Quixeramobim-CE é o cenário de dois grandes romances da
literatura cearense:
O SERTANEJO, de José de Alencar
e DONA
GUIDINHA DO POÇO, de
Manuel de Oliveira Paiva.
Canafístula Velha é a terra dos meus antepassados BARBOSA/SEVERO, família de meu avô paterno Manoel Barbosa Lima.
CANAFÍSTULA
VELHA, SÍTIO ARQUEOLÓGICO
Expedição à Canafístula Velha, com os escritores Bruno Paulino e Stélio Torquato
Nesse texto do escritor João Bosco Fernandes, presidente da AQUILETRAS - Academia Quixeramobiense de Letras, Artes e Ciências, encontramos um excelente estudo sobre as ruínas da casa onde morou Marica Lessa, a mulher que inspirou o romance DONA GUIDINHA DO POÇO, de Manuel de Oliveira de Paiva
A 25 quilômetros
da cidade, à margem direita do Rio Pirabibu, Canafístula, a Velha (em oposição
à fazenda Canafístula, da família Carneiro, talvez a maior do município, um ou
dois quilômetros adiante), é um dos mais importantes repositórios de
reminiscências da história de Quixeramobim.
A primeira
Canafístula (chamemos assim) foi implantada no século XVIII pelo Ten. General
Vicente Alves da Fonseca, que, segundo Ismael Pordeus[1] (citando"fonte
autorizada"), "foi o construtor do primeiro açude público no
Ceará" – "no município de Quixeramobim, pelas eras de mil setecentos
e tantos". Era natural de Olinda, Pernambuco, homônimo de seu pai (o que
andou gerando certa confusão), Ten. Vicente Alves da Fonseca (o pai não era
General, mas Tenente), casado em 21.10.1776 com Maria Francisca do Espírito
Santo. Dessa união nasceram quatro filhos (um homem e três mulheres, entre as
quais Francisca Maria, que viria a ser mãe de Maria Francisca – a futura Marica
Lessa).
Francisca Maria
veio a casar-se com José dos Santos Lessa, em 30 de outubro de 1792, na Matriz
de Quixeramobim, e de seu consórcio tiveram quatro filhos, três homens e uma
mulher, Maria Francisca, a Marica Lessa.
O General Vicente Alves da Fonseca, que era tio de José dos Santos
Lessa, falecera um ano e dois meses antes: a 29 de agosto de 1791.
José dos Santos
Lessa, que herdou do pai (José Lobo dos Santos, natural do Porto, falecido em
28.07.1792) e do General, através da mulher, Francisca Maria, veio a se tornar
Capitão-Mor e o homem mais rico e poderoso de Quixeramobim. Uma ideia disso:
para fazer frente às tropas de Pinto Madeira, em Quixeramobim foram arrecadados
300 mil réis, entre doze pessoas do município. José Lessa entrou com um terço,
100 mil. Também foram doadas 320 reses, por 147 pessoas, das quais o Lessa
entrou com 28 (a média por pessoa foi pouco mais de duas).
Maria Francisca
(a Marica) casou-se na Fazenda Canafístula, residência da família, no dia 30 de
junho de 1827 (com 23 anos e 5 meses: nascera em janeiro de 1804), com o
Tenente Domingos de Abreu de Vasconcelos Júnior (conforme a certidão de
casamento), pernambucano, nascido em 1801, com 3 anos mais que Marica, portanto.
Igrejinha da localidade de Canafístula Velha
Sete anos depois,
a 26 de agosto de 1834, morria o Capitão-Mor José dos Santos Lessa, deixando
Maria como senhora da Canafístula e das outras fazendas da família (não tenho
registros dos destinos dos seus três irmãos homens, mencionados acima).
A 20 de setembro de 1853,
Marica manda assassinar o marido, Domingos Vítor de Abreu e Vasconcelos (como
consta na maioria dos documentos). E começa o seu calvário, seu cálice de
amargura. Acostumada a mandar e desmandar, certamente não esperava que as
coisas dessem no que deram, a sua desgraça total, irreversível. Ocorre que o
seu partido não estava mais no poder, e naqueles tempos a política era mais
cruel do que hoje: aos derrotados aplicava-se integralmente a frase do general
que derrotou os romanos: Vae victis! – Ai dos vencidos![2] Os que pertenciam,
ou simpatizavam, com os vencidos, eram todos defenestrados do poder, voavam dos
cargos implacavelmente. E Marica, cegada pela maior embriaguez do mundo,
chamada paixão, não avaliou isso como devia. Aposto que não esperava nem ser
presa. E não somente foi para as grades (no prédio histórico da Câmara
Municipal de Quixeramobim), ao lado da igreja Matriz, como também condenada:
inicialmente, a 30 anos. Depois, no julgamento do recurso, parece que a pena
foi acrescida, em vez de reduzida. Naqueles velhos tempos, mulher que mandava
matar o marido não merecia dó, piedade ou compaixão. Mais do que hoje.
A Canafístula,
sua principal fazenda, foi vendida, como
todas as outras (eram várias). E apostamos, sem medo de errar: entrou tudo no
ralo, ou poço sem fundo, dos advogados, essa classe de cidadãos honradíssimos
(com poucas exceções), incapazes de uma mentirinha qualquer, ou de não declarar
a um cliente: não vou aceitar a sua causa, porque está visivelmente perdida, e
não quero o seu dinheiro a troco de nada.
Como sabem até as galinhas, em Quixeramobim, Marica morreu na miséria,
mendigando nas ruas de Fortaleza, e retornando no fim do dia para a cadeia, de
onde não quis mais sair, concluída a pena.
Na virada do
século XX, a Canafístula (ou boa parte dela) era propriedade do Coronel Lulu –
José Luís Alves Teixeira, que, segundo memórias de seus descendentes, na seca
do 15 (1915), perdeu 600 reses.
No momento, ainda
não sei de quem ele adquiriu a propriedade, se da Marica, diretamente. Espero
ter tempo e disposição para consultar os cartórios, para uma resposta
documentada. Mas conheci uma escritura de 1904, do inventário de seu primeiro
casamento, indicando que seria o proprietário havia muitos anos.
Um pequeno
registro, para se dar uma ideia de quanto os tempos mudaram. Quando Damião
Carneiro, em 1925, adquiriu uma pequena propriedade (apenas 200 hectares, um
nada, diante das terras da Marica, e depois, do Coronel Lulu), vizinha à
Canafístula (na época só existia uma), denominou-a – também – de
'Canafístula'.[3] Dona Cotinha, filha do Coronel Lulu, mãe do Luís Almeida e de
Dona Sinharinha (esta, mãe do Alfredo e do Dr. Antônio Machado, avó do Ricardo
Machado, do Sérgio Machado, do Celso e da Maria Teresa), mulher de muitos
brios, temperamento forte, mandou um recado ao Damião: que ele arranjasse outro
nome para sua propriedade, pois 'Canafístula' era a do seu pai, Coronel Lulu.
Damião obviamente não obedeceu, tanto que aí está a "Canafístula dos
Carneiros", como chamam na região. Ironicamente, hoje, quando se fala em
'Canafístula', em Quixeramobim, a ideia que vem é a dos Carneiros. Muitos, principalmente
os jovens, nem sabem da existência da Canafístula Velha.
Entre os
descendentes do Coronel Lulu, temos cinco prefeitos de Quixeramobim: Luís
Almeida (neto), Manuel Martins de Almeida (neto), Alfredo de Almeida Machado
(bisneto), Osvaldo Martins de Almeida (bisneto) e Antônio de Almeida Machado
(bisneto).
Entretanto, com uma verdadeira multidão de filhos, de dois casamentos,
seu latifúndio foi dividido como bolo em festa de pobre, uma tripinha para cada
um, não restando nenhum deles rico, à custa da herança.
Uma filha dele,
minha 'meia-sogra' (mãe de criação de minha esposa), Maria do Carmo Teixeira,
um dos últimos descendentes do Coronel, era conhecida por Deus e todo mundo em
Quixeramobim, como 'Tia-Carmelinda'. Uma alma santa, que faleceu em minha casa.
Quanto à casa-grande do Capitão-Mor José dos
Santos Lessa, e da mal fadada Marica, possivelmente uma das maiores e melhores
do município, dado o poderio – econômico, político e social – de seus donos,
levou a breca. Certamente abandonada por muitos anos, com Marica no inferno da
prisão, deve ter-se deteriorado progressiva e implacavelmente. O Coronel Lulu
já não a usou (sabemos exatamente onde este morava – sua casa hoje está
dividida em outras menores).
Com o romance de
Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço, um dos melhores da literatura brasileira
(nada a dever a Machado de Assis ou Graciliano Ramos), Marica ganhou fama mundo
afora. E os que foram à Canafístula, conhecer os despojos de sua casa-grande,
se encarregaram de apoderar-se dos vestígios lá existentes até umas décadas
atrás. Nos anos 70 lá encontrei restos de louça importada. Hoje, nem mais um
caco. Para não se dizer que nada restou, lá estão pedaços dos tijolos, que um
dia pertenceram à alvenaria (acho que mesmo os tijolos inteiros, que existiam
até poucos dias, já carregaram). Verdadeira lástima, esse mau hábito de
apropriar-se dos objetos de sítios históricos não protegidos, e levar como
lembrança. Apenas um restinho de alvenaria: um tanque, de pedra, tomado pela
mata. Mais adiante – uns cem a duzentos metros – do local da casa-grande, o
cemitério, que, segundo a tradição (e o conhecimento da cultura da época) era
usado para sepultar os escravos. Os 'brancos' eram sepultados na Matriz de
Quixeramobim, 'grades acima' (os ricos) ou 'grades abaixo' (os defuntos de
pouca ou nenhuma categoria)... Hoje o Campo Santo está murado e com muitos
túmulos modernos, da comunidade da atual Canafístula Velha. Na época, teria certamente uma cerca qualquer, e no interior
o símbolo universal do cristianismo, cruzinhas de madeira.
Quem sabe, no
futuro, pelo que percebemos, arqueólogos vão escarafunchar o local da
casa-grande, à procura dos alicerces, como insinuou o Seu Darlô, que nem mesmo
tem conhecimento de sua função – vigilante, por acaso, e solitário, dos despojos
de Marica Lessa. E que nem vai ler esta crônica, por absoluta impossibilidade,
mesmo que eu lhe entregue uma cópia –
como pretendo fazer. É que as letras lhe parecem coisinhas estranhas,
tal-qualmente as viam os escravos da Marica. E, também é possível, a ela
própria.
Parece uma
maldição: até os despojos da mulher estão a virar pó, quase não resta mais
pedra sobre pedra. Com exceção do tanquezinho, que teima em sobreviver. Até
quando os visitantes resolverem demoli-lo também, para carregar como despojos,
ou lembranças, ou souvenirs, ou... pura estupidez.
João Bosco Fernandes
Mendes
Presidente da AQUILETRAS,
Academia Quixeramobiense de Letras, Ciências e Artes
[1] À Margem de Dona
Guidinha do Poço [2004], p. 134. Essa obra foi a principal fonte deste
trabalho.
[2] Foi feito um acordo
para os romanos pagarem determinado peso de ouro. Ao se fazer a pesagem, e os
dois pratos da balança se igualarem, o general vencedor jogou a sua enorme
espada no prato dos pesos. Ante o protesto dos romanos, ele pronunciou a famosa
frase: Ai dos vencidos!
[3] Armando Falcão, no
pequeno opúsculo "Damião Carneiro, o Bandeirante do Sertão Central",
afirma que Damião "adquiriu a fazenda Canafístula, de quem fora
proprietária, em passado distante, Dona Marica Lessa". Enganou-se, o
ministro da Ditadura. Os 200 hectares que ele adquiriu naquele momento andavam
longe de representar o mundão de terras de Marica. Uma nesga, diante do
latifúndio dela, e não se chamava 'Canafístula'.
Mostrando um tijolo da antiga casa de D. Guidinha,
que, diga-se de passagem, foi deixado lá mesmo, no local.
Bem e sobre o restante da família lessa o que aconteceu suo um descendente dessa família meu avô Francisco lessa de Castro soube que ele foi abandonado pelo seu avô após sua mãe ter morido de parto e o restante ainda existe algum lessa em Quixeramobim?QUE SAO OS LESSA? Pq eu acho que a história dos lessa não se resume apenas isto
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