Leandro
Gomes de Barros
Biografia escrita pelo cearense
Arievaldo Vianna será lançada em Natal-RN, no Sesquicentenário do mestre da
Literatura de Cordel
O escritor cearense Arievaldo Vianna lançará biografia do poeta
paraibano Leandro Gomes de Barros na abertura na data do seu Sesquicentenário
de nascimento (19/11) na capital do Rio Grande do Norte, na Árvore de Mirasol, a partir das 16 horas, no espaço onde acontecem as comemorações de Natal. O convite partiu do também
escritor Nando Poeta, que coordena um evento literário no local. O autor já lançou
a obra em Fortaleza, Mossoró-RN, Caxias do Sul-RS e diversas cidades da
Paraíba, inclusive em Pombal-PB, berço do grande cordelista. Para o escritor
paraibano Bráulio Tavares, em artigo publicado num jornal daquele estado por
ocasião dos 90 anos de morte de Leandro Gomes de Barros, realizar uma biografia
do poeta com as poucas informações que subsistiram à ação do tempo é a mesma
coisa que catar confetes na rua um mês depois do carnaval.
Arievaldo Vianna encarou o desafio e apresenta um trabalho amparado em
fotos, documentos e informações inéditas sobre a vida e obra de Leandro. Na
opinião do poeta e pesquisador baiano Marco Haurélio, que assina o texto de
apresentação, “trata-se da biografia do nosso mais importante poeta popular,
Leandro Gomes de Barros, patriarca da literatura de cordel e autor de, pelo
menos, vinte clássicos incontestáveis do gênero. Ari salda o débito que
contraiu com o mestre paraibano desde que foi apresentado, na infância, pela
avó Alzira de Souza Lima (1912-1994) ao grande pícaro Cancão de Fogo, espécie
de Lazarillo de Tormes sertanejo, e maior criação de Leandro.”
O grande vate paraibano é autor de dois folhetos que influenciaram
Ariano Suassuna na criação de sua obra mais famosa, o Auto da
Compadecida. Trata-se de O Dinheiro (ou O
testamento do Cachorro), de 1909 e O cavalo que defecava dinheiro.
Em artigo que escreveu e publicou em 1976, Carlos Drummond de Andrade considera
o poeta “Rei da poesia sertaneja” e reivindica para ele o título de “Príncipe
dos Poetas Brasileiros”, que na verdade foi concedido a Olavo Bilac, em 1913.
Esse polêmico artigo de Drummond é cuidadosamente analisado em um dos capítulos
da biografia escrita por Arievaldo. Segundo o autor, foi uma pesquisa árdua e
persistente, ao longo dos últimos dez anos, sem contar com apoio financeiro de
qualquer espécie, apenas a colaboração de amigos que também admiram a obra do
grande poeta.
Na opinião do professor Gilmar de Carvalho, respeitado estudioso da
cultura popular e, em especial do Cordel, “Leandro é daquelas unanimidades a
favor. Inegável que foi o grande nome do folheto e um dos sistematizadores da
edição de cordéis no Brasil, com rima, métrica e folheto múltiplo de quatro
páginas, com capa gráfica, no início, e com xilogravura, tempos depois. Curiosa
essa passagem do violeiro para o poeta de bancada. Importante compreender como
a maquinaria obsoleta para os grandes centros se interiorizava e dava lugar a
jornais políticos e depois a uma atividade que movimentou a economia, que
revolveu nossas camadas de memória e se fixou no imaginário social.”
Gilmar, que assina o prefácio da obra, afirma que “Leandro pode ser
colocado, sem exagero, nas bases disso tudo. Não vale atribuir a ele um
pioneirismo dissociado do contexto em que vivia e atuava. Ele existiu porque
existiram os cantadores da Serra do Teixeira, na Paraíba, os folcloristas como
Sílvio Romero, Rodrigues de Carvalho e Gustavo Barroso, os revendedores e
agentes das casas editoras e os leitores ávidos pelos clássicos e pelas
novidades trazidas por esta Indústria Cultural de bases assentadas na tradição
popular.”
Apesar disso, reconhece Gilmar, que Leandro não tem tido o
reconhecimento que lhe é devido. Temos algumas biografias tímidas, coletâneas
de folhetos da Casa de Rui Barbosa, uma “Bibliografia Prévia”, de Sebastião
Nunes Batista. Ultimamente, foram defendidas algumas teses nos programas de
pós-graduação em Literatura e Linguística, mas tudo muito esparso, e fica cada
vez mais difícil reunir tanta informação. Arievaldo não se propõe a juntar o
que foi feito. Isso seria fácil nestes tempos de processadores de textos,
programas de edição e de imagens e sítios virtuais. Ele foi além e buscou
muitas coisas que ninguém buscara antes. Exercitou um faro de pesquisador/
detetive e foi fundo. Mostrou-se envolvido demais pelo tema. Não diria
obcecado, porque é patológico e não faz jus à qualidade do que produziu.”
Arievaldo apresenta palestra em POMBAL-PB.
No painel, desenho de Jô Oliveira
Marco Haurélio, no texto de apresentação observa que “Leandro não apenas
se debruça sobre a tradição oral, sobre os clássicos contados nas feiras
europeias e trazidos como folhetos (sem rima e sem métrica, em forma de prosa)
para o Brasil a partir de 1808, quando a imprensa torna-se possível. Ele também
interfere na forma de crônica na vida do Recife ou de um Nordeste que sofria
por conta das secas e tinha em Padre Cícero (cantado por ele em 1910) um mito
em ascensão. Era necessário que Arievaldo pusesse um ponto final em sua
pesquisa. Ela corria o risco de se confundir com sua própria vida e ser uma
daquelas tarefas exaustivas, inconclusas, para as quais uma existência é pouco.
Seu Leandro ganha outros matizes, perde o peso do ícone e ganha a leveza da
voz. Deixa para todos nós um legado precioso. Que segue para a Paraíba e faz
pouso na Popular Editora, visitada por Mário de Andrade, em 1927. Que segue nas
mãos de João Martins de Athayde. Que chega a Juazeiro do Norte por meio do
alagoano José Bernardo da Silva. Que é “pirateado” tantas vezes que nem dá para
dizer por quem.”
O livro de 176 páginas deveria vir acompanhado de uma Antologia com as
obras mais expressivas do mestre de Pombal-PB, mas, infelizmente, a dificuldade
de encontrar editor interessado fez com que o autor buscasse patrocínio de
entidades do movimento sindical como a Fundação Sintaf e o Sindsaúde, além do
aval da editora Queima-Bucha, de Mossoró-RN. Só assim foi possível lançar uma
primeira edição de apenas mil exemplares para a Bienal do Ceará. Arievaldo
espera conseguir o apoio necessário para lançar a obra completa em 2015. Para
tanto, já iniciou uma negociação com as Edições Demócrito Rocha.
Poeta atemporal, Leandro também se valeu da sátira para criticar os
desmandos de seu tempo: a influência estrangeira em Pernambuco, Estado onde se
estabeleceu. Com o chicote da sátira, vergastou os coronéis da Velha República.
Pleno de graça, lançou chispas em direção ao clero, sem esquecer os
novas-seitas (protestantes) e a justiça (dos tribunais). Ao mesmo tempo,
exaltou os cangaceiros liderados por Antônio Silvino, criando o modelo que
seria seguido pelos futuros biógrafos de Lampião no cordel: a fusão do
cangaceiro nordestino com o cavaleiro andante do Medievo europeu.
Mas o livro reúne, além dos fatos relacionados à vida do poeta,
raridades como fotos de familiares do poeta, documentos que esclarecem aspectos
antes obscuros da biografia de Leandro. Grande parte do mérito é de Cristina
Nóbrega, bisneta de Daniel, irmão de Leandro. Merecem destaque também as
entrevistas enriquecedoras, realizadas com o escritor Pedro Nunes Filho e o
consagrado cordelista Paulo Nunes Batista. O primeiro é bisneto de Josefa
Xavier de Farias, irmã de Adelaide (mãe de Leandro). O segundo é filho do
pioneiro do cordelismo, Francisco das Chagas Batista, grande amigo do criador
de Cancão de Fogo, e guarda na memória uma série de episódios interessantes que
ouvia de seu irmão Pedro Werta, afilhado do biografado. É este poeta, criador
de um gênero literário, estrela mais fulgurante de uma constelação, que
mereceu, de Arievaldo Vianna, a pesquisa que redundou neste livro. A literatura
de cordel agradece. Apenas, para não ser injusto com o biógrafo e o biografado,
não direi que Arievaldo retratou com precisão o tempo de Leandro. Simplesmente
porque o tempo de Leandro é a eternidade.
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