quarta-feira, 30 de agosto de 2017

GESTA MEDIEVAL


TOQUINHO, BELCHIOR 
E OS DOZE PARES DE FRANÇA


Pouca gente sabe, mas depois de Jorge Mello e Fagner, um dos parceiros mais importantes de Belchior é Toquinho. Num disco lançado pela Phonogram em 1978 os dois assinam nada menos que seis parcerias, dentre as quais a bela canção OS DOZE PARES DE FRANÇA. O Imperador Carlos Magno e os Doze Pares de França são figuras muito apreciadas em todo o Brasil, sobretudo no Nordeste, onde são constantemente lembrados na cantoria e na Literatura de Cordel.



Os Doze Pares de França
Belchior e Toquinho
 
Os doze pares de França
Vêm de Belém do Pará
Montando doze ginetes
Mais brancos do que o luar.

Vêm de França, anel e lança,
Cavaleiro, olê-olá.
Cantando uma loa alegre
Para as moças do lugar.

Tendo a luz dessas espadas,
Não carece o sol raiar.
Nem de rei, nem de princesa,
Ninguém mais vai precisar.

A verdade tem um brilho
Que põe a terra a rodar.
Faz nascer mais cedo o milho,
Inventa modos de amar.

Os doze pares de França,
Cavaleiro, olê-olá,
Vão levar meu coração
Pro outro lado do mar.

Pro lado de lá da noite,
Lá pras bandas da manhã.
Onde o sol bate em meu peito
Vermelho como romã.

Link para o Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=GFNBKQ6yqiw







TOQUINHO - TOQUINHO CANTANDO - PEQUENO PERFIL DE UM CIDADÃO COMUM... (1978 - Philips/Phonogram)



01 - Pequeno perfil de um cidadão comum
      (Toquinho - Belchior)
02 - Onde a vontade me levar
      (Toquinho - Azeitona)
03 - Alegoria das aves
      (Belchior - Toquinho)
04 - Os doze pares de França
      (Toquinho - Belchior)
05 - Bom sofredor
      (Toquinho - Mutinho)
06 - Signo estrelado
      (Toquinho - Belchior)
07 - Lições de vida
      (Toquinho - Carlinhos Vergueiro)
08 - Salmo 78
      (Belchior - Toquinho)
09 - Canção pra Mônica
      (Toquinho - Mutinho)
10 - Entre a loucura e a razão
      (Toquinho)
11 - Copla do cavalo Morsamor
      (Toquinho - Belchior)
12 - Recordar não é viver
      (Azeitona - Toquinho)



Ficha Técnica:
Estúdio: PHONOGRAM (8 Canais)
Direção de Produção e Estúdio: LUIZ ROBERTO
Técnico de Gravação: VITOR, LUIZ CLAUDIO COUTINHO, JAIRO
GUALBERTO
Técnico de Mixagem: VITOR, LUIZ CLAUDIO COUTINHO, JAIRO
GUALBERTO
Corte: IVAN LISNIK
Auxiliar de Estúdio: ANIBAL, GERALDO, VITOR
Capa: ALDO LUIZ
Foto: AYRTON CAMARGO JR.
Arte Final: ARTHUR FRÓES
Músicos que participaram deste disco:
Violão: TOQUINHO
Baixo: AZEITONA, LUIZÃO
Bateria: MUTINHO, PAPÃO
Piano Elétrico e Órgão: AÉCIO FLÁVIO
Flautas: JORGINHO, LENIR, CELSO, COPINHA
Sax: JORGINHO, ZÉ BODEGA
Flugel Horn: MAURILIO-NILTINHO
Corn Inglês: BRAZ LIMONGE
Ritmo: MARÇAL, GORDINHO, CANEGAL, NÔ, LUIZ ROBERTO, DJALMA
Orquestra de Cordas:
Violinos: PARESCHI, J. ALVES, JOÃO DALTRO, ANDRÉ C. GUETTA, PASCOAL           PERROTA, VIRGILIO ARRAES, PESACH NISEMBAUM, JORGE FAINE
Violas: ARLINDO PENTEADO, FREDERICK STEPHANY, JOSÉ DIAS DE
             LANA, NELSON B. MACEDO
Cellos: MARCIO EYMAR MALARD, WATSON CLISS
Basso: SANDRINO SANTORO
Coro Masculino: WALDIR, EDSON, MAX
Coro Feminino: NILZA, LOALVA, DALVA

Arranjos e Regências: Maestro MARCOS DE CASTRO

LEIA TAMBÉM: http://maladeromances.blogspot.com.br/2014/11/cavalaria-em-cordel.html



sexta-feira, 25 de agosto de 2017

VIDA BOA, A DE DOUTOR


O presente cordel, inexplicavelmente inédito, baseia-se numa anedota que me foi repassada por um médico renomado do Cariri Cearense. Seguem alguns trechos, para deleite dos leitores do blog MALA DE ROMANCES:


AVENTURAS DE ZÉ POIVINHA
Ou VIDA BOA, A DE DOUTOR!


Poivinha, quando menino
Foi brecheiro e onanista
Adolescente ele andava
Agarrado com revista
Playboy, estudando para
Ser um ginecologista.

De Playboy e Ele&Ela
Possuía a coleção
Jamais perdia o Chacrinha
Porque na televisão
Admirava as Chacretes
Com a sua exibição.

Ingressou na faculdade
Porque vontade ele tinha
De estudar o “cara-preta”
Do jeito que lhe convinha
Como era presepeiro
Lhe apelidaram “Poivinha”.

Seis anos de bom estudo
No Pernambuco afamado
Poivinha provou que era
Um aluno dedicado
E ao cabo deste período
Ele já estava formado.

Dr. Poivinha não quis
Clinicar na capital
Foi abrir seu consultório
Na sua terra natal
Onde também trabalhava
No posto e no hospital.

Em plena zona rural
Nas margens de um açude
Ficava em lugar distante
O tal posto de saúde
Poivinha, trabalhador
Comparecia amiúde.

Porém, pra seu desalento
Só chegava mulher feia
Geralmente com mau cheiro
E além do mais, alheia,
Com o “cara-preto” feioso
Igual aranha na teia.

Jamais chegou uma dama
Dizendo-lhe com carinho
Doutor, olhe o meu negócio
Como está bem cheirosinho,
Com saúde e depilado,
Observe o bigodinho...

Não, meu amigo, o doutor
Dizia contrariado:
- Só me chega bicho feio
Torto, sujo, esculhambado,
Uns fedendo a bacalhau
Outros, a chifre queimado.

Um dia, dr. Poivinha
Depois de ter atendido
No tal posto de saúde
Voltava bem entretido
Dirigindo um velho jipe
Pelo Prefeito cedido.

Era pleno meio dia,
Fazia um grande calor
Numa curva da estrada
O nosso caro doutor
Vê uma velha pulando
A cerca de passador.

Pesava quase cem quilos
Vermelha que só pimenta
Com um balaio na cabeça
Suando até pela venta
De longe ele pressentiu
Que ela vinha fedorenta.

A velha se atravessou
Na frente da condução
Doutor, pare logo o jipe
Me preste bem atenção
Eu quero me “receitar”
Nessa mesma ocasião.

O doutor disse: - Pois não,
Comigo não tem besteira
Diga-me  o que está sentindo...
Disse a velha: - Uma coceira
Nas partes, porque um bicho
Me mordeu, na capoeira.

Era doença venérea
Mas a velha não dizia
Puritana, envergonhada,
Por alí se contorcia...
- Dotô passe uma pomada,

E me acabe esta agonia!

(...)

terça-feira, 22 de agosto de 2017

FEIRA DO CORDEL

ALGUMAS IMAGENS DA II FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO
(17 a 20 de agosto, na CAIXA CULTURAL)


Homenageado na II FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO


Com Marcus Lucenna, Toinho, Zé Maria e Izabel Pontes


Com Rosemberg Cariry, no lançamento do documentário 
sobre o famoso CEGO ADERALDO


Palestra sobre a vida e a obra do CEGO ADERALDO


Com Lula, Rosemberg e Marcus Lucenna


Com o escritor João Eudes Costa, de Quixadá-CE



O público de domingo, no show de Marcus Lucenna


Vevé, Hathane (mamãe) e Maria Clara



Contação de estórias


Mestre Bule-Bule e Marcus Lucenna - O Cantador dos 4 Cantos


Com Guaipuan Vieira, Klévisson Vianna, Jorge Mello e João Miguel


Juliana Araújo e João Miguel


Com amigos e familiares (inclusive meus pais, Evaldo e Hathane)


Com Raymundo Neto, Chico Salles e Jorge Mello


domingo, 20 de agosto de 2017

FEIRA DO CORDEL


EM SEU ÚLTIMO DIA, FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO HOMENAGEIA O CEGO ADERALDO

Em seu quarto dia, a II Feira do Cordel Brasileiro presta homenagem ao famoso CEGO ADERALDO (Aderaldo Ferreira de Araújo), relembrando os 50 anos de sua morte.
(Crato - 24 de junho de 1878 + Fortaleza  - 29 de junho de 1967)
No dia 29 de julho de 2017, completaram-se 50 anos do desaparecimento daquele que é considerado um dos mais importantes poetas populares nordestinos, Aderaldo Ferreira de Araújo - o famoso Cego Aderaldo. Nascido no Crato (CE), ele veio morar muito jovem na cidade de Quixadá (CE), depois de ficar órfão de pai, empregando-se na estrada de ferro. Cegou aos 18 anos. Trabalhava abastecendo uma caldeira quando tomou um copo de água fria e os olhos estalaram imediatamente, fazendo com que perdesse a visão pelo resto da vida. Comprou então o seu primeiro instrumento e descobriu que sabia fazer versos. Achava humilhante ter que pedir esmolas por isso exerceu diversas profissões: além de cantador foi comerciante e exibia filmes num cinematógrafo lhe presenteado por Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo.


Livro de Cláudio Portela, sobre o Cego Aderaldo


20 de agosto (Domingo)
Teatro
14h – Palestra “Cego Aderaldo, o trovador do Nordeste”
Exibição do Filme Cego Aderaldo – o Cantador  e o Mito – Classificação: Livre
Palestrantes: Rosemberg Cariry (Fortaleza/CE), João Eudes Costa (Quixadá/CE) e Arievaldo Viana (Caucaia/CE)
           Mediação: Poeta Orlando Queiroz (Quixadá/CE)

Palco Cego Aderaldo
16h – Chico Pedrosa (Olinda-PE) e Antônio Francisco (Mossoró/RN)
16h30min – Forró pé-de-serra: Kutuka a Burra (Fortaleza/CE)
17h – Canções de Viola: Antônio Jocélio (Fortaleza/CE)
17h30min – Marcus Lucenna (RJ) e Cacimba de Aluá (Fortaleza/CE)
18h30min – Show de Encerramento: Mestre Bule-Bule (Camaçari/BA)



EXPOSITORES:

1.    ABLC (Rio de Janeiro/RJ)
2.    AESTROFE (Fortaleza/CE)
3.    Arievaldo Viana (Sertão Central/CE)
4.    CECORDEL (Fortaleza/CE)
5.    Chico Pedrosa (Olinda/PE)
6.    Cordelaria Flor da Serra (Fortaleza/CE)
7.    Edições Patabego (Tauá/CE)
8.    Editora Coqueiro (Olinda/PE)
9.    Eduardo Macedo (Fortaleza/CE)
10.  Evaristo Geraldo da Silva (Alto Santo/CE)
11.  Francisco Melchiades (Fortaleza/CE)
12.  Francorli (Juazeiro do Norte/CE)
13.  Geraldo Amâncio (Fortaleza/CE)
14.  Guilherme Nobre (Fortaleza/CE)
15.  João Pedro do Juazeiro (Fortaleza/CE)
16.  José Lourenço (Juazeiro do Norte/CE)
17.  Jotabê (Fortaleza/CE)
18.  Lucarocas (Fortaleza/CE)
19.  Nonato Araújo (Fortaleza/CE)
20.  Olegário Alfredo (Belo Horizonte/MG)
21.  Regina Drozina (Guararema/SP)
22.  Ricardo Evangelista (Belo Horizonte/MG)
23.  Rouxinol do Rinaré (Fortaleza/CE)
24.  Valdeck de Garanhuns (Guararema/SP)
25.  Valentina Monteiro (Campina Grande/PB)
26.  Tupynanquim Editora (Fortaleza/CE)

Serviço:
II FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO
Local: CAIXA Cultural Fortaleza
Endereço: Av. Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema
Data: De 17 a 20 de agosto de 2017
Horários: Quinta a sábado: 14 às 20h | Domingo: 14 às 19h
Classificação indicativa: Livre
GRATUITO

Atendimento à imprensa:
Helena Félix – (085) 99993-4920 / pontualcomunicacao@gmail.com e
Kiko Bloc-Boris – (085) 98892-1195 / kikobb@gmail.com

Assessoria de Imprensa da CAIXA Cultural Fortaleza (CE):
Bebel Medal – (85) 99934-0866
bebelmedal@gmail.com
www.caixa.gov.br/imprensa | @imprensaCAIXA



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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

JÁ COMEÇOU!


Biblioteca de Cordel "Mala de Romances", uma das novidades 
da II FEIRA DO CORDEL BRASILEIRO.


A festa do cordel

Expoentes da literatura popular participam de feira na Caixa Cultural Fortaleza, com programação gratuita que vai de hoje a domingo (20)

por Roberta Souza - Repórter

A literatura de cordel e outras manifestações artísticas tipicamente nordestinas ganham, a partir de hoje (17), quatro dias para intensa expressão na Caixa Cultural Fortaleza. O cenário contempla logo mais, a partir das 14h, a II Feira do Cordel Brasileiro, com uma programação de shows, oficinas, palestras, lançamentos literários, exibição de documentário, além de exposição e venda de folhetos e outros artigos que dão conta dessa linguagem.

Entre as atrações convidadas estão os músicos-cordelistas Jorge Mello, parceiro musical de Belchior; o cordelista, repentista e sambador Mestre Bule-Bule; o Mestre Valdeck de Garanhuns, bonequeiro, cordelista, repentista e xilogravador; a médica, cantora e cordelista Paola Torres; os grupos Tempo de Brincar; o jovem Rafael Brito e a Rabecaria; dos forrós Kutuca a Burra e Cacimba de Aluá.

O show de repente pela dupla Geraldo Amâncio e Guilherme Nobre, além de muitas declamações pelos cordelistas Chico Pedrosa, Antônio Francisco, Evaristo Geraldo, Lucarocas, Paulo de Tarso, Raul Poeta, Arievaldo Vianna e Tiago Monteiro são outros destaques da programação, cuja curadoria foi realizada por Klévisson Viana. Também curador na Praça do Cordel presente na Bienal do Livro do Ceará, ele reconhece a importância desta para a realização da feira.

"Foi o 'know-how' ao longo de uma década trabalhando com a Bienal que nos deu condições de realizar a Feira do Cordel, inicialmente pensada pequena, mas que já começou grande", observa Klévisson. A primeira edição na Caixa Cultural aconteceu em abril passado, mas antes tinha sido organizada uma também no Dragão do Mar. A contagem de edições pela organização, no entanto, começa a levar em consideração o evento de 2016, e pretende-se dar continuidade pelos próximos anos. "A parceria tem dado super certo", salienta o curador da Feira.

Realizada a partir de uma iniciativa da Associação de Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará (Aestrofe), com patrocínio da Caixa Econômica Federal e Governo Federal, e apoio cultural da Tupynanquim Editora, Cariri Filmes, Editora Imeph, Programa A Hora do Rei do Baião e Premius Editora, a Feira do Cordel é também uma ação de resistência em tempos de crise. "Seria impossível fazer esse evento somente com dinheiro. Contamos com know-how, amizades e credibilidade para ela acontecer, mas o orçamento deveria ser três vezes maior do que os 120 mil que usamos", explica Klévisson Viana.


Arte: JÔ OLIVEIRA

Homenageados

Como de costume, alguns nomes serão homenageados pela Feira. Nessa edição, os escolhidos foram o repentista Cego Aderaldo (50 anos de morte), os cordelistas Gonçalo Ferreira (80 anos), Arievaldo Vianna (50 anos), o Mestre Bule-Bule (70 anos), Zé Maria de Fortaleza (60 anos de viola) e o cordelista e xilogravador Mestre José Costa Leite (90 anos de vida e 72 anos de arte).

Da Bahia, o Mestre Bule-Bule demonstra satisfação em vir pela segunda vez ao Ceará este ano, afinal ele também estava na programação da Bienal. A homenagem, um diferencial, foi recebida com entusiasmo e humildade. "É uma satisfação ser de um lugar tão distante - da Bahia ao Ceará são várias divisões de estado, núcleos de grandes poetas e cantadores e escritores - , e meu nome ser bem visto no meio de tantos valores de nobreza poética que tem aí. É uma honra, não tenho palavras no meu fraco vocabulário para descrever tamanha vantagem. Só agradecer a Deus, aos homens e mulheres de boas vontade que me deixam na frente de determinada função", valoriza o mestre.

LEIA A MATÉRIA COMPLETA NO CADERNO 3 DO DIÁRIO DO NORDESTE

Link: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/a-festa-do-cordel-1.1805485

NA PAREDE DA MEMÓRIA



A RURAL, O TOCA-FITAS, O TREM 

E O PICOLÉ DA MAGUARY



Dedicado ao escritor Bruno Paulino


A primeira vez que vi o trem foi no Quixeramobim, em 1971. Eu tinha uns três ou quatro anos e naquele momento meus pais visitavam o Acrísio da Tia dos Reis, que residia num casarão próximo à ponte metálica. Fizemos a viagem, de Ouro Preto a Quixeramobim, numa Rural Willys do meu tio Zé Adauto, novinha em folha, ouvindo as cantigas dos The Fevers num toca-fitas, verdadeiro luxo naquela época. Passamos pela Cacimba Nova, Ferros, Chapéu, Canafístula, e chegamos a Quixeramobim por volta de 8 horas da manhã, a tempo de assistir uma missa na Matriz de Santo Antônio. Depois é que saímos em visita aos parentes. Foi também a primeira vez que chupei um picolé. Menino matuto, nascido e criado no tempo da lamparina, eu não fazia a menor ideia do que fosse um doce gelado. O picolé, da marca Maguary Kibon, saiu “fumaçando” do congelador. Na primeira mordida tive a sensação de que o danado era quente e sacudi no meio do calçamento! Foi ainda a primeira vez que vi o Chico Doido, também apelidado de "Dinheirão", pois o maluco abordava as pessoas de forma ríspida e impertinente, pedindo um dinheirão! Um dinheirão, no seu entender, era uma cédula. Moeda era "dinheirinho".

Em dado momento saí da vista dos adultos e fui brincar na linha férrea. Naquele tempo os trens de passageiros ainda cruzavam os nossos sertões e a sua presença era um deslumbramento para os matutos que vinham lá dos cafundós. Quando a locomotiva apitou para dar a partida foi que meus pais perceberam a minha falta e me encontraram justamente nos trilhos, onde a máquina haveria de passar. Fui salvo pelo gongo, ou melhor, pelo apito do trem. Para falar a verdade, eu nem sabia o que era aquela fila de “casinhas” com rodas, cheias de cabeças nas janelas. Só quando a locomotiva se pôs em movimento é que percebi tratar-se de uma fila de carros atrelados, puxados por uma máquina barulhenta e fumegante, verdadeiro monstrengo que bufava em nossa direção, soltando apitos estridentes e colunas de fumaça pelo ar.



Passei então a ter um misto de medo e fascínio pelo trem, mas a primeira viagem só aconteceria bem depois, mais precisamente em janeiro de 1978, quando vim estudar em Maracanaú. Minha mãe precisava comprar meus livros e algumas peças do meu enxoval, já que dali em diante iria morar na casa alheia. Compramos os nossos bilhetes cedinho, na estação de Maracanaú, e fizemos um animado trajeto até a Estação Central, em Fortaleza, com várias paradas pelo caminho.  Eu só conhecia Fortaleza através de vagas informações de parentes ou referências colhidas em livros didáticos que davam como fundadores da capital alencarina o português Martins Soares Moreno e/ou o holandês Mathias Beck, o homem que ergueu o Forte Schoonenborch, no topo da colina Marajaitiba.

Foi um deslumbramento entrar em Fortaleza pela primeira vez numa manhã ensolarada, vendo tudo pela janela do trem. Mondubim, Parangaba e depois o Centro, com suas lojas imensas e movimento tão intenso como eu só havia visto parecido nos festejos de São Francisco, em Canindé.

Agarrei-me a mão de minha mãe com medo de me perder ou ser atropelado. Minhas primas, acostumadas com o trânsito de Fortaleza, sabiam o que era mão única. Eu, por prudência e desconfiança, só atravessava quando olhava para os dois lados. Aí foi a vez de visitar as lojas de departamento, subir e descer em escadas rolantes e namorar com os estojos de tinta guache, pincéis atômicos, réguas, compassos e outros materiais de desenho. Me deram um livro ilustrado com a história do Rei Midas, que li de um só fôlego assim que cheguei em casa.

Fiquei chateado porque não deu tempo ver o mar. Na verdade, a visita limitou-se ao centro da cidade. Praças da Estação, José de Alencar e do Ferreira, e as ruas principais do centro histórico. Curioso, como sempre fui, procurei guardar na memória alguns pontos de referência, para o caso de um dia precisar andar sozinho por ali. Meses depois vim na companhia do meu pai e falei novamente do desejo que tinha de ver o mar. Era uma manhã de domingo. O centro estava vazio e esquisito, as lojas fechadas, tudo bem diferente daquela vez anterior. Descemos ali em direção à Santa Casa de Misericórdia e das varandas do Passeio Público tive a primeira visão do Atlântico. Um despropósito, uma imensidão de água em movimento, despejando ondas na areia da praia. Verdadeiro alumbramento para um menino nascido e criado no sertão.

Entrar na água, nem pensar. Como sempre, eu andava de calça comprida e sapato. Nem meu pai estava a fim de prolongar aquele passeio. Foram somente uns quinze minutos de contemplação dos verdes mares bravios, mas foi amor à primeira vista. Ainda hoje me encanto diante do mar que banha a “Loura desposada do sol”. O “açudão do governo”, como ainda se diz pelo sertão. Deu até vontade perguntar na ocasião:


— Pai, onde é que fica a parede desse bichão?

Ao contrário da canção de Belchior, na parede da memória essa lembrança é o quadro mais legal.

(De "O LIVRO DAS CRÔNICAS - VOLUME II DE MEMÓRIAS - Arievaldo Vianna)