Ilustração baseada em desenho de J. Carlos
O Coronel
Rodapé (Uma aposta)
Humberto
de Campos
Em
todo o Triângulo Mineiro não havia fazendeiro mais econômico, mais
apertado de mão do que o coronel Minervino Antunes, dono do “Bom
Princípio” e de outras fazendas da região. Baixinho, miúdo,
raquítico, possuía como cavanhaque cinco ou sei fios de cabelos e
essa modéstia de figura, que lhe valera o apelido de coronel Rodapé,
constituía já um documento de parcimônia.
— O
coronel Rodapé rói as unhas para economizar feijão! — dizia o
Capitão Bandeira, boiadeiro de Goiás.
—
Se o diabo lhe desse um tostão pela alma — afirmava
outro – ele fechava negócio no mesmo instante!
Foi,
por isso, motivo de espanto a notícia que circulou na feira, de que
o coronel Minervino ia vender uma boiada para vir ao Rio de Janeiro,
com a esposa, D. Vitória, visitar a exposição.
— É
impossível — exclamaram todos, à medida que o boato se divulgava.
—
Isso é apenas pretexto para vender a boiada. Mentira ou
verdade, o certo é que uma semana depois, o coronel Minervino Rodapé
desembarcava na Central do Brasil, trazendo ao lado a mulher e, na
mão esquerda, a maleta com dinheiro. Este importava em três contos
de réis, os quais deviam dar para vários divertimentos no Parque de
Diversões: carrossel, “chicote”, cinema, ondas de aço,
tômbolas, cavalinhos, tudo isso tinha que ser visto, gozado,
desfrutado, mas parcimoniosamente, dentro do orçamento aprovado em
família. E uma vez no Rio, começou a pândega.
Instalados
num hotel de terceira ordem, cuja diária foi discutida tostão, por
tostão, deu o coronel o braço a D. Vitória e tomou, firme, rumo da
Exposição. À porta monumental da grande feira, aproximou-se
Minervino de um “guichê” e indagou:
—
Quanto custa um bilhete de entrada? - Dez tostões —
informou a moça.
E
o coronel, disposto a regatear:
—
Dez tostões? Quer três patacas, embrulhe dois!
Desiludido
de convencer a empregada, o fazendeiro pagou dois mil-réis, segurou
as duas senhas, passou na “borboleta e, dez minutos depois, estava
em frente do pavilhão em que se guarda hidroplano de passeio,
discutindo o preço de uma ascensão para ele e a mulher. O aviador
pedia cento e cinqüenta mil reis pelos dois; o coronel começou
oferecendo cinqüenta, passou para sessenta e não passava de cem,
quando o homem do avião, vendo que se tratava de uma passageiro
incapaz de ficar em silencio cinco minutos, propôs:
—
Então façamos uma coisa: eu levo o senhor e a sua
senhora para um passeio sobre a baia, com uma condição: se o senhor
se conservar calado até nos descermos, não pagará nada; se porem,
abrir a boca, pagará cento e cinqüenta mil-réis... Está
combinado?
—
Negócio feito! Concordou o fazendeiro sem refletir
sobre o sacrifício que ele ia impor, ele mesmo, por espírito de
economia, à sua incorrigível loquacidade. Colocados os dois
passageiros no côncavo da nacela, o hidroplano arrancou, estourando
e zumbindo como um besouro colossal. À altura de oitocentos metros.
O coronel permanecia mudo como um peixe.
—
Deixa-te estar, que te farei falar! Disse consigo o
aviador. E começou a subir, a descer e guiar-se no alto como
cabritasse no oceano sobre as ondas encapeladas. E o coronel mudo.
—
Ah! É assim? — fez o aviador, indignado com a
possibilidade de perder os seus cento e cinqüenta mil-réis. –
Pois espera!
E,
atingindo uma grande altura, começou a fazer o “looping the loop”,
em cabriolas furiosas que deslocavam o ar em redor. E o coronel, nem
uma palavra. Desiludido após essa prova, de apanhar, um vintém que
fosse daquele unha-de-fome, que arriscava a carcaça sem um protesto,
unicamente para não desembolsar os cento e cinqüenta mil-réis,
resolveu o aviador tocar para baixo, indo pousar, suave, na baía,
dirigindo o aparelho, a pequena marcha, rumo ao pavilhão. Antes,
porém, de ai chegar, dirigiu-se ao coronel:
— O
senhor ganhou a viagem... Mas, quando estava lá em cima, não tinha
nada mesmo a me dizer?
—
Eu? Tinha, sim, senhor, mas, se eu abrisse a boca para
falar, perdia a aposta. Não era?
— Evidentemente. E que era que o senhor queria dizer-me?
— Evidentemente. E que era que o senhor queria dizer-me?
—
Ah! — fez o Minervino, respirando: — eu queria
dizer-lhe que, na primeira reviravolta que o senhor deu, a Vitoria,
minha mulher, caiu no mar.
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