segunda-feira, 20 de março de 2017

O REFORMADOR DA NATUREZA


Ilustração de LEBLANC

A Reforma da Natureza

Américo Pisca-pisca tinha o hábito de botar defeito em todas as coisas. O mundo para ele estava errado e a natureza só fazia tolices.
- Tolices, Américo?
- Pois então?!... Aqui neste pomar você tem uma prova disso. Lá está aquela jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e mais adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule de uma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem que ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas - punha as jabuticabas na aboboreira e as abóboras na jabuticabeira. Não acha que eu tenho razão?
E assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
- Mas o melhor - conclui ele - é não pensar nisso e tirar uma soneca à sombra dessas árvores, não acha?
E Américo Pisca-pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, inteirinho, reformado, reformado pelas suas mãos. Que beleza!
De repente, porém, no melhor do sonho, plaf!, uma jabuticaba cai do galho bem em cima do seu nariz.
Américo despertou de um pulo. Piscou, piscou. Meditou sobre o caso e afinal reconheceu que o mundo não estava tão malfeito como ele dizia. Ele foi para casa refletindo:
- Que espiga!... Pois não é que se o mundo tivesse sido reformado por mim a primeira vítima teria sido eu mesmo? Eu, Américo Pisca-pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum!... Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está que está tudo muito bom.


A Reforma da Natureza, Monteiro Lobato


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