Menino paulista realiza sonho
de construir uma 'cordelteca'
Por Wolney Batista, do Caderno VERSO, do DN
Pedro Popoff, o
"Pedro do Cordel", tem ascendência russa e administra um espaço
exclusivo à literatura regionalista no Sudeste
Espaço foi implantado em um anexo da loja de artesanato da
mãe de Pedro e, atualmente, reúne mais de dois mil cordéis. O cearense Gonçalo
Ferreira da Silva dá nome à cordelteca. Poeta presidente da ABLC, ele foi
convidado de honra da inauguração.
Quando um pequeno morador do interior paulista começou a se
interessar por expressões artísticas que remetem aos rincões brasileiros, as
frases ainda eram pueris. "Aos três anos, já gostava muito de sertanejo de
raiz; com cinco anos assisti ao filme 'Lampião - o Rei do Cangaço', me
apaixonei. Depois, descobri o cordel e assim foi fluindo naturalmente",
conta Pedro Popoff, que hoje está com 13 anos.
O amor pela literatura nordestina o fez adotar informalmente
o sobrenome "Cordel" e disseminar para outras crianças o conhecimento
que acumulou ao longo da pouca idade. O projeto educativo em escolas apresenta
o livreto de poesias que carrega a tradição do interior brasileiro em versos e
prosas.
A iniciativa ganhou projeção nacional e o menino descendente
de russos e apaixonado pelo Nordeste sentiu que estava na hora de dar um passo
maior: fundar uma cordelteca na cidade onde mora, Bauru, localizada no interior
de São Paulo. "Há uns dois anos, eu já vinha pedindo por um espaço na loja
da minha mãe, em uma salinha que estava isolada. Ela cedeu a sala, depois viu
que era muito pequena e me deu o escritório, que tá também no mesmo
terreno", conta Pedro do Cordel.
União de poetas
Para o sonho ganhar formas concretas, alguns entraves tiveram
que ser vencidos. O teto carecia de reparos contra a chuva e o ambiente
precisava de móveis. A saída encontrada pela família foi iniciar uma vaquinha
online para arrecadar R$ 6,3 mil, mas só pouco mais de 40% da meta foi
alcançada.
"A gente teve que lutar muito para conseguir renda, não
tivemos apoio de políticas públicas. Mas conseguimos, graças a Deus", diz
Pedro. O dinheiro para a reforma saiu das reservas financeiras dos próprios
pais, Marcelo e Carla.
Se o auxílio financeiro teve pouca adesão, o cultural se
avolumou e materializou-se em centenas de exemplares de cordel. "A
Academia Brasileira de Literatura de Cordel nos enviou 800 títulos",
comemora Pedro. Poetas de diversos lugares também atenderam ao chamado do
pequeno entusiasta. "Recebemos da Isabel Nascimento, Academia Alagoana de
Cordel, Cleusa Santos, Joab Nascimento, Ednaldo Alves de Oliveira, Francisco de
Assis, Tião Simpatia, Kydelmir Dantas, Pedro Queiroz e do Chico Vaqueiro, que
inclusive mandou um gibão do acervo pessoal", cita, a mãe, alguns nomes
que estampavam as entregas dos Correios. Atualmente, a quantidade de folhetos
no acervo já ultrapassou duas mil obras.
Homenagem a cearense
Inaugurada no fim do mês passado, a cordelteca recebeu o nome
de Gonçalo Ferreira da Silva, poeta nascido no município de Ipu, no Ceará,
atual presidente e um dos fundadores da Academia Brasileira de Literatura de
Cordel (ABLC).
Homenageado, poeta
cearense Gonçalo Ferreira da Silva marcou presença na inauguração
A homenagem foi indicação do cantor Moraes Moreira, ocupante
da cadeira 38 da ABLC. "Fui a um show dele e minha mãe conseguiu que a
gente entrasse no camarim. Mostramos pra ele tudo; o meu trabalho e falamos da
cordelteca. Daí ele deu a ideia de colocarmos o nome do Gonçalo Ferreira",
detalha o garoto.
No dia da abertura do espaço ao público, o notável cearense
foi um dos convidados presentes e discursou sobre o momento especial. "Uma
iniciativa espetacular do Pedrinho, que já não é fora de tempo. Na verdade, ele
tem se dedicado de corpo e alma à difusão da literatura de cordel por onde anda
e deixa um rastro de luz na história da cultura nacional", reconheceu o
presidente da ABLC.
O poeta cearense Klevisson Viana festeja a pertinência da
implantação. "É uma prova da vitalidade e vigor dessa nossa literatura de
cordel, que hoje deixou de ser um fenômeno genuinamente regional, passou a ser
nacional e muitas vezes até internacional", pontua.
Andanças pelo Nordeste
No ano passado, Pedro do Cordel esteve no Ceará para
aprofundar o conhecimento na cultura nordestina. Ele veio a convite do
seminário Cariri Cangaço, evento com 10 anos de existência que se debruça sobre
a historiografia cangaceira da região. O encontro já reuniu mais de 700
pesquisadores e 50 mil pessoas somadas todas as edições.
"Pedro esteve conosco em duas edições, uma em Exu, em
Pernambuco, e outra aqui em Fortaleza. Pedro encantou a todos pelo profundo
amor à cultura do sertão e pelo pleno conhecimento, apesar de bem jovem",
recorda Manoel Severo, organizador do seminário.
Ele aponta ainda a relevância da cordelteca como memória para
os imigrantes nordestinos. "É importante a criação de um equipamento como
esse para Bauru, no estado de São Paulo. A própria capital paulista foi
construída e é mantida, em boa parte, pela força de trabalho do nordestino, e
uma iniciativa ousada e inédita de um garoto perpetua a força dessa cultura.
Nada mais forte do que representar a cultura do Nordeste com o cordel".
Intercâmbio de cultura
Da vivência, Pedro guarda com afeto. "Aprendi bastante
coisa sobre literatura de cordel e voltei com um pouquinho mais de bagagem na
mala. Conheci muitas pessoas", conta ele, que encantou-se também por
Fortaleza. "É uma cidade muito grande e linda, me diverti bastante. Foi um
marco na minha vida. Nunca esquecerei esses dias que vivi". Anteriormente,
ele já havia viajado a Juazeiro do Norte, Nova Olinda, onde conheceu o mestre
Espedito Seleiro e a Fundação Casa Grande, e ao Crato.
Foi nessa última cidade que visitou o Museu de Luiz Gonzaga,
fundado por Pedro Lucas, 14 anos. O cratense elogia a ação do xará, com quem
soma saberes desde 2016 e já se encontrou algumas vezes. "O Nordeste por
muito tempo foi tão sofrido por causa do preconceito. Ele, assim como eu,
começou a gostar muito novo e um sulista, como a gente dizia antigamente, ser
tão interessado por uma cultura tão linda como a nordestina é imensamente
importante. Então, isso só vem a melhorar, expandir e divulgar a cultura
nordestina".
As experiências acumuladas ajudam a basilar um sonho
grandioso de Pedro Popoff para o futuro. "Quero continuar com a questão do
cordel e um dia me tornar presidente do Brasil. E não é brincadeira isso",
diz com seriedade e emenda sobre quais temas seriam prioridade para ser
bem-sucedido no Palácio do Planalto. "Iria valorizar primeiro a cultura e
a educação".
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