A LENDA DE PEDRO CEM
VIDA DE PEDRO-SEM.
Historia de seu orgulho, crimes, castigo e arrependimento, [ANÓNIMO], Lisboa,
Livraria e Typographia de F.[Francisco] Silva, s.d., s.i., 16 pags
Há quem negue e arrenegue influências da trova ibérica na Literatura de Cordel brasileira, mas as evidências são tantas que até as imagens falam por si. Há pesquisadores que afirmam que esse formato dos folhetos de feira (uma folha tamanho ofício dobrada em quatro partes e essas capinhas coloridas, nas cores rosa, verde, azul e amarelo) são invenções genuinamente nordestinas, nascidas nas tipografias e folhetarias da nossa Região. Mas, como prega o Eclesiastes, "nada é novo sob o sol..."
Outros teimam que os folhetos portugueses eram, em sua maioria, em prosa ou em quadras. Já vi folhetos portugueses com sextilhas, décimas, motes etc. mostrando que embora a Literatura de Cordel nordestina tenha identidade própria, tanto visual quanto na forma literária, é inegável que bebemos na fonte lusitana, como prova a história a seguir, versada magistralmente em sextilhas pelo paraibano Leandro Gomes de Barros. (A. V.)
Há quem negue e arrenegue influências da trova ibérica na Literatura de Cordel brasileira, mas as evidências são tantas que até as imagens falam por si. Há pesquisadores que afirmam que esse formato dos folhetos de feira (uma folha tamanho ofício dobrada em quatro partes e essas capinhas coloridas, nas cores rosa, verde, azul e amarelo) são invenções genuinamente nordestinas, nascidas nas tipografias e folhetarias da nossa Região. Mas, como prega o Eclesiastes, "nada é novo sob o sol..."
Outros teimam que os folhetos portugueses eram, em sua maioria, em prosa ou em quadras. Já vi folhetos portugueses com sextilhas, décimas, motes etc. mostrando que embora a Literatura de Cordel nordestina tenha identidade própria, tanto visual quanto na forma literária, é inegável que bebemos na fonte lusitana, como prova a história a seguir, versada magistralmente em sextilhas pelo paraibano Leandro Gomes de Barros. (A. V.)
* * *
"Diz a lenda
popular que Pedro Pedrossem da Silva, rico mercador da Companhia dos Vinhos e
juiz, terá caído na ruína por haver desafiado Deus. Ao ver os seus navios
entrar na barra do rio Douro, e proferindo com soberba Agora, mesmo Deus
querendo, eu não posso ficar pobre!, uma tempestade ter-se-á abatido sobre a
frota, tudo ele perdendo, lançando-o na mendicidade o resto da vida. Ao que diz
também a lenda, passou ele a estender a mão à caridade com a seguinte frase:
Esmola para Pedro Sem, que tudo teve e nada tem.
Uma torre de
observação mandada construir no Porto por D. João III, em 1542, e ainda hoje
visível na Rua da Boa Nova, determina o local dos acontecimentos, do mesmo modo
que a literatura de cordel, muito dada a desgraças e jocosidades, veio
sedimentar-lhe a reputação, pois algum fundo de verdade estará na sua origem.
Embora o vertente folheto com data de feitura incerta, mas no século XX, nos
chegue anónimo na autoria, é de Rafael Augusto de Sousa, na primeira metade do
século XIX, a mais antiga versão escrita conhecida.
* * *
“E foi assim que ouvi a história de Pedro Sem:
Era um agiota muito rico, que vivia naquela torre, lá ao fundo da rua,
com a filha de um senhor que lhe tinha pedido dinheiro emprestado e, quando não
pôde pagar, ele ficou-lhe com a filha que, coitada, tinha de pagar pela dívida
do pai. Tinha o avarento muitos barcos, que iam à Índia e aos Brasis, e ele ia
ao alto da torre para, por um óculo, os ver chegar à Foz do Douro. E, em certa
tarde de sol, viu chegar a sua frota, carregadinha, e, muito contente,
exclamou, enquanto os barcos demandavam o canal do rio: “– Agora nem Deus!”
Só que, naquele tempo, Deus ouvia tudo o que se dizia cá em baixo e despencou
uma terrível tempestade que fez naufragar todos os barcos, ao mesmo tempo que
um raio veio incendiar o recheio da torre, só dando tempo a que a jovem fugisse
para casa de seus pais; e o avaro mais os criados vieram para a rua tentar
debelar o incêndio, o que não conseguiram. Só ficaram com as roupas no corpo.
Dinheiro, papéis de dívida, de crédito, jóias, enfim, nada ficou para
testemunhar o prestígio de outrora e o velho, sem nunca ter dado nada a
ninguém, olhava para as paredes da torre e via-se obrigado a esmolar, dizendo:
“Dai alguma coisa ao Pedro Sem, que teve muito e agora não tem!”
Júlio Couto, “Isto do Pedro
Sem...”, in Nuno Pignatelli, Lenda de Pedro Cem, Porto, Campo
das Letras, 2007.
Leandro
Gomes de Barros (Paraíba, 1865 – Recife, 1918) foi primoroso em quase tudo o
que escreveu. Suas adaptações do “Livro
de Carlos Magno e os Doze Pares de França” são primorosas, o mesmo
ocorrendo com a Donzela Teodora e a História de Pedro Cem. A seguir, algumas
estrofes de abertura do cordel de mestre Leandro:
A VIDA DE PEDRO CEM
Leandro Gomes de Barros
Vou narrar
agora um fato
Que há cinco
séculos se deu
De um grande
capitalista
Do
continente europeu
Fortuna como
aquela
Ainda não
apareceu
Pedro Cem
era o mais rico
Que nasceu
em Portugal
Sua fama
enchia o mundo
Seu nome
andava em geral
Não casou-se
com rainha
Por não ter
sangue real
Em prédios,
dinheiro e bens
Era o mais
rico que havia
Nunca deveu
a ninguém
Todo mundo
lhe devia
Balanço em
sua fortuna
Querendo dar
não podia
Em cada rua
ele tinha
Cem casas
para alugar
Tinha cem
botes no porto
E cem navios
no mar
Cem lanchas
e cem barcaças
Tudo isso a
navegar
Tinha cem
fábricas de vinho
E cem
alfaiatarias
Cem
depósitos de fazenda
Cem moinhos,
cem padarias
E tinha
dentro do mar
Cem currais
de pescaria
Em cada país
do mundo
Possuía cem
sobrados
Em cada
banco ele tinha
Cem contos
depositados
Ocupavam
mensalmente
Dezesseis
mil empregados
Diz a
história onde li
O todo desse
passado
Que Pedro
Cem nunca deu
Uma esmola a
um desgraçado
Não olhava
para um pobre
Nem falava
com criado
Uma noite
ele sonhou
Que um rapaz
lhe avisava
Que aquele
orgulho dele
Era quem o
castigava
Aquela
grande fortuna
Assim como
veio, voltava
Ele acordou
agitado
Pelo sonho
que tinha tido,
Que rapaz
seria aquele
Que lhe
tinha aparecido?
Depois
pensou: — Ora, sonho
É ilusão do
sentido!
Um dia no
meio da praça
Ele uma moça
encontrou
Essa vinha
quase nua
Nos seus pés
se ajoelhou
Dizendo: —
Senhor, olhai
O estado em
que estou...
Ele torceu
para um lado
E disse: —
Minha senhora,
Olhe a sua posição
E veja o que
fez agora.
Reconheça o
seu lugar,
Levante-se e
vá embora!
— Oh!
Senhor! Por este sol,
Que de tão
alto flutua,
Lembrai-vos
que tenho fome
Estou aqui
quase nua
Sou obrigada
a passar
Nesse estado
em plena rua!
Ele repleto
de orgulho
Nem deu
ouvido, saiu
E a pobre
ergueu-se chorando
Chegou
adiante, caiu
Vinha
passando uma dama
Que com seu
mato a cobriu
Era a
marquesa de Évora
Uma alma
lapidada.
Tirando seu
rico manto
Cobriu essa
desgraçada
Ela conheceu
que a pobre,
Foi pela
fome prostrada.
Levante-se,
minha filha!
E pegou-lhe
pela mão,
Dizendo à
criada dela:
— Vá ali
comprar um pão
Que a essa
pobre infeliz,
Faltou-lhe
alimentação.
Entregando-lhe
uma bolsa
Com 42 mil
réis,
Apenas tirou
dali
Um diploma e
uns papéis,
Não
consentindo que a moça
Se
ajoelhasse a seus pés.
E com aquela
quantia
Ela comprou
um tear
Tinha mais
duas irmãs
Foram as
três trabalhar
Dali em
diante mais nunca
Faltou-lhe
com que passar.
Vamos agora
tratar
Pedro Cem
como ficou
E o nervoso
que sentia
Uma noite em
que sonhou
Que um homem
lhe apareceu
Disse: —
Olhe bem quem sou!
— Que tens
feito do dinheiro,
Que me
tomaste emprestado?
Meu senhor
manda saber
Em que o
tens empregado
E por qual
razão não cumpre
As ordens
que ele tem dado...
Ele
perguntou no sono:
Mas que
dinheiro tomei?
Até aos
próprios monarcas
Dinheiro
muito emprestei;
O vulto
zombando dele
Disse: Que
tu és eu sei.
— Que
capital tinha tu
Quando
chegaste ao mundo?
Chegaste nu
e descalço
Como o bicho
mais imundo
Hoje queres
ser tão nobre
Sendo um
simples vagabundo.
E metendo a
mão no bolso
Tirou dele
uma mochila
Dizendo: é
essa a fortuna
Que tu hás
de possuí-la
Farás dela
profissão
Pedindo de
vila em vila.
Pedro Cem
zombando disse:
— Vai
agoureira, te some
Tua presença
me perturba,
Tua frase me
consome,
De qual
mundo tu vieste?
Diz-me por
favor teu nome?!
— Meu nome,
disse-lhe o vulto,
És indigno
de saber,
Meu grande
superior
Proibiu-me
de dizer
Apenas faço
o serviço
Que ele
mandou fazer.
Despertando
Pedro Cem
Daquilo
contrariado;
Ter dois
sonhos quase iguais
Ficou
impressionado,
Resolveu
contrafazer
E ficar
reconcentrado.
Pensou em
tirar por ano
Daquela
grande riqueza
Sessenta
contos de réis
E dar de
esmola a pobreza
Depois,
refletindo, disse:
Não se dá
maior fraqueza.
(...)
Sobre a
LENDA DE PEDRO CEM, existe esse maravilhoso de Carlos Nogueira, disponível na
internet: http://www.casadaleitura.org/portalbeta/bo/documentos/ot_pedrocem_a.pdf
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