sábado, 11 de fevereiro de 2017

POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ


Aposentadoria do Mané Riachão
 Patativa do Assaré



Seu moço, fique ciente
de tudo que eu vou contar:
Sou um pobre penitente
nasci no dia do azar;
por capricho eu vim ao mundo
perto de um riacho fundo
no mais feio grutião.
E como ali fui nascido,
fiquei sendo conhecido
por Mané do Riachão.

Passei a vida penando
no mais cruel padecê,
como tratô trabaiando
pro felizardo comê.
a minha sorte é torcida,
pra melhorá minha vida
já rezei e fiz promessa,
mas isto tudo é tolice.
Uma cigana me disse
que eu nasci foi de travessa.

Sofrendo grande canseira
virei bola de bilhá.
Trabalhando na carreira
daqui pra ali e pra acolá,
fui um eterno criado
sempre fazendo mandado,
ajudando aos home rico.
Eu andei de grau em grau,
tal e qual o pica-pau
caçando broca em angico.

Sempre entrando pelo cano
e sem podê trabalhá,
com sessenta e sete ano
procurei me aposentá.
Fui batê lá no escritório,
porém de nada valeu.
Veja o que foi, cidadão,
que aquele tabelião
achou de falá pra eu.

Me disse aquele escrivão
franzindo o couro da testa:
- Seu Mané do Riachão,
estes seus papéis não presta.
Isto aqui não vale nada,
quem fez esta papelada
era um cara vagabundo.
Pra fazê seu aposento,
tem que trazê documento
lá do começo do mundo.

E me disse que só dava
pra fazê meu aposento
com coisa que eu só achava
no Antigo Testamento.
Eu que tava prezenteiro
mode recebê dinheiro,
me disse aquele escrivão
que precisava dos nome
e também dos sobrenome
de Eva e seu marido Adão.

E além da identidade
de Eva e seu marido Adão,
nome da universidade
onde estudou Salomão.
Com outroas coisa custosa,
bem custosa e cabulosa,
que neste mundo revela
a Escritura Sagrada:
quatro dente da queixada
que Sansão brigou com ela.

Com manobra e mais manobra
pra podê me aposentá,
levá o nome da cobra
que mandou Eva pecá.
E além de tanto fuxico,
o regristro e o currico
de Nabucodonosô,
dizê onde ele morreu,
onde foi que ele nasceu
e onde se batizô.

Veja moço, que novela,
veja que grande caipora
e a pió de todas ela
o sinhô vai vê agora.
Para que eu me aposentasse,
disse que também levasse
terra de cada cratera
dos vulcão do estrangeiro
e o nome do vaqueiro
que amansou a Besta Fera.

Escutei achando ruim
com a paciência fraca,
e ele oiando pra mim
com os óio de jararaca.
Disse: - A coisa aqui é braba
precisa que você saiba
que eu aqui sou o escrivão.
Ou essas coisa apresenta,
ou você não se aposenta,
Seu Mané do Riachão.

Veja, moço, o grande horrô,
sei que vou morrê depressa,
bem que a cigana falou
que eu nasci foi de travessa.
Cheio de necessidade,
vou vivê de caridade.
Uma esmola, cidadão!
Lhe peço no Santo nome,
não deixe morrê de fome,
o Mané do Riachão.




Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. Foi o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com Dona Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou “Inspiração Nordestina”, em 1956, “Cantos de Patativa”, em 1966, “Cante lá que eu canto cá” e “Ispinho e Fulô”. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Publicou ainda cerca de 20 folhetos de cordel , além de poemas publicados em revistas e jornais.



OUTRO POEMA DO PATATIVA



O boi zebu e as formigas

Um boi zebu certa vez
Moiadinho de suó,
Querem saber o que ele fez
Temendo o calor do só
Entendeu de demorá
E uns minuto cuchilá
Na sombra de um juazêro
Que havia dentro da mata
E firmou as quatro pata
Em riba de um formiguêro.

Já se sabe que a formiga
Cumpre a sua obrigação,
Uma com outra não briga
Veve em perfeita união
Paciente trabaiando
Suas foia carregando
Um grande inzempro revela
Naquele seu vai e vem
E não mexe com mais ninguém
Se ninguém mexe com ela.

Por isso com a chegada
Daquele grande animá
Todas ficaro zangada,
Começou a se açanhá
E foro se reunindo
Nas pernas do boi subindo,
Constantemente a subi,
Mas tão devagá andava
Que no começo não dava
Pra de nada senti.

Mas porém como a formiga
Em todo canto se soca,
Dos casco até a barriga
Começou a frivioca
E no corpo se espaiado
O zebu foi se zangando
E os cascos no chão batia
Ma porém não miorava,
Quanto mais coice ele dava
Mais formiga aparecia.

Com essa formigaria
Tudo picando sem dó,
O lombo do boi ardia
Mais do que na luz do só
E ele zangado as patada,
Mais força incorporava,
O zebu não tava bem,
Quando ele matava cem,
Chegava mais de quinhenta.

Com a feição de guerrêra
Uma formiga animada
Gritou para as companhêra:
Vamo minhas camarada
Acaba com os capricho
Deste ignorante bicho
Com a nossa força comum
Defendendo o formiguêro
Nos somos muitos miêro
E este zebu é só um.

Tanta formiga chegou
Que a terra ali ficou cheia
Formiga de toda cô
Preta, amarela e vermêa
No boi zebu se espaiando
Cutucando e pinicando
Aqui e ali tinha um moio
E ele com grande fadiga
Pruquê já tinha formiga
Até por dentro dos óio.

Com o lombo todo ardendo
Daquele grande aperreio
zebu saiu correndo
Fungando e berrando feio
E as formiga inocente
Mostraro pra toda gente
Esta lição de morá
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito
Até nas leis da natura.

As formiga a defendê
Sua casa, o formiguêro,
Botando o boi pra corrê
Da sombra do juazêro,
Mostraro nessa lição
Quanto pode a união;
Neste meu poema novo
O boi zebu qué dizê
Que é os mandão do podê,
E as formiga é o povo.



Do livro Ispinho e Fulô – Patativa do Assaré

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