quarta-feira, 16 de maio de 2018

CORDEL NA ESCOLA



ABC DAS MARAVILHAS

A poesia popular está chegando à escola. Do Ceará para todo o Brasil, o projeto Acorda Cordel Na Sala de Aula, criado pelo poeta Arievaldo Viana, vai espalhando a arte do folheto e da cantoria como ferramenta auxiliar (e lúdica) na aprendizagem formal.
Por Eleuda de Carvalho da Redação




De recuperação, aquela dúzia de meninos e meninas. Sentadinhos, um tanto enfastiados na tarde morna, numa sala pintada de cor goiaba, na escola municipal Madre Teresa de Calcutá, ali por trás do Pão de Açúcar da Aguanambi. Naquele dia, em vez da aula de recuperação, a turma vai conhecer um projeto que já vem dando muito o que falar em muitos lugares do Brasil. "Ceará, Rio Grande do Norte, Tocantins, Paraná, Paraíba, Minas Gerais e São Paulo já conhecem e aplaudem essa idéia", diz Arievaldo Viana, o criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. Falar em cordel, é também falar do mano do Ari, o poeta e desenhista Antônio Klévisson, que criou a editora Tupynanquim, responsável por fazer uma ponte entre a nova geração e os clássicos da poesia de cordel. A premiada novela gráfica dele, Lampião... era o cavalo do tempo atrás da besta da vida, foi adotada pelo Ministério da Educação. "Já foi impressa a nova tiragem pela editora Hedra, de São Paulo. A gente faz assim, vai comendo pelas beiradas, à moda índio comendo canjica quente".
Gerardo Frota Carvalho, o Pardal, vice-diretor da escola, é também poeta cordelista. Os alunos do Madre Teresa já têm um contato com esta literatura popular impressa e também com a poesia oral, assim como o teatro de bonecos. O professor Pardal é também poeta. É dele o folheto As aventuras da família Microbim, usado em sala de aula para fazer pensar questões ligadas à saúde e higiene. "Quando o tempo sobra, vou criando", diz. Estão presentes ainda, para apresentar o projeto Acorda Cordel, o cantador repentista Zé Maria de Fortaleza e o cordelista Antônio Carlos da Silva, o Rouxinol do Rinaré. Duas professoras de Maracanaú, Eudézia Aveiro Sales e Eliane Taveira, que escrevem monografia sobre as experiências didáticas do cordel, também foram convidadas e acabam de chegar. Um cordão num canto da sala traz folhetos pendurados, criando visualmente o significado do nome que se dá a este incrível livrinho, de capas com desenhos ou xilogravuras, e dentro uma história muito bem contada em rimas perfeitas e versos cadenciados. Sobre uma mesa, perto da lousa, o leque de inúmeros folhetos atraindo os olhos da meninada. Só uma lambiscada dos cerca de 120 mil cordéis publicados pela Tupynanquim, de 1999 pra cá.
Arievaldo, vestindo um colete sertanejo, espécie de gibão urbano feito pelo mestre Pedro Artesão, antes de principiar a contar a história do cordel - que é por si uma aula divertida de história do Brasil e da Península Ibérica, e falar de Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, poeta baiano que no século 17 divulgava sua ferina arte em simples folhetos escritos a mão, e de contar dos pioneiros desta arte propriamente dita, feito o poeta Silvino Pirauá; e de dizer, também, que cordel e imprensa, no Brasil, isto é, comunicação erudita e popular impressa, "são da mesma idade" (que à colônia foi proibido por ordem real ter tipografias, lei revogada somente em 1808, "com a vinda de D. João VI, que levou uma carreira de Napoleão"). E ainda, antes de explicar quem foi Leandro Gomes de Barros, que estabeleceu o modelo de folheto usado ainda hoje em dia, pegou de vez o público, todos virados meninos naquela hora abafada, ao contar como foi que ele, Arievaldo, começou a ler.
"Falou-se muito na morte do cordel, nos anos 90. Diziam que só restaria o folheto circunstancial. Este foi o grande engano dos pesquisadores. Que ninguém duvide do charme deste pequenino produto, no passado nem tão longe, poderoso veículo de alfabetização. Quando eu tinha cinco anos, aprendi a ler na coleção de folhetos que minha avó guardava numa maleta. Ela lia pra mim, eu ficava encantado", conta Arievaldo. A vó dele, dona Alzira, leu pra ele a história de João Grilo. Ari interpela os alunos, todo mundo levanta a mão - já conheciam o danado presepeiro a partir da minissérie Auto da Compadecida, a mais famosa peça do mestre Ariano Suassuna. Ari recita trechos do cordel, de cor - versos que ele aprendeu menino, juntando letra à letra, soletrando as sílabas, cantando a cadência da história, ritmada. Talvez seja o cordel a saída mais prazerosa e eficaz para um drama que se vê na escola pública de hoje: crianças terminando o ensino fundamental sem saber ler. Uma das mais novas produções dos cordelistas cearenses está na coleção Baião das Letras, editada pela Secretaria Estadual da Educação, em parceria com a Secult. São 25 histórias, de diversos gêneros - crônica, poesia, teatro, conto - em livrinhos ilustrados destinados a escolas de 60 municípios de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).



Entre motes e rimas

Acorda Cordel não é só conversa, por mais animada que seja - é vivência prática. Arievaldo Viana utiliza o material à mão, lousa, giz e slides, para falar de métrica, rima e oração. Cada criança ajuda, brincando de rimar as palavras, de entender como se cria uma estrofe. Mas, além desta poesia "de bancada", como os poetas dizem, isto é, impressa, escrita, explica ele, há a modalidade do improviso, na qual são mestres os cantadores de viola. É aí onde entra em cena, com sua bela viola de repentista, o cantador Zé Maria de Fortaleza. Ali, literalmente no calor da hora, vai improvisando rimas - e consegue chamar a atenção da menina que estava desatenta, inventando ali na bucha uma estrofe com ela, e segurando outra vez sua atenção. Arievaldo Viana recita o texto A Raposa e o Cancão, e depois Klévisson também conta um dos seus livros, O pulo do gato. Rouxinol do Rinaré apresenta a versão que fez para o romance Iracema: Um curumim, um pajé e a lenda do Ceará.
Para saber mais sobre o projeto Acorda Cordel, e conferir novas imagens das oficinas e informações, é dar uma espiada no fotolog do Arievaldo Viana, no endereço http://.com.br/acorda_cordel:74. Entre os dias 5 a 7 de fevereiro, o projeto será implantado em Reriutaba (o primeiro município cearense a encampar a idéia foi Canindé), com uma oficina de capacitação para 135 professores. Cada um receberá um kit completo do projeto Acorda Cordel - o livro básico, uma caixa com 12 folhetos e um CD com romances e poemas declamados por Geraldo Amâncio, Zé Maria de Fortaleza, Azulão e Arievaldo Viana. Será também inaugurada uma cordelteca, com cerca de mil folhetos, contando com a presença do presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, o poeta Gonçalo Ferreira da Silva. No site Overmundo, artigo do jornalista Edson Wander, de Goiânia, fala da recepção do Acorda Cordel pelo país. Confira, no endereço www.overmundo.com.br/overblog/patativa-nao-era-analfabeto. Os folhetos que fazem parte do projeto são publicados numa parceria entre Tupynanquim e a editora Queima-Bucha, de Mossoró. Os folhetos podem ser encontrados, avulsos ou em caixas temáticas, nas livrarias Livro Técnico e na banca Tupynanquim, no Dragão do Mar.

FONTE: Jornal O POVO - Fortaleza-CE (fevereiro de 2007)

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