Poeta Zé Amâncio
JOSÉ AMÂNCIO
DE MOURA,
UM MESTRE DO HUMORISMO
NAS LIDES DA CANTORIA
UM MESTRE DO HUMORISMO
NAS LIDES DA CANTORIA
Quando
lancei a primeira edição do meu livro ‘O Baú da Gaiatice’, em 1999, gravei uma
reportagem para o programa Nordeste Rural, da TV Verdes Mares, com o repórter
Aurélio Menezes, um sertanejo natural do distrito de Sapé, Limoeiro do Norte,
que aproveitou o ensejo para me repassar umas glosas engraçadíssimas do seu
conterrâneo José Amâncio de Moura, um dos maiores humoristas do repente.
Em
2011 tive a grata satisfação de receber um exemplar do livro “Memórias de um
poeta – José Amâncio de Moura”, organizado por sua filha Ana Cristina Freitas
de Moura e Maurilo Freitas. Disse-me a filha do bardo sapezista tratar-se da
segunda edição da obra, que teve grande aceitação em toda a região do alto e
baixo Jaguaribe, principalmente em Limoeiro do Norte, sua terra Natal. Zé
Amâncio foi repentista notável, glosador inspirado e sobretudo um grande
humorista. Pobre, deficiente de um pé desde a infância, nada disso o impediu de
revelar ao mundo seu maravilhoso estro poético, sobretudo nas muitas cantorias
que realizou e também através de programas de rádio, atuando com diversos
parceiros.
Um
resgate mais que oportuno, pois além dos maravilhosos versos recolhidos, há
também todo um anedotário em torno do poeta que nasceu no distrito limoeirense
de Sapé.
Às
vezes, por pura gozação, ele fazia versos na escola de Zé Limeira, talvez até
mais engraçados do que aqueles atribuídos ao bardo da Serra do Teixeira:
Com
a ponta da vara de um quintal
Com
um bode que berra no chiqueiro
Com
um galo que cisca no terreiro
E
com a ponta da tábua de um jirau
Com
o som do saudoso berimbau
Com
os botões da batina do vigário
Com
o cós da cueca do Olegário,
Com
um peba que caga no arisco,
Com
as flores do altar de S. Francisco
Enfeitamos
seu lindo aniversário.
Certa
vez, cantando com um colega que blasonava possuir alguma riqueza, José Amâncio
fez questão de expor a sua pobreza, galhofando consigo mesmo:
Na
minha casa eu só tenho
Uma
garrafa de gás
Uma
bicicleta velha
Faltando
o pneu de trás
Para
quem nasceu sem nada
Já
é riqueza demais.
A herança
que pai deixou
Foi
somente uma ceroula
Uma
jumenta zambeta
E um
canteiro de cebola
E mais
um papagaio velho
Pra
me chamar de baitola.
Certa
feita, cantando no Sítio Vaca Brava, percebeu que as mocinhas do lugar eram
muito dadas a namoros, gostavam de danças e não tinham o menor pejo de
acompanhar os rapazes rumo aos locais mais escuros. Por sinal, duas delas passavam
insistentemente pela frente da mesa onde estavam os cantadores. Vendo esta
cena, Zé Amâncio não poderia deixar de registrar numa sextilha:
Essas
mocinhas daqui
Gostam
de salão de dança,
E acham
bom agarrado
Roçando
pança com pança,
Nunca
vi uma Vaca Brava
Tirar
novilha tão mansa.
O
poeta, apesar das dificuldades da vida, jamais perdia a sua fé em Deus. Vejam
que linda estrofe:
Eu
me atrevo a viver
Sem
viajar, sem dormir,
Sem
cantar, sem divertir,
Sem
jogar e sem beber.
Sem
café, sem de comer,
Sustento
os esforços meus
E
sem os auxílios seus
Eu
sei a luta enfrentar
Só
não me atrevo a passar
Sem
a palavra de DEUS.
Uma de suas estrofes mais notáveis, incluída (salvo engano), na Antologia de
Cantadores de Otacílio Batista e Dr. Linhares é esta glosa que alude ao roubo
de sua bicicleta, num dos bairros de Limoeiro do Norte:
Roubaram
um pobre poeta
Além
de pobre, doente,
Inda
mais deficiente
Com
uma perna incompleta
Levaram-lhe
a bicicleta
Com
pneu, câmara e catraca
Um
ladrão de alma fraca,
Esse
roubo não descobre
Quem
rouba um poeta pobre
Vendo
Jesus, mete a faca!
Em
meu livro “A mala da cobra – Almanaque Matuto”, inacreditavelmente inédito,
depois de quase 20 anos que foi escrito, eu faço uma ampla pesquisa sobre o
anedotário cearense e o humor na cantoria e na Literatura de Cordel. Nessa obra
encontra-se esta pequena homenagem ao grande humorista do Sapé:
ZÉ
AMÂNCIO, O BARDO SAPEZISTA
Nascido
em Sapé, distrito de Limoeiro do Norte, o cantador José Amâncio de Moura figura
nas páginas de diversas antologias como um dos glosadores mais geniais e
engraçados de todos os tempos. Considerado “imoral” por alguns puritanos, o
aedo sapezista ainda não teve o seu valor totalmente reconhecido. Eis uma de
suas tiradas mais famosas, que foi repassada pelo seu conterrâneo Aurélio
Menezes, repórter do Programa Paulo Oliveira, na Verdes Mares AM: contam que
certa feita, Zé Amâncio andava na companhia dos irmãos Dimas e Otacílio
Batista, quando o genial autor de “Mulher Nova, Bonita e Carinhosa” saiu-se com
esta:
“ Vou tomar uma cachaça
Pra
lembrar Manoel Chudu...”
Dimas,
aproveitando a métrica perfeita da frase de Otacílio, filosofa:
“...
Toda cachaça é gostosa,
Toda
roupa veste o nu...”
É
a deixa que Zé Amâncio esperava para aproveitar a riqueza da rima:
“...
menos gravata e colete,
porque
nem cobrem o cacete
nem
as beiradas do c*!”
NOTA
DO AUTOR - Recebemos e-mail de Maurilo Freitas informando que essa estrofe
também é atribuída a outro poeta, da Paraíba. Coisas como esta são muito
frequentes na cantoria, uma arte que tem a ORALIDADE como seu maior meio de
expressão. É curioso notar que muitas coisas produzidas por poetas cearenses
acabam sendo atribuídas a Pinto do Monteiro ou aos Irmãos Batista.
No
livro do humorista Waldy Sombra “Os poetas lá de nós Viva o Sapé nº 2”, encontram-se várias glosas
do poeta, das quais pinçamos as mais engraçadas e irreverentes. No pinicar de
um desafio, uma lagartixa assustada com o barulho da cantoria desprega-se do
telhado e cai no meio do salão. O pequeno réptil ainda corria pelo salão quando
Zé Amâncio improvisou essa sextilha:
“
- No meio dos cantadores
caiu
uma lagartixa!
Tragam depressa a vassoura
Para tanger essa bicha,
É
carne que não se come
É
couro que não se espicha.”
Durante
anos, Zé Amâncio manteve um programa de cantoria na rádio Educadora, de
Limoeiro do Norte. Certa feita, tendo chegado atrasado, o locutor Maurílio
Freitas o interpela ao vê-lo entrando no estúdio:
“ Meu amigo Zé Amâncio
vamos
cantar um poema?
O
irreverente bardo do Sapé não perde tempo:
“ Vá logo tirando as calças
que
eu resolvo seu problema...”
Para
finalizar, uma estrofe magistral registrada por Otacílio Batista e Francisco
Linhares na Antologia Ilustrada dos Cantadores.
Cantando com Domingão Pereira, eis que o parceiro termina a estrofe
nesses termos:
Jesus
nasceu em Belém
João
Batista na Judéia.
Zé
Amâncio:
Felipe
na Ituréia
Falava
o mesmo idioma
Abraão
nasceu e Ur
E
Ló viveu em Sodoma,
José,
Vice-Rei do Egito,
Nero
tocou fogo em Roma.
(In 'Histórias que os antigos me contavam' - livro inédito de Arievaldo Vianna)
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