sábado, 18 de fevereiro de 2017

O BOCAGE SERTANEJO



Moysés Lopes Sesyom
Comerciante, nascido em Caicó, mas feito poeta em Assu.
*28/07/1883 + 09/03/1932.


MOYSÉS SESYOM

O Bocage rio-grandense

ACTA DIURNA
Luiz da Câmara Cascudo
(Publicado no jornal 'A República'
Natal - RN, 11 de abril de 1942)
Extraído de “O livro das velhas figuras – Vol. 4”

Perdoem-me as nove Musas em particular e Mnemosine no geral, dar ao poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage as glórias únicas da poesia fescenina. Não há fama mais injusta e renome menos merecido. Bocage é um altíssimo poeta sem a produção sotádica do "quinto livro". Mas, na acepção tradicional dizer-se "versos de Bocage" é anunciar rimas que arrepiam os nervos pudicos.
Moysés Lopes Sesyom, Moysés Sesyom, falecido no Assú a 6 de Março de 1932, é um poeta sem as honras do prelo. Possui, superior a esse título, sua produção inteiramente impressa na memória coletiva de uma região.
Raro será o rapaz, ou cidadão sisudo nas horas confidenciais de reminiscências literárias ignorando uma ou alguma das "décimas" irresistíveis do poeta querido, de vida atribulada, de existência dura, de morte cruel.
Vezes, horas e horas, ouvi recitar versos de Sesyom, recordando sua boemia, vivendo o anedotário rico de episódios chistosos.
Mas, a parte característica na verve de Sesyom, a mais alta percentagem de versos, as respostas imprevistas e saborosas, exigem um ambiente mais restrito, uma atmosfera íntima que o horizonte amplíssimo dos jornais.
Moysés Lopes, Sesyom é Moysés  às avessas, nasceu no Caicó, em 1884. Em 1907 fixou-se no Assú. E viveu por ali, pequeno bodegueiro, empregado no comércio e por fim, soldado do Batalhão Policial.
Só nos últimos anos descobriu que era improvisador, e o aplauso unânime de um auditório compreensivo, sagrou-o.
Há quem passe a vida escrevendo versos e morra sem ser poeta. Sesyom sem saber, era poeta verdadeiro, espontâneo, inesgotável, imaginoso, original. Sua versalhada, satírica em proporção decisiva, não receia confronto com Laurindo Rabelo, o irrequieto Poeta-Lagartixa. Apenas Laurindo Rabelo era um médico, tendo livros e amigos ilustres. Sesyom era quase analfabeto, desprotegido e paupérrimo.
Nem por isso desmerecerá para o futuro. Suas "décimas" esfuziantes deviam ser reunidas em volume. Um volume fora dos mercados livrescos, mandado editar por um grupo de bibliofilos. Usa-se muito essas edições limitadas, hors commerce, defendendo do esquecimento um esforço humano digno de maior duração no tempo.
Sei muito bem que os versos de Sesyom estão mais seguros na retentiva popular do que nas páginas de um folheto. Mas essa impressão garantiria a pureza da produção humilde, impossibilitando as deturpações vindouras, instaladas no texto como letra integral.
Se o "Quinto Livro" de Bocage, e vinte volumes de alta pornografia sapientíssima estão editados luxuosamente, custando caro, escondidos no "inferno" das bibliotecas eruditas, ciosas desses tomos de tiragens numeradas, por  que não estender à Moysés Sesyom o direito lógico de figurar ao lado, e muito justamente, dos seus colegas imponentes que nada fizeram de melhor e de mais alegre?
A poética sensual e o hílare são atributos da Civilização. Os povos primitivos ou em estado de desenvolvimento inicial, não tem versos como os de Sesyom. Esses, além do mais, dariam testemunho de um engenho curioso e vibrante, diluído, apagado, improfícuo, no anulado ciclo fechado das vidas pequeninas e melancólicas.
Aqui está um mote que lhe deram, glosado imediatamente, taqualmente nos Outeiros aristocráticos do século XVIII:

Bebo, fumo, jogo e danço.
Sou perdido por mulher!

Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer
Mas, enquanto eu não morrer
Bebo, fumo, jogo e danço.
Brinco, farreio não canso,
Me censure quem quiser
Enquanto eu vida tiver
Cumprindo minha sina venho,
E além dos vícios que tenho
Sou perdido por mulher!

* * *


Folheto de Hamurabi Batista, sobre o tema PEIDO


O PEIDO QUE A DOIDA DEU...


Encontrei num velho ‘pliego’ espanhol, do século XVII, um poema de natureza escatológica intitulado “Uma vieja se pedió” (Uma velha se peidou), prova evidente de que muitos dos temas explorados pelos poetas populares nordestinos no cordel, na cantoria e na glosa, tiveram suas matrizes na velha Península Ibérica e receberam , com certeza, influência dos mouros que a ocuparam por oito séculos. Vejamos:

  “Una vieja se pedió
  en las Islas Filipinas
  del estampido que dio
  se llevó once mil esquinas.
  Seis batallones hirió
  muchos de ellos hay sin cura
  todo el mundo se aturdió,
  encima una sepultura
  (Una vieja se pedió”…)

Arremedo de tradução, por Arievaldo Vianna:

Uma velha se peidou
Lá nas Ilhas Filipinas
Quando o estampido troou
Levou onze mil esquinas.

Seis batalhões se feriram
Muitos deles sem ter cura,
E todos se aturdiram
Em cima da sepultura.


Exemplo de um "pliego" de cordel espanhol.


Moysés Sesyom também navegou por esse tema. O livro de Nei Leandro de Castro, 'As pelejas de Ojuara', fala de um velho coronel potiguar que se gabava de ser invencível em campeonatos de PEIDOS. Ninguém o podia derrotar. Porém, uma velha doida, depois de comer uma panela de angu, quebrou-lhe a invencibilidade. O episódio foi retratado deste modo por Sesyom:


MOTE:

O peido que a doida deu
Quase não cabe no cu.

GLOSA

Eu conto o que sucedeu
Na sombra da Gameleira
Foi um tiro de ronqueira
O peido que a doida deu.
Toda terra estremeceu,
Abalou todo o Açu,
Ela mexendo um angu,
Tira a perna para um lado
Dá um peido tão danado

Quase não cabe no cu.


Gravuras que ilustram a "Literatura de Cordel" espanhola

O poeta potiguar Moysés Sesyon (Sesyon é Moysés ao contrário) tão festejado pelo poeta Glauco Mattoso, virou até personagem do filme O homem que desafiou o diabo, baseado no livro As pelejas de Ojuara, de Ney Leandro de Castro. Nesta obra cinematográfica, Moysés Sesióm foi interpretado pelo veterano ator Rui Rezende (o Professor Astromar, de Roque Santeiro) onde declama uma de suas glosas mais conhecidas:

Mote:
Bebo, fumo, jogo e danço
Sou perdido por mulher

Glosa:
Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer,
Mas, enquanto eu não morrer
- Bebo, fumo, jogo e danço!
Brinco, farreio, não canso,
Me censure quem quiser...
Enquanto eu vida tiver
Cumprindo essa sina venho,
Além dos vícios que tenho,
Sou perdido por mulher!...

 (A.V.)



O ator Rui Rezende, que interpreta Moysés Sesyom no cinema, 
ao lado de Marcos Palmeira.


Mais um poema de SESYON

MOTE : UM INFELIZ COMO EU

I

A morte mata o sultão,
arcebispo  cardeal,
presidente, marechal,
ministro, conde e barão;
em tempos matou Roldão,
como na história deu;
o próprio Jesus morreu;
mata tudo ó morte ingrata,
só não sei porquê não mata
um infeliz como eu.

II

Ela mata todo mundo,
branco, preto, rico e pobre,
mata o potentado, o nobre,
mata o triste e o vagabundo;
matou Dom Pedro Segundo,
matou quem o sucedeu;
capitalista e plebeu,
mata tudo, não tem jeito,
mas não mata, por despeito,
um infeliz como eu.

III

Não reserva o cientista,
mata sem dó o profeta,
tirana, mata o poeta,
mata o maior estadista;
mata também o artista,
o cego, o mudo, o sandeu,
mata o crente e o ateu,
diplomata e titular,
mas poupa, não quer matar
um infeliz como eu.

IV

Ela mata no Senado,
como matou Rui Barbosa,
entra no Congresso airosa
aí mata um deputado;
matou Pinheiro Machado,
dele não se condoeu,
ela jamais atendeu,
mata gente, mata bicho,
mas não mata, por capricho,
um infeliz como eu.


FONTE: http://assunapontadalingua.blogspot.com.br/2014_03_09_archive.html

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