terça-feira, 28 de janeiro de 2020

COISAS DO ARCO DA VELHA



Acervo Carlos Juaçaba

JÁ SAIU O ‘BORÓ’?

Devido o sucesso da postagem "MORREU MARIA PREÁ" (http://acordacordel.blogspot.com/2012/02/morreu-maria-prea.html), expressão genuinamente cearense, tenho pesquisado outras de igual popularidade, como "VOCÊ NÃO É BARROSO", "LEI DO CHICO DE BRITO" e "JÁ SAIU O BORÓ?" 

Pois é... Eu sou do tempo que o colega de trabalho chegava na roda de conversa, no fim do mês e perguntava: - E aí, pessoal, já saiu o BORÓ?
BORÓ – Segundo o Novo Dicionário do Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição revista e aumentada da editora Nova Fronteira, seria um peixe elasmobrânquio da família dos paratrigonídeos. 2. Ficha. Moeda divisionária emitida por municipalidades ou por particulares (CE).



Segundo Raimundo de Menezes (Coisas que o tempo levou – Edições Demócrito Rocha, 2000), num livro chamado “Tratadinho de Câmbio”, o professor Odorico Castelo Branco tenta explicar a origem do nome “boró” da seguinte maneira: “o povo quando dá um nome, não diz de onde o ouve; e o nome pega. Quanto ao boró, já me disseram que é, no sertão, o nome de um peixinho muito miúdo (...) Alude, portanto, às pequenas dimensões dos vales circulantes no Ceará”.
Não se sabe ao certo a origem do nome, mas, segundo historiadores dignos de crédito, como o já citado Raimundo de Menezes e Filgueira Sampaio, no fim do século XIX circularam em Fortaleza e logo em todo o Ceará os famosos “borós”. Eram espécies de vales emitidos inicialmente pela Câmara Municipal e pela Companhia de Bondes, para suprir a falta de dinheiro miúdo. Os primeiros que surgiram eram impressos, depois todo mundo passou a fazer os seus próprios borós, impressos, datilografados ou escritos à mão mesmo, até os bodegueiros. Chegou a um ponto que quase não se via mais o dinheiro propriamente dito. Quando o governo federal mandou acabar com a inovação monetária a coisa já assumia grandes proporções e muita gente que emitia borós sem ter dinheiro para resgatá-los acabou na falência. Na década de 1980, com o Estado do Ceará em uma crise financeira, o então governador, Gonzaga Mota (antecessor do Tasso Jereissati), andou reeditando o boró, com o nome sugestivo de "gonzaguetas", apelido dado pelo povo para os novos "borós". Desta vez, emitidos pelo próprio Governo do Estado, para o pagamento do funcionalismo estadual. O comércio aceitou, foram todos depois resgatados e tudo acabou bem.
Bem curioso é o caso de um proprietário de sítio, natural do Baturité, chamado Clementino Holanda, que para facilitar o pagamento dos seus assalariados emitiu borós a torto e a direito, sem ter o devido lastro. Consta que esses vales exibiam o desenho de um beija-flor. Como já era de se esperar, na época da quitação o resgate dos borós não aconteceu e o sujeito ficou completamente desacreditado. Segundo Raimundo de Menezes, até um cego pendinchão, que esmolava em Cangati, cantarolava ao pé da viola:

Eu peço por caridade
Pelo seu divino amor...
Eu só não quero boró
Que seja do “Beija-Flor”...

E mais essa outra quadrinha:

Eu peço por caridade
Pelo seu Senhor Divino,
Eu só não quero boró
Que seja do Clementino.


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