"Minha arte sempre estará
a serviço dos mais
fracos"
| TRAJETÓRIA | Artista multilinguagens, o cearense Klévisson
Viana relembra momentos de sua carreira e reafirma seu compromisso com a arte
como canal de transformação social
Foto: Alex Gomes
"O artista nunca tá satisfeito". Assim resume
Klévisson Viana quando perguntado acerca de seu metiê. Caçula de cinco irmãos,
sendo todos crescidos na zona rural de Quixeramobim, o menino - de rebelde na
escola a falador que só a mulher da cobra, como diz o ditado - sempre soube
qual seria seu destino: "Pra quem acredita em reencarnação, não tem outra
explicação. Sempre quis ser desenhista", não titubeia em dizer. O ano de 2018
serviu de mote para que o cearense celebrasse três décadas de trajetória, que
lhe renderam popularidade, respeito e inúmeros prêmios.
Aos 46 anos de idade "com carinha de 30", Klévisson
já perdeu a conta de quantos livros vendeu. "Mas já passou de um
milhão", garante. Em entrevista ao O POVO, numa tarde do início de
dezembro, concedida em sua casa - que também serve de lojinha - na
Parquelândia, o escritor, quadrinista, editor, cordelista e, acima de tudo,
"um contador de histórias", trouxe à tona seus primeiros rabiscos, a
mudança definitiva para a capital cearense, sua Tupynanquim Editora, mas também
uma certa apreensão em relação ao futuro, sobretudo da cultura.
OP - O menino Klévisson, lá em Quixeramobim, era uma exceção
entre os demais por conta desse interesse pelos livros, desenhos, etc?
Klévisson Viana - Esse menino tinha uma característica: lá em
casa, a gente não dispunha de material de desenho; essas coisas eram muito
escassas. A gente tinha algum material dos meus irmãos - eu era o caçula de
cinco. Então uma das características desse menino era ficar desenhando com o
dedo. Ficava contornando as pessoas por horas ou então me deitava e ficava
contornando as coisas no céu; se eu via uma paisagem, ficava sempre contornando
com os dedos. Era uma coisa que, mesmo antes de eu me entender por gente, eu já
queria fazer isso. Pra quem acredita em reencarnação, não tem outra explicação.
Sempre quis ser desenhista. Agora o lance da poesia sempre esteve presente na
minha vida porque o meu pai (Evaldo Lima, 78 anos) é agricultor e poeta.
Chegava do roçado e lia literatura de cordel e declamava verso pra gente. Ele é
uma enciclopédia da poesia popular, tem muito conhecimento! Nunca publicou
nada, mas sempre foi uma pessoa que gostou de escrever e tem a mania de receber
as pessoas sempre com estrofe. E isso é uma herança porque o avô dele, Fitico,
já tinha esse costume. Então essa coisa da poesia veio do meu pai. Mas o desenho,
não. Meu irmão mais velho, Ari (Arievaldo Vianna), veio muito cedo morar em
Maracanaú pra estudar, mas nós não tínhamos quase contato. Então a gente
desenvolveu esse gosto morando em lugares distintos. E foi uma surpresa! Uma
vez ele veio de férias e chegou lá em casa com uma revista em quadrinhos do
Pernalonga, e eu não sabia o que era uma história em quadrinhos. Eu conhecia
alguns personagens da Disney porque, nos anos 1970, circularam os personagens
numas tampinhas de refrigerante - se eu não me engano, era Pepsi, Teem e
Guaraná Wilson. Televisão, a gente não sabia nem o que era! Ele chegou lá com
uma história em quadrinhos e eu me apropriei e não deixei mais ele levar
embora. Mas o que mais me fascinava, em se tratando de desenho, era um primo
que meu pai tinha chamado Zé Miguel, que era vaqueiro, e a casa dele era aquela
casa sertaneja, cheia de alpendres, mas era cheia de desenhos as paredes! Ele
desenhava aquelas cenas dele do cotidiano, da lida com o gado e tal, e ele
reproduzia. E todo dia, não sei por qual razão, eu fiquei indo durante algum
tempo, e o que me motivava de ir à casa dele era olhar pra esses desenhos.
OP - Foi em Canindé que você completou os estudos?
Klévisson - Em Canindé, eu fui matriculado no Colégio Frei
Policarpo, que ficava mais próximo da minha casa. Aí eu tinha uma dificuldade
tremenda de ficar na escola. Era que nem aquela música do Raul Seixas: "Ao
chegar do interior/ Inocente, puro e besta..." (risos) É porque eu era
matuto demais, era selvagem demais! Então minha mãe tinha que ir e ficar me
pastorando porque eu chorava... Mas isso foi só nos primeiros meses, depois eu
fui me ambientando. Mas lá eu fiz até o Fundamental.
OP - Hoje em dia, o Klévisson é muita coisa: cordelista,
ilustrador, quadrinista, editor, etc. Como você gosta de ser chamado? Melhor,
como você gostaria de ser lembrado?
Klévisson - Como um contador de histórias. Porque eu acho que
tudo que você faz que lida com a Comunicação é contação de histórias. Quando
você vem aqui pra conversar comigo e quer saber da minha vida, você está
querendo saber pra contar a minha história. Quando eu assisto a um filme, é uma
história que está sendo contada. O objetivo da maioria das músicas é contar uma
história e por aí vai.
OP - Teu primeiro cordel foi escrito ainda em Quixeramobim?
Klévisson - Não, foi em Canindé e era pra mangar dos colegas
de aula. Hoje ninguém pode mais fazer isso, que é bullying. O título era A
História de Zé Persival, que era um menino muito feio, mas metido a galã,
paquerador. E, por sinal, tinha muita sorte com as mulheres! E o Zé Persival
não envelhecia! Era uma espécie de Dorian Gray porque passou várias gerações e
ele tinha a mesma cara! Eu devia ter uns 11 pra 12 anos e fiz junto com um
amigo chamado Carlos Magno, que virou policial depois.
OP - Você bebe em quais fontes? De onde vem a inspiração?
Klévisson - Minha inspiração é o cotidiano, são as pessoas...
Eu tenho uma facilidade muito grande de conversar com as pessoas de todos os
níveis sem enquadrar ninguém dentro de uma fôrma. Pra mim, tanto faz o
presidente da República como o varredor da rua: pra mim tem o mesmo grau de
importância. Aliás, eu gosto mais de tratar as pessoas mais humildes com mais
atenção porque eu acho que são elas as que mais precisam da atenção da gente.
Tem uma frase do Belchior - pra mim, o maior poeta urbano do Nordeste - que eu
gosto muito que diz: "Meu amor pelos humildes não me deixará mentir".
Gosto muito porque o poder passa, né, mas essas pessoas, elas têm uma sabedoria
que é pra vida toda. E a gente aprende muito com elas.
OP - Como é a tua rotina? Todo dia você desenha, escreve...?
Klévisson - Tu acredita que eu não sou um desenhista
aficionado por desenho?! Eu só desenho quando tem um objetivo. Eu nunca fui um
artista experimental, de ficar rabiscando sem necessidade. Só faço um trabalho
quando há um destino, uma demanda. Aí eu sento e faço. Senão, eu passo um mês,
dois, três, sem lembrar nem que existe! E outra coisa: mesmo que eu não esteja
desenhando, eu estou aprendendo porque gosto muito de ler, de ver histórias em
quadrinhos.
OP - Em que momento surgiu a Tupynanquim Editora?
Klévisson - Eu sempre fui editor. Quando eu trabalhava lá em
Canindé, já fazia essas revistas por conta própria, já editava e tudo... Aliás,
é algo que eu sempre quis fazer na vida, mesmo quando não entendia qual era o
papel do editor, já brincava de fazer isso. Já fiz muito trabalho de encomenda
e de coisas 'nada a ver'. De 1996 a 1999, fiz 45 livros pra Unicef; fiz muita
coisa pra Governo, pra Escola de Saúde Pública, muita cartilha... Mas tenho
também textos em prosa e tenho um livro de fábulas inédito pra publicar, que
também é em prosa. Eu trabalhava no jornal O POVO e fiquei cinco anos lá. Eu
digo que fiquei cinco anos, mas tô ligado à empresa até hoje. Porque eu
continuo como autor até hoje, da Fundação Demócrito Rocha e da Editora Dummar,
com vários títulos publicados. A Tupynanquim, ela é de 1995 pra cá. Tem 23
anos... Quando eu trabalhava no O POVO, eu já tinha o logotipo da Tupynanquim
dentro da minha gaveta porque eu já estava me preparando pra, no dia que eu
saísse do jornal, fazer um trabalho editorial.
OP - Mas a tua editora também serve como um canal para que
escritores de primeira viagem que não têm por onde publicar...
Klévisson - Sim, muitos! E não só os de primeira viagem, como
muitos consagrados também. Porque, além de publicar os meus próprios trabalhos,
eu publico de mais uma centena de autores. O Bule-Bule, de uns 15 anos pra cá,
praticamente quase tudo que ele publicou foi por meu intermédio.
OP - Teu trabalho, então, já se encontra em quantos países?
Klévisson - Bastantes! Eu comecei a participar dos salões
internacionais de humor como cartunista e participei na Bélgica, Turquia,
Holanda, Itália, Israel e têm também os livros que trazem ensaios sobre o meu
trabalho. Porque eu já ganhei todos os prêmios importantes que uma pessoa
poderia ter ganhado nessas duas áreas que eu atuo. Mas a maior premiação que eu
tenho não é essa: é o fato de ter leitores. Porque eu já vendi mais de 1,2
milhão de livros - e eu não tô contando os cordéis, só os livros! Só o
Lampião... Era o Cavalo do Tempo Atrás da Besta da Vida (Ed. Hedra, 2006)
vendeu 500 mil exemplares porque ele ganhou vários prêmios seguidos.
OP - Como tu analisa essa crescente onda de intolerância, não
só em termos de religião, mas também de gênero e, mais especificamente, em
relação a nós, nordestinos? É assunto que tem servido de tema para os cordéis
que você escreve ou edita?
Klévisson - Eu gosto sempre de ficar do lado mais fraco. Não
tenho nenhum fascínio em ter poder pelo poder. Pra mim, o poder só faz algum
sentido se for pra tornar o mundo um pouco menos ruim do que já é. Essa onda de
intolerância é, sem dúvida alguma, um fenômeno mundial e o Brasil é um país
muito hipócrita. Estamos vivendo um "mundo-cão". Aqui as pessoas
fingiam tolerar negros, nordestinos, homossexuais... E, sobretudo, pobres. Mas
bastou alguém com características preconceituosas ascender ao poder pra que uma
parcela significativa da população deixasse cair sua máscara de tolerante e
passasse a cometer os maiores absurdos, as maiores atrocidades. Nesse momento,
infelizmente, estão achando que podem tudo! Atirar em mendigos, trucidar
animais por puro sadismo, matar negros e homossexuais, invadir templos
religiosos e destruir os objetos de culto. A minha arte sempre estará a serviço
e em defesa dos mais fracos, dos oprimidos, dos excluídos. E como editor tenho
muito interesse em publicar material que possa vir a contribuir para melhorar
essa situação. Muitos poetas têm escrito trabalhos em defesa dos excluídos e eu
tenho vários trabalhos nessa linha, sobretudo em defesa das crianças, dos
pobres, do meio-ambiente e dos animais.
OP - Em que patamar se encontra o Ceará dentro desse universo
da literatura de cordel em relação ao Brasil e até mesmo o restante do mundo?
Klévisson - Olha, o Ceará tem a maior quantidade de poetas em
atividade. Em termos de quantidade e qualidade, não tem nenhum outro lugar do
Brasil que se produza tanto quanto o Ceará e, em especial, Fortaleza. Pra você
ter uma ideia, hoje nós temos uma média de uns 10 poetas de renome nacional e
até internacional, e a maioria da zona rural do Ceará (Quixadá, Limoeiro, etc).
Mas que residem em Fortaleza e muitos desses eu tive a felicidade de lançá-los,
como o Rouxinol do Rinaré, o Evaristo Geraldo da Silva (irmão do Rouxinol), a
própria filha dele, a Juliane Oliveira... Porque a literatura de cordel tem
essas coisas: é a família de poetas. Lá em casa, todo mundo se quisesse
escrever, escreveria. Sempre fui uma criança muito inventiva porque eu não
tinha brinquedos. O estado de pobreza era tão grande que eu acho que o único
brinquedo que eu possuí foi um cavalinho de talo de carnaúba. Era gado (feito)
de osso... E ouvia Histórias de Trancoso, Histórias de Camões...
OP - Hoje em dia, quais os autores nos quais você mais se
espelha?
Klévisson - Vou lhe dizer uma coisa: os autores que eu mais
gosto são os que eu menos copio. Adoro o Ziraldo porque tudo que ele se meteu a
fazer foi extraordinário! Nos quadrinhos, por exemplo, tem um autor brasileiro
que é considerado o maior de quadrinhos do País, que é o Flávio Colin. Outro é
o Shima (Júlio Shimamoto) que, dessa geração dele, é o único que ainda está
vivo, eu acho. Ele é descendente de samurais. Outra figura extraordinária é o
Mendes, Mário de Oliveira Mendes. Foi um caricaturista famoso no mundo inteiro,
que é natural aqui de Baturité, e fez vários cartões pra Unesco, Unicef... Foi
homenageado no mundo inteiro, mas nunca havia sido lembrado no Estado porque o
Ceará sequer lembrava que ele era daqui! Aí eu trouxe o Mendez, mais o Tarcísio
Matos, e fizemos o Salão Nacional de Humor de Fortaleza, na AABB, em 1991 e
1992. Trouxemos grandes mestres: o Jaguar teve conosco, o Paulo Caruso, o
Amorim (d'O Pasquim), e o Mendez, nós fizemos uma baita exposição com ele e o
trouxemos velhinho - tinha sofrido um derrame, mas estava lúcido - e o
homenageamos. Então eu tive felicidade, tanto na área dos quadrinhos, da
caricatura, do humor gráfico, quanto do cordel, a primeira coisa que eu fiz foi
me aproximar dos mestres porque eu duvido que alguém possa evoluir sem tomar
bênção a essas pessoas. É impossível um artista progredir sem reverenciar os
mestres e sem procurar conhecer a obra deles.
OP - Até porque os mestres estão morrendo.
Klévisson - Exatamente! E eu sou responsável, sabe por quê?
Porque eu fiz a ponte entre João Firmino Cabral e essa nova geração, entre
Mestre Azulão e essa nova geração... Quem conviveu com eles o suficiente pra
absorver parte do conhecimento deles e ter possibilidade de repassar alguma
coisa pra essas novas gerações, é a minha geração. Sou eu, é Rouxinol do
Rinaré, é o Evaristo, é o Marco Aurélio, é o Paiva... É esse pessoal que
conviveu com os mestres porque, se eu não me engano, essa já é a quinta geração
da literatura de cordel. Porque a primeira geração foi a de Leandro Gomes de
Barros, de Francisco das Chagas Batista, de João Martins de Athayde, de José
Camelo de Melo Resende... Eu conheci Fortuna, o Mendez, muito desses que já
morreram, o Adail, essa galera do Pasquim... E tem coisas que nascem clássicos:
Mestre Bule-Bule tava aqui em casa, descansando uns dias, quando Ariano
Suassuna morre. A gente senta à mesa da cozinha e, em menos de duas horas, a
gente tava com o folheto pronto! Eu disse: "Epa! A gente tá aqui com um
problema: folhetos como esse vão sair uns 50 ou mais com essas mesmas
características e o nosso vai ser apenas mais um". Era aquele folheto de
reportagem. Eu disse: "Vamos fazer alguma coisa que fique". Fizemos A
Chegada de Ariano Suassuna no Céu, que é como se fosse um auto. Aí eu fiz o
caminho inverso: eu publiquei gratuitamente na Internet - fiz o impresso, mas
publiquei gratuitamente na Internet - e o que é que aconteceu? Frei Leonardo
Boff botou na coluna dele dizendo que nunca havia visto um texto mais
engraçado; Valter Hugo Mãe publica no Instagram dizendo que estava encantado
com esse texto; Paulo Henrique Amorim bota na página dele, etc. Aí você diz que
o impresso deixa de vender... Ora, o impresso continua vendendo!
OP - Pois é... Você citou a Internet e eu queria que você me
falasse dessa ligação da cultura popular com as novas mídias.
Klévisson - Eu tenho adotado a nova mídia dessa maneira. Eu
vejo na Internet, mas com uma certa desconfiança e penso: tá aqui na Internet
hoje, mas amanhã pode desaparecer. Eu quero ter o livro, eu quero ter o
impresso. Então as pessoas confiam desconfiando. Por exemplo, quando o rádio
surgiu, na década de 1930 e 1940: Ah! Vai acabar com todos os jornais
impressos! Não acabou nada... Aí surgiu a TV, nos anos 1950. Nãããooo, agora acabou-se
o rádio! Quem diabo que vai mais ouvir rádio e ler jornal? Nós temos a
televisão... Até meados da década de 1980, poucas casas tinham aparelho de
televisão. A gente assistia televisão na casa dos outros. E em Canindé, em
1980, 1981, a gente saía de porta em porta procurando uma casa que tivesse
televisão e tinha casa que não deixava a gente entrar pra assistir e a gente
ficava olhando pela brechinha da janela! (risos) Quanto às novas tecnologias,
eu acho positivo porque, se você observar bem, poucos são os poetas hoje que
não têm uma página na Internet. E isso foi de uma maneira extraordinária! Tem
folhetos de notícias, por exemplo, que hoje praticamente quase não se faz mais
o impresso. O poeta escreve, cria capa e bota disponível na rede porque o objetivo
é chegar ao maior número de pessoas.
OP - Em relação a esse novo cenário que se apresenta no País,
como você recebeu notícias, por exemplo, sobre a extinção do Ministério da
Cultura?
Klévisson - Eu vejo que duas coisas não são importantes pra
esse novo governo: a cultura e o trabalho, ou melhor, o trabalhador. São
irrelevantes pra ele. Você vê que ele tem diálogo sempre para os empresários,
mas até hoje não dirigiu uma palavra, um discurso ao trabalhador. Só fala em
tirar direitos e agora tá dizendo que o emprego tem que se equiparar à
informalidade. Quer dizer, o objetivo é esse: tirar todos os direitos dos
operários. A coisa tá caminhando pra isso aí, pra você não ter direito algum. Então
eu vejo dessa forma, que a extinção dos ministérios da Cultura e do Trabalho
vai atrasar muito o nosso país porque a cultura, ao contrário do que muita
gente pensa, ela gera milhões e milhões de empregos e muito dinheiro também! O
próprio governo Temer reconheceu que a Lei Rouanet, ela é muito positiva e dá
muito retorno ao País, gera milhões de Receita. Quer dizer, a cultura é muito
positiva porque, além de educar, formar e humanizar as pessoas, ela é um
produto que gera divisas, gera riquezas para o país. A gente não sabe como é
que vai ficar, né? Mas que é um baque grande, é. A cultura, com certeza, perde
e o país empobrece com isso.
OP - Esse momento de incertezas te deixa apreensivo de alguma
forma, até mesmo em relação ao mercado editorial?
Klévisson - É, porque eu sempre fui um autor meio
underground. Sempre fui meio à margem, sempre preferi fazer meu trabalho por
outros vieses, por outros caminhos. Cheguei ao grande mercado através das
grandes editoras, mas o meu trabalho enquanto editor foi marginal. Sempre fui
um editor marginal. A minha distribuição é alternativa porque cada capital do
Nordeste, e até mesmo do Sudeste, tem no mínimo um distribuidor de literatura
de cordel. Então meu ponto de venda são esses distribuidores. E assim a gente vai
costurando parcerias com outros editores, com outros poetas, com folheteiros de
todo País e até mesmo pessoas que trabalham com livros e projetos alternativos,
e a gente vai distribuindo essa produção por esse caminho. E como a minha
editora é muito econômica, diga-se de passagem a mais econômica do Brasil,
porque eu ilustro, diagramo, edito, domino todas as etapas do processo, então
meu livro é barato.
OP - A celebração é de 30 anos de carreira, mas você bem
disse que são bem mais que isso. Num balanço desse tempo de profissão, você
considera que chegou ao nível que queria?
Klévisson - O artista nunca tá satisfeito. O Flávio Colin é
que dizia: "o artista nunca está pronto". Você sempre acha que pode
ser melhor. A gente sempre pensa isso, que pode ser melhor. Quando você faz um
trabalho e as pessoas gostam, a sua relação com aquele trabalho morre ali. Mas
têm alguns trabalhos que eu me orgulho muito de ter feito. Você sabe por que eu
me sinto um vencedor? Porque eu cheguei bem além do que eu esperava, muito mais
longe. Só que eu digo uma coisa: com muito trabalho. Porque teve uma época que
eu trabalhava uma média de 16 horas/dia. Mas não era um trabalho sacal, era uma
coisa que me dava prazer em fazer. Aliás, hoje eu continuo assim. Eu sempre
quis ter um escritório fora de casa (pra ter um certo profissionalismo) e, no
dia que eu não vou, eu fico com peso na consciência. Eu acho que, quando eu fiz
o Dom Quixote, eu tava numa forma de desenho simplesmente extraordinária. Eu
tava tinindo! (risos) Mas a minha ideia, futuramente se eu viver um pouco mais,
é organizar todos esses desenhos - que são milhares - num tipo de memorialzinho
e doar para uma instituição pública, uma coisa que mantenha. O meu interesse de
guardar essas coisas é muito mais pra ter um registro da memória. Acho bonito
aquele trabalho do Nirez de guardar essas coisas! Porque muitos desenhos meus
foram perdidos porque o jornal colava o original direto na página, naquele
gabarito e, de lá, ia pro lixo.
Estreia oficial
O PRIMEIRO CORDEL publicado por Klévisson Viana foi A Botija
Encantada e o Preguiçoso Afortunado (1998), lançado dez anos após a publicação
de seu primeiro desenho no jornal intitulado A Voz do Povo, da cidade de
Canindé
Parcerias
KLÉVISSON VIANA possui cinco títulos publicados pela Fundação
Demócrito Rocha e Editora Dummar, sendo o mais recente A Princesa Encantada de
Jericoacoara (2017), baseado numa clássica lenda ocorrida na famosa praia
cearense
Almanaque
CERCA DE UMA semana após a entrevista, Klévisson saiu às
bancas com Almanaque Tupynanquim (35 pág./ R$ 10). Nele, a reunião de várias
fábulas, artigos, poemas e quadrinhos - todos inéditos - de sua autoria e de
outros colaboradores
TERESA MONTEIRO
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