Nossa postagem "Histórias de Papagaio" (http://maladeromances.blogspot.com.br/2016/11/historias-de-papagaio.html) foi um sucesso! Mais de 500 visualizações. Atendendo a frequentes pedidos de nossos leitores, publico mais duas histórias da série. A primeira delas escrita pelo irreverente José Augusto Moita, que adora narrar as peripécias do nosso PAULIM. O outro episódio vem dos cafundós da Bahia e me foi repassado pelo amigo José Walter Pires. Vamos aos causos...
PAULIM E O
PAPAGAIO QUE
MANTINHA O
DIÁLOGO
Eu
não sei se já falei prá vocês, mas é que quando Paulim fez a Primeira Comunhão — como prova a bela fotografia abaixo — pediu a seu avô, homem rude e sério
do alto Jaguaribe, de presente um papagaio.

— Já pensou, Vovô, o Alfredim — nome com o qual estava pensando em batizar a desejada
ave — rezando
comigo, ajoelhadinho, as orações matinais?
— Meu netinho Paulim, papagaio é bicho safado, diz muita coisa que não
presta. Retrucava o velho, tentando demover da mente do candidato a anjo,
presente tão insólito.
Para
encurtar a conversa o velho mandou que Paulim fosse na casa de pássaros e se
inteirasse sobre a aquisição do Alfredim. Soubesse sobre preço, licença no
órgão competente, vacinas, e, principalmente, se já falava, que seria o mais
importante. Pois, dependendo do vocabulário do dito cujo, entraria ou não na
residência dos Costa.
O
moço da casa de pássaros começou a mostrar a Paulim os papagaios que estavam
rigorosamente expostos em ordem de destreza vernacular e preço. Nesta ordem, o
que estava colocado no início da loja, custando apenas R$ 50,00, não falava
porra nenhuma. Já o de quinhentos reais, dizia algumas tolices, tipo Ilari lari iêê Oh Oh Oh!. O de mil era
um papagaio com cara de professor de português, falava tudo. Mas tinha um muito
especial, que só sairia da loja com quem desembolsasse a exorbitante quantia de
dez mil reais.
— Mas moço, por que esse papagaio é tão caro.? Perguntou o inocentezinho
Paulim.
— Meu jovem, esse papagaio é muito especial, ele sabe conversar, mantém o
diálogo. Quer ver? Fique conversando com ele aí enquanto eu atendo outro
cliente que vai comprar alpiste pras rolinhas.
Paulim
ficou maravilhado ao conversar com um pássaro tão esperto. Falaram sobre as
aulas do Paulim, os coleguinhas, as brincadeiras com os garotos de sua rua, as
férias na fazenda do Vovô Paulão, uma conversa animada e educada. Mas, prezadas
leitoras e leitores, o instinto papagaísta sempre bate mais forte, e lá pras
tantas da conversa o papagaio perguntou ao Paulim se ele já tinha queimado o
carretel nas brincadeiras de esconde-esconde com os coleguinhas. Minhas amigas
e amigos, aquilo traumatizou tanto nosso infante recém-entregue às Ordem
Religiosas, que saiu correndo, aos prantos, em direção à sua casa, trancando-se
no quarto sem querer conversa com ninguém.
Vovô
Paulão, homem passado na casca do alho, viu logo que aquele chororô do netinho
tinha alguma coisa com a negociação que fora fazer na casa de pássaros. Começou
a conversar devagarinho com a vítima até descobrir a indecência praticada pelo
infame louro. E prometeu que aquilo não iria ficar por menos, àquele imoral
seria ensinado bons modos. Armou-se de trinta e oito e foi tomar satisfações
com o fela da gaita conversador.
Chegando
na loja o proprietário começou a ladainha de sempre:
— Esse custa cinquenta, mas não fala nada. Este, de quinhentos...
— Esse custa cinquenta, mas não fala nada. Este, de quinhentos...
— ...Não, não, não. Eu quero saber é do que vale dez mil, o que
mantém o diálogo. Interrompeu o vendedor, Vovô Paulão.
Depois
de ter sido deixado só, no fundo da loja, com o dialogador, começa um amistoso
papo entre os dois. O papagaio perguntou sobre a fazenda, se tinha chovido bem,
como estava o gado, o nome do vaqueiro, se o açude tinha tomado água, pêpêpê
pápápá, e tome conversa. Até que o velho lembrou-se do motivo real de sua ida à
loja.
— Rapaz, você é muito conversadorzim, né? Comigo fica conversando coisa
séria, mas com crianças fica com indecência. Cê num vai me perguntar sobre o
carretel, não?
O
papagaio apontou para o que estava na frente da loja e disse:
— Cidadão, essa conversa de carretel de véi é com o de cinquenta que tá lá
na frente. Sou nem proctologista, pra querer saber de fiofó de véi!
José Augusto Moita
***
MAIS UMA HISTÓRIA DE PAPAGAIO
“ME ACODE, ZEZINHO”
Ouvi
esta história em minha terra natal, Ituaçu, mas omitindo as referências nominais,
vou recontá-la como registro de mais uma das peripécias de papagaios, que
povoaram e enriqueceram o nosso anedotário popular, muitas das quais já
reunidas pelo poeta, cronista e pesquisador cearense Arievaldo Viana.
Aí
pelos idos dos anos cinquenta, uma ilustre Senhora viera do Rio de Janeiro para
Salvador e, em seguida, para um lugarejo, na encosta da Serra do Sincorá,
chamado Triunfo, em visita aos parentes e, naturalmente, matar as saudades de
todos.
Após
uma longa viagem, em um dos trens da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro,
entretanto, bucólica, desembarcou na estaçãozinha, em Sincorá, daí, sendo
levada até à casa dos seus familiares, onde fora recebida com grande festa,
reunindo parentes, aderentes, compadres, parteiras, serviçais e curiosos, aos
costumes do sertão.
Um
verdadeiro acontecimento naquele lugarejo, que só uma vez por outra recebia
visitas dos parentes mais distantes. Outras notícias e correspondências só
chegavam pelos trens ou pelo Correio, em malas trazidas a lombos de burros, e
entregues no pequeno Posto, de onde eram distribuídas, pelo Agente, aos
destinatários. No mais tudo era feito por positivos, pessoas de confiança para
esses encargos.
O
casarão estava repleto. Abraços, risos, mesa farta, presentes, espanto diante
dos membros desconhecidos da família e o bate papo em cada canto da casa.
Quantas novidades! Uma contagiante alegria.
Tudo
aquilo era observado por um papagaio que, do seu poleiro, não parava de
tagarelar, cantar, chamar pelo nome as pessoas da casa, gargalhar à imitação do
que ouvia, sem parar de rodopiar, dar cambalhotas e a responder perguntas dos
circunstantes, sem se fazer de rogado com toda aquela barulheira. Aliás, virou
uma atração, à parte.
A
visitante ficou encantada com o que via e ouvia. Uma admiração imensa pelo
Louro, como se fosse um membro da família. Nos dias seguintes, a mesma coisa.
Nem bem raiava o dia, ele já papagaiava, gritando pelos meninos, cantarolando,
dando o pé para quem pedia, enfim, recebendo carinhos de todos. Ela não cansava
de elogiar e, o que foi pior, expressou o seu desejo de levar aquele papagaio
para o Rio de Janeiro. Pronto. Foi o bastante para a tristeza tomar conta da
casa.
—
Minha irmã, não importa quanto vai custar; quero levar esse papagaio para mim;
diga quanto é; vai ser um sucesso, quando chegar lá no Rio.
Sem
saber como desvencilhar-se daquele assédio, a dona do papagaio de estimação,
com o coração apertado, respondeu:
—
Não custa nada, não! Você pode levar de
presente!
A
visitante pulou de alegria. Mas, de repente, parecia que alguém tinha morrido
ali. O papagaio era a paixão de todos. Não poderia ser levado.
Dia
do retorno. A decisão foi mantida muito a contragosto. Acomodaram o papagaio em
um pequena gaiola, e ele emudeceu, inteiramente. Durante a viagem de trem, até
Salvador, nem uma palavra. Permanecia encolhido, em silêncio, apesar dos
insistentes estímulos. Ele se acostumaria! – pensava a nova dona.
Chegando
em Salvador, outro ritual. Como leva-lo para o Rio, no Avião. Certamente, não
seria permitido. Substituíram a gaiola por uma caixa, arrumaram como se fosse
um presente, abriram uns buraquinhos de lado, tudo com o fito do disfarce no
momento do embarque. Isso aconteceu.
Ufa! Que alívio! Não foi percebido. Embarque tranquilo. Ela com a caixa no
colo. De vez em quando uma sacudidela. Um sussurro com o papagaio. Nada. Ela o
olhava pelos buraquinhos da caixa, disfarçadamente. Ele estava vivo, só um
pouco triste. Isso era natural. Enquanto a viagem foi por cima do mar, sem
oscilações tudo bem. A aeronave, ainda
pequena, trepidava com as turbulências, mais nada demais. Mas ela sentia que o
papagaio se inquietava na caixa. As turbulências aumentaram. De repente um
vácuo e, em seguida, ouviu-se, vindo da caixa:
—
Uiiiiiiii!
Mais
outro,
—
Uiiiiiiiiiiiiii!
Outro
mais longo e sofrido:
—
Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
As
pessoas começaram a entreolhar-se, curiosas com aqueles gemidos. Procurando
contê-los, a Senhora sacudia a caixa, mudava de posição, pedia silêncio ao
papagaio. De repente outro vácuo, com mais intensidade. A aeronave deu uma
forte despencada. Aterrissagem. E de dentro da caixa, uma gritaria:
—
Me acode, Zezinho! ... Me acode, Zezinho! ... Me acode, Zezinho! ...
Zezinho
era um dos meninos da casa. Após o pouso, ela explicou aos demais passageiros o
que estava acontecendo e abriu a caixa, mostrando o papagaio, arrepiado e
tremendo que só vara verde, encolhido em um dos cantos. Desembarque feliz.
José Walter Pires
Novembro/2016
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