ADERALDO, O
MAIOR CANTADOR DE TODOS OS TEMPOS
Por Alberto
Porfírio
No dia 30 de junho de
1967, o dia amanheceu nas ruas de Fortaleza com os jornais trazendo a seguinte
manchete:
“MORREU O CEGO
ADERALDO, O MAIOR CANTADOR DE TODOS OS TEMPOS”
Essa homenagem que
tanto enaltece aquele poeta, causou celeuma nas reuniões de cantadores de todo
o Nordeste brasileiro.
Eram poucos os
profissionais da viola que não se mostraram contrários ao que, naquele dia,
publicaram os jornais do Ceará em relação ao famoso cego cantador desaparecido.
Eles achavam que isso não estava certo. Que o Cego Aderaldo não era merecedor
daquela homenagem, quando existiam um Severino Pinto e outros, como os irmãos
Batista Patriota e muitos que, como o Aderaldo, já haviam desaparecido e eram,
também, estrelas de primeira grandeza.
Eu, por minha parte,
não sei se com isso o povo do Ceará fez ou não justiça para com o célebre
menestrel cearense.
Também quando foi
morto em Sergipe, em 1938, o famigerado bandoleiro Virgulino Ferreira,
semelhante manchete inundou toda a imprensa brasileira. O título de maior
cangaceiro de todos os tempos, não queria dizer que o Lampião fosse
invulnerável. E que nunca se tenha amofinado e corrido para se defender dos
ataques e tiroteios de policiais de vários estados que o perseguiam.
O Cego Aderaldo eu
conheci. E muito de perto. Tenho a honra de dizer que o acompanhei nos anos de
seu apogeu como cantador e poeta.
(...)
Em 1933, quando vinha
da romaria que fazia anualmente a Canindé, em Itapiúna, na Pensão da
Quixabeira, encontrou-se com Ignácio Leite, cantador potiguar que o esperava. O
próprio Aderaldo depois nos relatou:
“Encontrei um peso!...
Vi-me em dificuldades ante aquele adversário que me esperava prevenido. Mas -
dizia ele – falo sem exagero. Contei com oitenta por cento das palmas
(aplausos) e saí como vencedor, quando eu não era melhor cantador do que
ele!... Por que isso?”
E continuava:
“Geralmente o bom repentista
é somente isso. E, sem que tenha boa voz e saiba fazer a entonação no
instrumento que toca, o cantador nunca poderá agradar convenientemente ao seu
público ouvinte.”
O cego tinha razão em
seu argumento. Conhecemos grandes repentistas que não sabem tocar. E que usam o
instrumento apenas para lhe estimular a verve poética. E dá-se que, em meio a
calorosos debates, humilham-se diante do seu opositor pedindo-lhe para que a
afine a viola.
O Cego Aderaldo quando
moço, tinha uma voz forte e agradável e ainda tocava, regularmente, todos os
instrumentos mais comuns em sua época. Aliás, a mais de duas dúzias de filhos
adotivos ele ensinou a tocar desde o violino, instrumento em que se iniciara, passando
por todos os instrumentos de cordas, até o clarinete, instrumento de sopro.
O gramofone com o seu
disco, assim como o cinema, embora mudo, ele apresentava aos matutos. Sem falar
da Literatura de Cordel, que era também vendida por ele aos sertanejos
cooperando no aprendizado da leitura. Assim era o Aderaldo, uma espécie de
missionário, pelo que lhe são merecidas todas as homenagens.
(...)
Leonardo Mota, Jacó Passarinho e Cego Aderaldo
É, por exemplo, do cantador João Firmino,
também cego, o seguinte martelo que conseguimos colher em Brasília, junto a
amigos e conterrâneos que assistiram ao enterro do Cego Aderaldo no Cemitério
São João Batista (no dia 30 de junho de 1967):
“Foi a forte aroeira
que ruiu
A contato do gume do
machado.
Foi o ferro melhor já
fabricado
Que o mercado do mundo
jamais viu;
Foi o trem, sem destino, que partiu,
E ao longo da estrada
deu o prego;
Como Homero, também,
ele era cego
A quem todo o seu povo
admirava...
Para ser o próprio
Homero só faltava
Ao invés de cearense
ser um grego!”
O cineasta Rosemberg Cariry fez documentário sobre a vida do Cego
Aderaldo e entrevistou o mestre Ariano Suassuna.
O Cego Aderaldo foi um
‘assum preto’. O destino lhe furara os olhos para ouvi-lo cantar melhor e
deleitar, por alguns tempos, os moradores desse Nordeste moído que se alimenta
de cantos, sonhos e esperanças!
(...)
In Alberto Porfírio - “Poetas Populares e Cantadores do Ceará”, editora
Horizonte, Brasília, 1978.
TRECHOS DA FAMOSA
PELEJA DE CEGO ADERALDO
COM ZÉ PRETINHO DO TUCUM,
(...)
Afinemos o instrumento,
Entremos na discussão!
O meu guia disse a mim:
- O negro parece o Cão!
Tenha cuidado com ele,
Quando entrarem em questão!
Então eu disse: - Seu Zé,
Sei que o senhor tem ciência
Me parece que é dotado
Da Divina Providência!
Vamos saudar este povo,
Com sua justa excelência!
PRETINHO: Sai daí, cego amarelo,
Cor de couro de toucinho!
Um cego da tua marca
Chama-se abusa-vizinho
Aonde eu botar os pés,
Cego não bota o focinho!
CEGO: Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata o outro,
Sem haver alteração?!...
Eu pensava que o senhor
Tinha outra educação!
P - Esse cego bruto, hoje,
Apanha que fica roxo!
Cara de pão de cruzado,
Testa de carneiro mocho
Cego, tu és o bichinho,
Que comendo vira o cocho!
C - Seu José, o seu cantar,
Merece ricos fulgores;
Merece ganhar na sala
Rosas e trovas de amores
Mais tarde, as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores!
P - Cego, eu creio que tu és
Da raça do sapo-sunga!
Cego não adora a Deus
O deus do cego é calunga!
Aonde os homens conversam,
O cego chega e resmunga!
C - Zé Preto, não me aborreço
Com teu cantar tão ruim!
Um homem que canta sério
Não trabalha verso assim
Tirando as faltas que tem,
Botando em cima de mim!
P - Cala-te, cego ruim,
Cego aqui não faz figura!
Cego quando abre a boca,
É uma mentira pura
O cego quanto mais mente,
Ainda mais sustenta e jura!
C - Esse negro foi escravo,
Por isso é tão positivo!
Quer ser, na sala de branco,
Exagerado e altivo
Negro da canela seca
Todo ele foi cativo!
P - Eu te dou uma surra
De cipó de urtiga,
Te furo a barriga,
Mais tarde tu urra,
Hoje, o cego esturra,
Pedindo socorro
Sai dizendo: Eu morro!
Meu Deus, que fadiga,
Por uma intriga
Eu de medo corro!
C - Se eu der um tapa
Num negro de fama,
Ele come lama,
Dizendo que é papa!
Eu rompo-lhe o mapa,
Lhe rompo de espora;
O nego hoje chora,
Com febre e com íngua
Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora!
P - No sertão, peguei
Cego malcriado
Danei-lhe o machado,
Caiu, eu sangrei,
O couro eu tirei
Em regra de escala:
Espichei na sala,
Puxei para um beco,
E, depois dele seco,
Fiz mais de uma mala!
C - Negro, és monturo,
Molambo rasgado,
Cachimbo apagado,
Recanto de muro,
Negro sem futuro,
Perna de tição,
Boca de porão,
Beiço de gamela
Venta de moela,
Moleque ladrão!
P - Vejo a coisa ruim
O cego está danado!
Cante moderado,
Que não quero assim,
Olhe para mim,
Que sou verdadeiro,
Sou bom companheiro,
Canto sem maldade
E quero a metade,
Cego, do dinheiro!
C - Nem que o negro seque
A engolideira,
Peça a noite linteira
Que eu não lhe abeque
Mas esse moleque
Hoje dá pinote!
Boca de bispote,
Vento de boeiro,
Tu queres dinheiro?
Eu te dou chicote!
P - Cante mais moderno,
Perfeito e bonito,
Como tenho escrito
Cá no meu caderno!
Sou seu subalterno,
Embora estranho
Creio que apanho
E não dou um caldo...
Lhe peço, Aderaldo,
Que reparta o ganho!
C - Negro é raiz
Que apodreceu,
Casco de judeu!
Moleque infeliz,
Vai pra teu país,
Se não eu te surro,
Te dou até de murro,
Te tiro o regalo
Cara de cavalo,
Cabeça de burro!
P - Fale de outro jeito,
Com melhor agrado
Seja delicado,
Cante mais perfeito!
Olhe, eu não aceito
Tanto desespero!
Cantemos maneiro,
Com verso capaz
Façamos a paz
E parto o dinheiro!
C - Negro careteiro,
Eu te rasgo a giba,
Cara de guariba,
Pajé feiticeiro!
Queres o dinheiro,
Barriga de angu?
Barba de quandu,
Camisa de saia,
Te deixo na praia,
Escovando urubu!
P - Eu vou mudar de toada,
Pra uma que mete medo
Nunca encontrei cantador
Que desmanchasse esse enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
C - Zé Preto, esse teu enredo
Te serve de zombaria!
Tu hoje cegas de raiva
E o diabo será teu guia
É um dia, é um dado, é um dedo,
É um dedo, é um dado, é um dia!
P - Cego, respondeste bem,
Como quem fosse estudado!
Eu também, da minha parte,
Canto versos aprumado
É um dado, é um dia, é um dedo,
É um dedo, é um dia, é um dado!
C - Vamos lá, seu Zé Pretinho,
Porque eu já perdi o medo:
Sou bravo como um leão,
Sou forte como um penedo
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
P - Cego, agora puxa uma
Das tuas belas toadas,
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas
Quase todo povo ri,
Só as moças estão caladas!
C - Amigo José Pretinho,
Eu nem sei o que será
De você depois da luta
Você vencido já está!
Quem a paca cara compra
Paca cara pagará!
P - Cego, eu estou apertado,
Que só um pinto no ovo!
Estás cantando aprumado
Satisfazendo esse povo
Mas esse tema da paca,
Por favor, diga de novo!
C - Disse uma vez, digo dez
No cantar não tenho pompa!
Presentemente não acho
Quem o meu mapa aqui rompa
Paca cara pagará,
Quem a paca cara compra!
P - Cego o teu peito é de aço
Foi bom ferreiro que fez,
Pensei que o Cego não tinha
No verso tal rapidez!
Cego, se não for maçada,
Repita a paca outra vez!
C - Arre! Com tanta maçada,
Deste preto capivara!
Não há quem cuspa pra cima,
Que não lhe caia na cara
Quem a paca cara compra,
Pagará a paca cara!
P - Demore, Cego Aderaldo,
Cantarei a paca já
Tema assim só um borrego
No bico de um carcará!
Quem a caca cara compra
Houve um trovão de risadas
Pelo verso do Pretinho.
Capitão Duda lhe disse:
- Arreda pra lá, negrinho!
Vai descansar teu juízo,
Que o Cego canta sozinho!
Ficou vaiado o Pretinho,
E eu lhe disse: - Meu ouça,
José, quem canta comigo
Pega devagar na louça!
Agora o amigo entregue,
O anel de cada moça!
(...)
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