Aposentadoria do Mané Riachão
Patativa do Assaré
Seu moço,
fique ciente
de tudo que
eu vou contar:
Sou um pobre
penitente
nasci no dia
do azar;
por capricho
eu vim ao mundo
perto de um
riacho fundo
no mais feio
grutião.
E como ali
fui nascido,
fiquei sendo
conhecido
por Mané do
Riachão.
Passei a
vida penando
no mais
cruel padecê,
como tratô
trabaiando
pro
felizardo comê.
a minha
sorte é torcida,
pra melhorá
minha vida
já rezei e
fiz promessa,
mas isto
tudo é tolice.
Uma cigana
me disse
que eu nasci
foi de travessa.
Sofrendo
grande canseira
virei bola
de bilhá.
Trabalhando
na carreira
daqui pra
ali e pra acolá,
fui um
eterno criado
sempre
fazendo mandado,
ajudando aos
home rico.
Eu andei de
grau em grau,
tal e qual o
pica-pau
caçando
broca em angico.
Sempre
entrando pelo cano
e sem podê
trabalhá,
com sessenta
e sete ano
procurei me
aposentá.
Fui batê lá
no escritório,
porém de
nada valeu.
Veja o que
foi, cidadão,
que aquele
tabelião
achou de
falá pra eu.
Me disse
aquele escrivão
franzindo o
couro da testa:
- Seu Mané
do Riachão,
estes seus
papéis não presta.
Isto aqui
não vale nada,
quem fez
esta papelada
era um cara
vagabundo.
Pra fazê seu
aposento,
tem que
trazê documento
lá do começo
do mundo.
E me disse
que só dava
pra fazê meu
aposento
com coisa
que eu só achava
no Antigo
Testamento.
Eu que tava
prezenteiro
mode recebê
dinheiro,
me disse
aquele escrivão
que
precisava dos nome
e também dos
sobrenome
de Eva e seu
marido Adão.
E além da
identidade
de Eva e seu
marido Adão,
nome da
universidade
onde estudou
Salomão.
Com outroas
coisa custosa,
bem custosa
e cabulosa,
que neste
mundo revela
a Escritura
Sagrada:
quatro dente
da queixada
que Sansão
brigou com ela.
Com manobra
e mais manobra
pra podê me aposentá,
levá o nome
da cobra
que mandou
Eva pecá.
E além de
tanto fuxico,
o regristro
e o currico
de
Nabucodonosô,
dizê onde
ele morreu,
onde foi que
ele nasceu
e onde se
batizô.
Veja moço,
que novela,
veja que
grande caipora
e a pió de
todas ela
o sinhô vai
vê agora.
Para que eu
me aposentasse,
disse que
também levasse
terra de
cada cratera
dos vulcão
do estrangeiro
e o nome do
vaqueiro
que amansou
a Besta Fera.
Escutei
achando ruim
com a
paciência fraca,
e ele oiando
pra mim
com os óio
de jararaca.
Disse: - A
coisa aqui é braba
precisa que
você saiba
que eu aqui
sou o escrivão.
Ou essas
coisa apresenta,
ou você não
se aposenta,
Seu Mané do
Riachão.
Veja, moço,
o grande horrô,
sei que vou
morrê depressa,
bem que a
cigana falou
que eu nasci
foi de travessa.
Cheio de
necessidade,
vou vivê de
caridade.
Uma esmola,
cidadão!
Lhe peço no
Santo nome,
não deixe
morrê de fome,
o Mané do
Riachão.
Antônio
Gonçalves da Silva, dito Patativa do
Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena
propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. Foi o segundo filho
de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com Dona
Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou “Inspiração
Nordestina”, em 1956, “Cantos de Patativa”, em 1966, “Cante lá que eu canto cá”
e “Ispinho e Fulô”. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados
Patativa do Assaré. Publicou ainda cerca de 20 folhetos de cordel , além de
poemas publicados em revistas e jornais.
OUTRO POEMA DO PATATIVA
O boi zebu e as formigas
Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.
Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.
Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.
Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.
Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.
Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.
Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.
Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.
As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.
Do livro Ispinho e Fulô – Patativa do Assaré
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