus contemporâneos e continuam inspirando os poetas de hoje.
Boêmio, dotado de uma criatividade e um senso crítico aguçado, o poeta falava dos temas mais tensos, como a política da época, em tons de humor. A sátira é uma marca que permeia sua obra, principalmente quando se refere às suas antipatias: a figura da sogra, os padres e os protestantes. Os traços de machismo e de conservadorismo de sua obra são reveladores da transição entre os séculos XIX e XX. São marcas daquele cotidiano que permanecem até hoje, inclusive no cordel contemporâneo. Não sei se o machismo tão frequente na poesia de cordel de hoje, também é uma característica que se deve a essa inspiração. Mas, certamente, essas manifestações associadas à comicidade têm apoio literário em sua obra.

Apesar disso, a obra de Leandro Gomes de Barros não se restringe aos sexismos e aos preconceitos. Assim como a poesia de cordel que vivemos. Ela transpassa tais aspectos e é resistência. É instrumento de luta, é política e é o deleite literário, que tanto já se tentou negar.
O que causa espanto, até hoje, em quem se aventura pelos laços da vida com a obra do autor, era a sua pouca escolaridade. Formalismos são mantidos como preconceito contra as artes não moldadas pela escrita e contra os processos criativos livres de amarras técnicas. A falta do ensino formal apontada pelos admiradores não foi definidora do poeta. Sua formação foi oferecida pelo tio, Frei Francisco de Assis Xavier da Nóbrega, dono da biblioteca que foi o portal para um mundo novo, que o poeta reconstruiria mais adiante em seus versos.
Indisciplinado, o poeta emprestou traços de sua própria personalidade à forma literária que lançaria. Ele era afrontoso, o que também define o cordel, que permanece sendo um insulto à poderosa e elitista literatura canônica. Seu tom jocoso alfinetava as pessoas poderosas e as instituições que rejeitava, o que atribuía acidez às suas obras. Em pequenas comunidades, falar sobre exageros do Estado e da Igreja parecia insulto demais. E Leandro, com uma criatividade sagaz e reconhecida até hoje, conseguia dosar sua poesia para que ela permanecesse.
O poeta teve a teimosia necessária à resistência, que traz o cordel até os dias de hoje, com todas as transformações tecnológicas que pareciam ser limitadoras. Mas o apego ao passado é estético e os poetas sabem que devem continuar nos rastros empreendedores de Leandro e se apropriar das mídias como aliadas.
Tanto que é a internet o espaço mais fácil de encontrar seus folhetos. Os acervos virtuais da Fundação Casa de Rui Barbosa, do Fonds Cantel e da Fundação Joaquim Nabuco têm cordéis digitalizados e com acesso livre. Seus títulos também vêm sendo reeditados, impressos e vendidos em feiras. A editora Tupynanquim é a que tem mais folhetos reeditados atualmente, e vem publicando títulos do poeta, que são vendidos em feiras e bancas. Difícil mesmo é encontrar bancas de folhetos espalhadas pelo Brasil.
Mas, no Nordeste, onde o cordel é parte do cenário, Leandro figura entre os autores mais procurados e vendidos. As editoras Luzeiro e Queima-Bucha também reeditaram seus cordéis. Os folhetos circulam pelos mesmos espaços por onde Leandro transitava vendendo suas produções: são bancas, feiras, rodoviárias.
Como formas de divulgar esses folhetos, a professora Ione Severo me contou que mantém a cordelteca Leandro Gomes de Barros em Pombal (326Km de João Pessoa), com cerca de mil títulos doados por poetas colaboradores, que reconhecem a importância da obra. O trabalho dela tem sido fundamental para a valorização da poesia popular do Nordeste. A visibilidade nacional vem com Ariano Suassuna, que se inspirou nos folhetos O cavalo que defecava dinheiro e O dinheiro ou O testamento do cachorro para sua peça O auto da Compadecida. Os créditos foram dados nas diversas palestras de Ariano.
Além da grande influência para o Movimento Armorial, Leandro também causou fascínio em Carlos Drummond de Andrade, que o comparou a Olavo Bilac como Príncipe dos Poetas brasileiros, em 1976 no Jornal do Brasil. E Mário de Andrade, amante da cultura popular, afirma no Diário Nacional, em 1931, ter se inspirado na obra de nosso poeta para a criação de seu Macunaíma. Em ambos os casos, os escritores modernistas mostram o exercício de valorização do folclórico que, na época, era tão desmerecido.



Sua pouca escolaridade formal, ou sua poesia de folhetos por muitos considerada de baixa qualidade não aprisionaram a qualidade técnica, estética e criativa do poeta. Que, além do reconhecimento de figuras do cânone da literatura nacional, permanece até hoje ensinando poetas a fazerem versos de cordel, e estes o referenciam diariamente.
O pioneirismo de Leandro está na publicação de folhetos impressos na forma como eles são identificados hoje. Tanto com relação à métrica e às rimas (sextilhas e septilhas, rimadas na forma ABCBDB ou ABCBDDB), como também pelo formato de folhetos (11x16 cm). Costuma-se dizer que a nomenclatura cordel vem de uma herança portuguesa, em que os primeiros cordéis eram vendidos pendurados em cordas. Mas já conhecemos uma diversidade “genética” do cordel mais ampla e essa dita herança ibérica é somente a mais próxima, por ter vindo na mala da Coroa Portuguesa, fugida para o Brasil em 1808. São os folhetos mais antigos dos quais se tem registro.
A história do Brasil e, mais especificamente, do Nordeste têm em Leandro um marco: o da efetivação de uma literatura que, de tão rica, não se consegue definir como gênero, como formato, nem se consegue dizer exatamente o que a define. Porque essa literatura, que chamamos de cordel, escapa inclusive das amarras literárias, das escolas e dos padrões.
O cordel é o imaginário que o poeta organizou em folhetos. O que nós acadêmicos chamamos de transdisciplinar, porque é usado como registro do cotidiano, como objeto de ensino, como documento historiográfico, como forma de conhecimento. O imaginário do Nordeste que é narrado na poesia do autor retorna ao mágico mundo real construindo novos imaginários.
O marco zero da poesia de cordel é impossível de ser definido. Desde que existe ser humano no mundo, há uma necessidade imanente da consciência de construir narrativas. E cada comunidade trabalha suas histórias a partir dos recursos que dispõem. No Nordeste brasileiro, muitas histórias foram contadas em rimas, acompanhadas por violas, configuraram disputas poéticas (os repentes). Essas poesias são a base da estrutura poética do cordel, que é a forma impressa das poesias orais que já foram os jornais do Sertão. O autor é o grande marco da escrita no processo poético do cordel.
As influências de Leandro Gomes de Barros para a literatura estão no espaço definidor da poesia de cordel. Que ele não precisou “inventar”, mas, pela escrita, ofereceu-lhe uma proposta de permanência que foi aceita e incorporada. Desde seus contemporâneos, como Manoel de Almeida Filho, Manoel Camilo dos Santos e José Camelo de Melo Rezende, passando por poetas que viveram no final do século XX e começo do século XXI, como por Manoel Monteiro e José Alves Sobrinho, até poetas atuais, como Leila Freitas, Maestro Rafael Brito, que continuam se inspirando em sua obra e tomando-a como padrão de qualidade formal e estética.
Os versos de Leandro são estudados nas escolas. Professoras e professores utilizam a poesia de cordel em aulas de literatura e como referência lúdica na educação. Há alegria nos versos e isso chama a atenção de crianças em fase de aprendizagem da leitura. Os exercícios despertam, inclusive, a vontade de fazer composições poéticas, porque essas crianças se deparam com uma linguagem que é acessível a elas e que tem uma estrutura que facilita seus processos de memorização.

Sua genialidade, como a de muitos poetas, artistas e pessoas de outras atividades cotidianas, não passa pela educação formal. É a sagacidade de ler e interpretar o mundo, e fazer dele poesia. Uma poesia que dispensa saberes acadêmicos e socialmente legitimados, dispensa a literatura canônica e empreende em um mercado editorial excludente, propondo uma produção alternativa que permanece em plena vitalidade mais de 120 anos depois.

A cabeça, um tanto grande e bem redonda,
O nariz, afilado, um pouco grosso:
As orelhas não são muito pequenas,
Beiço fino e não tem quase pescoço.
(Peleja de Manoel Riachão com o Diabo).

Leandro tem uma biografia escrita pelo poeta cearense Arievaldo Viana. Esta obra é uma referência tanto historiográfica quanto poética sobre a vida do pioneiro do cordel, que abriu caminho para muitos outros cantadores e editores que trabalharam em suas próprias tipografias. Além do livro de Arievaldo, outros estudiosos e pesquisadores da poesia e cordel se propuseram a contar sua vida, mas em âmbito acadêmico ou como parte de outras histórias, as quais ele atravessa. Conto aqui um pedaço do que admiradoras e admiradores do poeta me falaram sobre ele. Foram as conversas plenas de entusiasmo que me ajudaram em meu percurso de relacionamento com Leandro.
O poeta nasceu no sítio Melancias, no município de Pombal, na Paraíba, em 1865 e seus primeiros folhetos datam de 1893, quando abriu sua tipografia, depois de comprar máquinas impressoras que estavam em desuso nas grandes cidades. Quando começou a imprimir folhetos, ele já morava em Pernambuco, em Vitória de Santo Antão, a 55 Km do Recife. Em seguida, mudou-se para Jaboatão e viveu a maior parte de seus dias na capital.
Leandro casou-se com dona Venustiniana Eulália de Sousa, provavelmente, segundo Arievaldo Viana, no mesmo ano em que teria publicado seu primeiro folheto, 1893. O casal teve três filhas um filho: Raquel Aleixo, Esaú Eloy, Julieta e Herodías. O sustento da família vinha da venda dos folhetos produzidos por ele, que circulavam nas feiras e nos trajetos de ônibus que ele realizava. Podia também enviar folhetos por correios e os anúncios dos títulos apareciam nas contracapas.
O poeta era “bom de copo”, mas evitava uísque por rejeitar costumes ingleses – que criticava em versos sobre a população do Recife. Detestava a figura da “sogra”, assim como daqueles a quem chamava de “nova seita”, os protestantes.
Uma rivalidade de tons comerciais foi nutrida entre Leandro Gomes de Barros e João Martins de Athayde, que comprou os diretos autorais de sua obra, em 1921, depois de sua morte. Athayde ficou conhecido pela admiração que tinha ao poeta, pelas inspirações que tomava, mas também por, depois de comprar os diretos de publicação da obra de Leandro, suprimir o nome do autor e deixar somente o próprio nome nas capas dos folhetos, causando grandes confusões posteriores, decorrentes dos conflitos de autoria. Athayde chegava a alterar os acrósticos (última estrofe do cordel tem cada verso iniciado com uma letra do nome do poeta), para retirar as assinaturas dos folhetos.

Olhos grandes, bem azuis, têm cor do mar:
Corpo mole, mas não é tipo esquisito –
Tem pessoas que o acham muito feio,
Mas a mamãe, quando o viu, achou bonito!
(Peleja de Manoel Riachão com o Diabo).

VER MATÉRIA COMPLETA AQUI: http://www.suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/93-especial/2070-daquele-que-nos-legou-uma-imensa-poesia.html

domingo, 8 de abril de 2018

NO TEMPO DO MEU AVÔ




PATO, PERU E GALINHA

Essa era meu avô Mané Lima quem contava. O sujeito se arranchou na casa de um compadre e, por tratar-se de pessoa distinta, era muito bem tratado, rede boa, de varandas, mesa farta, sombra e água fresca. Só que esqueceu de ir embora e sua presença tornou-se incômoda. A velha, que era astuciosa, combinou uma estratégia com o marido. No outro dia, disse à visita:
- Ora, compadre, meu velho agora deu para falar durante o sono. Toda noite ele se levanta dormindo e sai falando pelo meio da casa.
O sujeito retardou o sono e ficou prestando atenção. Daí a pouco o velho levantou-se, fingindo sonambulismo e começou a cantar esses versos:

“Quem tiver na casa alheia
Vá logo se ‘arretirando’
Pato, peru e galinha,
Tá tudo se acabando.

De manhã a velha perguntou:
- Então compadre, ouviu a conversa do velho essa noite?
E o compadre, respondeu, cínico:
- Ouvi, mas não dei importância. Tá vendo que meu compadre não ia dizer uma coisa daquelas comigo...
E ficou mais uma semana, comendo do bom e do melhor.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

VIVA GONZAGÃO


Gilvan Sales e Reginaldo Silva

MADALENA GANHA MUSEU 
LUIZ GONZAGA E O SERTÃO

Matéria extraída do jornal FOLHA DO POVO (Canindé-CE)



TRECHOS:


Certa feita o apresentador Carneiro Portela, criador do Ceará Caboclo, fez um programa especial em homenagem a Luiz Gonzaga, onde afirmava que a música do Rei do Baião representa a alma do Nordeste e, para enfatizar ainda mais a sua teoria, concluiu do seguinte modo: “ Se, por uma fatalidade, o Nordeste fosse destruído por uma hecatombe, seria possível reconstruir a sua história a partir das canções de Gonzagão e seus parceiros. Está tudo ali  o lavrador, o vaqueiro, o cangaceiro, a parteira, o tropeiro, a fauna, a flora, os costumes, a casa de farinha, o engenho, as festas juninas, os animais domésticos.” É interessante notar que em todas as canções, sem exceção, está presente a marca da cultura e das tradições do povo Nordestino. Por esta razão, em 2012  ano do centenário de nascimento de Luiz Gonzaga do Nascimento , lancei pela Editora Armazém da Cultura, em parceria com Arlene Holanda, o livro “O beabá do Sertão na voz de Gonzagão”, adotado pelo MEC, através do PNBE (Programa Nacional da Biblioteca da Escola), no ano seguinte.
Norteado por esse mesmo sentimento, o vereador Gilvan Sales, de Madalena-CE, fã “gonzagueano” desde a adolescência, implanta naquele município o museu LUIZ GONZAGA E O SERTÃO, onde disponibilizará um vasto e precioso acervo composto de discos de cera e vinil, CD's, livros, revistas, cartazes, recortes de jornal e objetos relacionados com a fulgurante carreira do Rei do Baião. Afora esse material, o museu reunirá também centenas de objetos do Nordeste de outrora, muitos já em desuso, como bolandeiras, objetos de cerâmica, artesanato em couro e madeira, além de apetrechos da agricultura e da pecuária que remetem ao sertão cearense dos séculos XIX e XX. Gilvan adquiriu também aviamentos de casa de farinha e um engenho para fabricação de mel e rapadura.
“— Inicialmente eu me interessava apenas pela música e passei a adquirir todos os LP's de Gonzaga, dando preferência aos originais, embora não descartasse os relançamentos. Depois disso passei a comprar discos de cera, LP's de 10 polegadas, CD's e outras mídias contendo a obra do Rei do Baião. Sertanejo que sou, filho, neto e bisneto de fazendeiros da região de Madalena e Quixeramobim, sempre me interessei por esse universo e quando nasceu a idéia de criar o museu, passei a adquirir outros objetos que reforçam essa ligação da música de Gonzaga com o sertão”, conta Gilvan Sales.
Ele relembra que, em meados da década de 1960, Luiz Gonzaga esteve em Madalena, a convite do vigário de então, Padre Gotardo Lemos, lançando o livro “O sanfoneiro do Riacho da Brígida” do escritor Sinval Sá. Padre Gotardo é autor da canção “Obrigado João Paulo II”, feita por ocasião da primeira visita do Santo Padre ao Brasil, gravada por Luiz Gonzaga em compacto RCA, no ano de 1980.



Discos raros do acervo do MUSEU

Por outro lado, Madalena é berço de grandes sanfoneiros, com destaque para as famílias Araújo (Mário, Nelson, João, Gilberto, Edmundo e Pedrinho), e Carloto (do patriarca Carloto Costa, pai de Raimundo Carloto, Valnir e seus manos), além do conhecido Zé do Norte, instrumentista respeitado e produtor de artistas consagrados, do chamado forró pé de serra.
O pesquisador Reginaldo Silva, que foi secretário particular de Luiz Gonzaga por quase duas décadas, já esteve visitando as instalações do museu, ainda em construção, e orientou Gilvan Sales acerca da catalogação do acervo. O próprio Reginaldo tem uma exposição itinerante sobre a vida e a obra de Luiz Gonzaga, que vem percorrendo o Brasil inteiro, em especial os Estados da Região Nordeste, onde se concentra a maior parte da legião de admiradores do sanfoneiro do Araripe. 

VER MATÉRIA COMPLETA AQUI: http://acordacordel.blogspot.com.br/2018/04/museu-luiz-gonzaga-e-o-sertao.html