quarta-feira, 31 de julho de 2019

CENTENÁRIO DE JACKSON DO PANDEIRO



Jô Oliveira produz imagens em homenagem a Jackson do Pandeiro

As imagens são para as celebrações dos 100 anos de um dos ícones da música brasileira

SF Severino Francisco

Neste 2019, o estado da Paraíba celebra, estuda, pesquisa, analisa, canta, dança, recria e respira Jackson do Pandeiro. O ano foi escolhido para ser tema central de uma série de comemorações conectadas com o sistema de educação. Não se trata de uma sessão naftalina. Jackson não é apresentado na condição apenas de representante da tradição; ele é reapresentado na singularidade de artista moderno, que misturava samba com rock, coco com samba, jazz com coco, chiclete com banana. É Jackson do Pandeiro pop.

E Brasília, onde Jackson do Pandeiro morreu em 10 julho de 1982,  entrou na conexão com o artista gráfico pernambucano/brasiliense Jô Oliveira. Ele fez uma série de cartazes e ilustrações sobre o cantor paraibano para uma megaexposição, sob a curadoria de Fernando Moura (biógrafo do cantor), Joseilda Diniz e Chico Pereira, no chamado Museu dos Três Pandeiros, desenhado por Oscar Niemeyer, em Campina Grande (PB).

As imagens de Jô são usadas como uma espécie de logomarca do evento: “A minha ligação com a música de Jackson do Pandeiro e de Luiz Gonzaga vem desde os tempos de criança”, explica Jô. “Para mim, foram eles que deram a grande revelação de uma imagem do Nordeste. Só havia a imagem de miséria e seca. Embora fizessem música, as canções deles tinham uma narrativa visual. Foram determinantes para que eu escolhesse um caminho popular”.

Jô lembra que ia ao cinema para trocar gibis e ver seriados norte-americanos. Ao mesmo tempo, o Nordeste se materializou também nos bonecos de Vitalino e nas xilogravuras do cordel. O cinema brasileiro ainda não havia abordado o cangaço: “A única informação que tínhamos vinha do rádio. Então, por isso, a música de Jackson foi tão importante para mim”.

Nos cartazes e nas ilustrações que criou para representar Jackson do Pandeiro, Jô incorporou as cores, os traços e os signos da cultura nordestina. Estão impregnados de uma psicodelia popular das festas e dos folguedos de rua: “Eu ilustrei muitos livros de clássicos de Shakespeare, dos Irmãos Grimm ou de Lewis Carroll. Levei algum tempo para compreender que tinham uma conexão forte com a cultura nordestina. Nos tempos de criança, eu achava que Branca de Neve era uma história que acontecia do outro lado da serra perto de onde eu morava. O conto popular se veste com roupa local. Então, tento colocar tudo isso nas imagens do Jackson do Pandeiro”.


Jô Oliveira e Arievaldo Vianna, parceiros em vários trabalhos


Estímulo

Jô foi convidado a participar do projeto pela professora Joseilda Diniz, uma das curadoras de uma grande exposição em cartaz no Museu dos Três Pandeiros (há também um memorial, em Alagoa Grande, com objetos e imagens do filho mais famoso da região). Ela estimulou Jô a compor a figura de Jackson com traços da cultura pop da década de 1960, aliado aos elementos da cultura popular nordestina.

Em uma delas, Jackson toca o globo terrestre como se fosse um pandeiro. O paraibano era um cidadão do mundo pela cultura. O museu fez um mapeamento de toda a produção em cordel e xilogravura sobre Jackson do Pandeiro. Além disso, encomendou aos artistas novas produções sobre o rei do ritmo: “O próprio Jô Oliveira se debruçou sobre esse imaginário”, comenta Joseilda. “Reeditamos folhetos e fizemos editais para a criação de folhetos inéditos sobre Jackson. A Secretaria de Educação do estado estabeleceu como atividade obrigatória o ensino da obra de Jackson do Pandeiro por meio de festivais, palestras e visitas a museus”.

Fonte: Correio Braziliense




sábado, 27 de julho de 2019

LANÇAMENTO DA EDITORA IMEPH


Lucília Garcês lança livro sobre Ariano Suassuna com ilustrações de Jô Oliveira


Credito: Reprodução. Ilustração de Jô Oliveira para o livro Ariano Suassuna, de Lucília Garcez.


Por: Severino Francisco

Ariano Suassuna era um personagem em busca de um autor ou de autores que o apresentassem às crianças. Não é mais. Ele encontrou a escritora Lucília Garcez e o ilustrador Jô Oliveira, uma mineira e um pernambucano que se rebrasileirizaram em Brasília. Eles escreveram uma encantadora biografia de Ariano para as crianças (Editora Imeph), mas, que, como toda obra de qualidade pode ser lida por pessoas de qualquer idade.
Ilustração de Jô Oliveira: o real e o mítico entrelaçados na vida de Ariano Suassuna.

A narrativa de Lucília e Jô evolui como um cortejo de maracatu, numa sintonia perfeita entre palavra e imagem. Nos joga, de maneira sensorial, no mundo de Ariano, com sensibilidade e delicadeza: o cotidiano em Taperoá,cidadezinha do sertão da Paraíba; as feiras, as festas populares, os teatrinhos, as cantorias, a chegada do circo. Na precariedade, era possível garimpar um universo cultural riquíssimo. Ariano puxou o fio da tradição medieval transplantada para o nordeste brasileiro.
Como bem diz Flávia Suassuna na apresentação, a biografia revela não apenas os elementos que fizeram Ariano ser Ariano, mas, também, as formas, os sons e as cores. É, ao mesmo tempo, uma biografia e uma fábula.
Ele parece um personagem saído diretamente de um folheto de cordel para a realidade.


Ilustração de Jô Oliveira: o cordão azul atiçou a imaginação de Ariano Suassuna.

Quando era garoto, quis fugir com o circo e só não conseguiu porque levou uma tremenda bronca da mãe. Ficou a frustração de ser palhaço, mas, na fase final da vida, Ariano realizou a vocação plenamente com as suas aulas-espetáculos, em que mistura a erudição de professor de estética com a verve popular de João Grilo paraibano. Ao arrancar o riso das plateias ele ficava com o brilho nos olhos de menino encantado, comemorava cada gargalhada como se fosse um gol.



 Capa do livro Ariano Suassuna; de Lucília Garcez, com ilustrações de Jô Oliveira.

Antonio Candido disse que os grandes homens desapareceram, pois eles dependem das utopias. E Ariano é dessa linhagem, é um Quixote paraibano de múltiplos talentos, mas, antes de tudo, poeta. O Quixote é um herói moral, tem um ideal tão alto que as derrotas não o desmerecem; as derrotas o engrandecem.




Ilustração de Jô Oliveira: cordão encarnado na biografia que parece uma fábula.

A biografia escrita por Lucília e ilustrada por Jô nos revela que a história de Ariano se entrelaça de maneira indivisível com a história brasileira e com a história da cultura popular nordestina. Ele é um personagem épico. E, neste momento, nós estamos precisando, dramaticamente, de brasileiros que nos engrandeçam.
Imagino que, onde estiver, ao folhear o livrinho de Lucília e Jô, Ariano deve estar chorando as lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues, lágrimas da mais pura alegria.



Ilustração de Jô Oliveira: Ariano tinha múltiplos talentos, mas era, antes de tudo, poeta

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE - http://blogs.correiobraziliense.com.br/severino/ariano-sob-o-olhar-de-lucilia-e-jo/

quinta-feira, 25 de julho de 2019

EXPOENTES DO CORDEL


MANOEL PEREIRA SOBRINHO
O 'CANETA DE OURO' DA PARAÍBA


Manoel Pereira Sobrinho nasce em 8 de agosto de 1918, no distrito de Passagem, município da Paraíba, no sertão paraibano, localizado na região geográfica imediata de Patos e integrante da região metropolitana de Patos. Não se sabe quando e como se inicia na poesia popular, mas em 1948, está instalado em Campina Grande, onde funda sua própria editora de folhetos, a Casa Pereira. Em torno desta, associa-se a Manoel d’Almeida Filho e Francisco Sales Areda, formando uma aliança comercial que duraria até cerca de 1952.


A Casa Pereira continua funcionando, porém, até 1956. A vasta obra poética de Manoel Pereira Sobrinho pode ser dividida em duas categorias principais. A primeira, pouco extensa, corresponde aos folhetos políticos, em que ousa atacar figuras importantes da época, como o governador da Paraíba (Dr. Promessa) e o prefeito de Campina Grande (Afirma o deputado Elpídio de Almeida, Desmascarando o mentiroso Plínio Lemos). Nestes, utiliza uma linguagem particularmente violenta, que lhe rende inimizades e alguns problemas, como os dias passados na prisão, por ter insultado a polícia em Dr. Promessa.

A segunda categoria de folhetos, majoritária, corresponde aos chamados “romances”, em que Manoel Pereira transpõe muitas vezes, para a linguagem popular, obras eruditas consagradas nacional ou internacionalmente: ‘Os martírios de Jorge e Carolina’ é uma versão de ‘A viuvinha’, de José de Alencar, enquanto que ‘O castelo do homem sem alma’ retoma o romance homônimo do escocês A. J. Cronin.

Por volta de 1959, Manoel Pereira muda-se para São Paulo, onde passa a trabalhar para a famosa Editora Prelúdio. Reescreve, então, vários sucessos da própria literatura de cordel brasileira, ajudando a editora a contornar o problema dos direitos autorais de clássicos como O cachorro dos mortos, de Leandro Gomes de Barros, ou Pedrinho e Julinha, de José Camelo de Melo Rezende. Torna-se, com isso, alvo de severas críticas por parte dos poetas de cordel. Nos anos 1960, no entanto, Manoel Pereira Sobrinho desaparece sem deixar rastro. Segundo depoimentos, teria deixado a poesia popular para ser pedreiro, antes de morrer, anonimamente, em 1995.

Fonte: http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/ManuelPereira/manuelPereira_biografia.html




sábado, 20 de julho de 2019

50 ANOS DA CONQUISTA DA LUA



"O Homem Que Subiu em Aeroplano Até a Lua"

Texto de Bráulio Tavares



Uma das primeiras histórias brasileiras de viagem à Lua é a do folheto de cordel O Homem que Subiu em Aeroplano Até a Lua (NHUFQDN). A edição mais antiga que já vi foi uma de 1923, atribuída a João Martins de Athayde. Foi essa a atribuição que usei num artigo, “A Ficção Científica no Cordel”, que fiz para uma antologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Volta ao Mundo da Ficção Científica, ed. Edgar Cézar Nolasco e Rodolfo Rorato Londero, Campo Grande: UFMS, 2007).

No arquivo online da Casa de Rui Barbosa (RJ) pode-se consultar e ver a capa de outra edição, de “6-10-47” (ver ilustração acima), igualmente atribuída a Athayde sob a dúbia rubrica de “editor proprietário”. No entanto, checando tempos depois a Literatura Popular em Verso da própria Casa vi que Sebastião Nunes Batista, que entende do assunto mais do que eu, atribui a autoria a Leandro Gomes de Barros – como tantas outras obras de Leandro, talvez, de que Athayde se apossou editorialmente.

O texto completo, digitalizado:
http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=RuiCordel&pasta=&pesq=LC0206

Fica valendo a ressalva, salvo melhor juízo.




(Leandro x Athayde)

O folheto em si é uma aventura onde a ida à Lua tem duas partes. A primeira é um pretexto para um conflito armado entre terrestres resolutos e selenitas indóceis. Uma aventura de cinema mudo, escrito numa época em que talvez ainda fosse possível entrar num cinema do Mercado São José e assistir um “filme de efeitos especiais” de George Méliès. A segunda parte é uma fantasia.

Antes da viagem ser realizada, somos levados à oficina de Baratão, o herói da história. É uma mistura dos famoso “Marcos e Obras” inexpugnáveis com uma certa “ciência gótica”, em que nomes de mecanismos ou de processos técnicos são invocados “do nada” para dar colorido imagético, para dar prosseguimento à história, ou para resolver uma enrascada descritiva.

O bueiro da officina
era grosso e tão comprido
como a Torre de Babel
de ferro só construído!
O motor era um damnado
corria tão apressado
que só se ouvia o zunido.

Essa officina fazia
espadas, lanças, couraças,
cada um canhão pavoroso
que tinha mais de cem braças
e um tiro desse canhão
derrubava um batalhão
nem que tivesse mil praças.

Uma vez foi Baratão
aos engenheiros e disse
que inventassem um motor
que até a lua subisse
gritou a todos zangado
que o motor fosse inventado
nem que a cachola partisse.

A engenhoca é entregue um mês depois, porque no cordel tudo ocorre tão magicamente como no velho cinema mudo. A realidade exibida ali é tão frágil que a gente tem medo de fazer um só questionamento e ela vir abaixo. Não se deve tocar nunca numa bolha de sabão, nem mesmo se ela for retangular, suspensa no escuro.




(Le Voyage dans la Lune, Georges Méliès, 1902)

A narrativa tem menos de Julio Verne do que de Terry Gilliam (são muito afins com o cordel , p. ex., os contos do Barão de Munchausen). Quando o aeroplano fica pronto, ele resulta numa coisa muito próxima àquele monstrengo de avião que o milionário Howard Hughes construiu na marra, e Scorsese fez um filme.

Era uma coisa horrorosa
a tal machina inventada,
uma légua de comprida
depois que ficou armada; (...)

Baratão vai à Lua e os detalhes podem ser consultados online no saite da Casa de Rui Barbosa. A “máquina” pousa mas todos continuam adormecidos a bordo, o que anima os selenitas a atacá-los; mas eles não são terrestres à toa, e a reação é pesada.

Daí a pouco foi sangue
que fez lagoa no chão...

Uma escaramuça mortal não muito diversa da que H. G. Wells imaginou para os seus First Men on the Moon (1901). Romance, aliás, adaptado para o cinema em 1919 por Bruce Gordon. Como Leandro morreu em 1918, não poderia ter assistido o filme. Athayde sim, pois só morreria em 1959, e além do mais era frequentador assíduo dos cinemas do Recife. 
   
A narrativa tem uma guinada interessante rumo à segunda parte. Estes selenitas iniciais, que destroem a nave, logo dão lugar a uma estrada, uma cidade, um palácio, e um Sultão, pai de uma bela princesa, chamada Amante. (Digressão: O rei benévolo ou desconfiado, e a princesinha em oferta: estes arquétipos são mais difíceis de destruir do que um andróide.) Vira uma história romântica das Mil e Uma Noites, e Baratão, plenamente à vontade na diplomacia, pede e consegue a mão da moça.

A história, que neste segmento vinha totalmente oriental, com certa coerência, no momento de emoção maior vê a mão nordestina do autor ficar pesada:

Quando Amante soube disso
de alegria desmaiou
nesse dia foi um frêvo
e todo povo dançou
foi banquêtes mais banquêtes
buscapé bomba, foguêtes
toda a corte formou.

O casamento tem as mesmas imagens singelas das histórias sonhadas dos prinspos e das prinspas do sertão:

Uma enorme carruagem
dois mil carros enfeitados
os arreios dos cavallos
eram todos prateados
as igrejas repicavam
e todas flores jogavam
sobre os noivos acclamados.

Imagens que lembram o “Romancinho” de Cecília Meireles, o poema da mocinha pobre que corre à beira da estrada para ver passar o filho do rei.

O triunfo final da fantasia é que nem passa pela cabeça de Baratão consertar o aeroplano (que os selenitas escangalharam) e voltar para a Terra.

Personagem de fantasia se assimila mais facilmente ao reino que descobre. Quem geralmente quer voltar de qualquer maneira é o personagem de ficção científica.  Foi profetizado e cumprido, com imaginação sociológica, por John Kennedy: “Vamos levar um homem até a Lua – e trazê-lo de volta em segurança”.

“Trazer de volta para a Terra” é um preceito humanista da corrida espacial, relacionado ao “nenhum homem será deixado para trás” dos soldados em combate.

Os norte-americanos nunca perdoaram os russos por Laika, e apesar de alguns problemas retumbantes a NASA parece ter sido mais cuidadosa com a vida humana do que o programa espacial soviético. Mas como Baratão pertence a outra estirpe, não fez a menor questão de voltar ao nosso planeta:

Quem duvidar dessa historia
vá na lua perguntar
por signal toda a familia
de Baratão ha de encontrar
si a vida lá for boa
e si não ficar à tôa
não queira mais lá voltar.


Cordel do paraibano José Soares, o Poeta Repórter, escrito em 1969




terça-feira, 16 de julho de 2019

MATÉRIA PUBLICADA NO "EL PAÍS"



FLIP 2019: Cordel pede passagem na Flip com batalha de repentistas

Após ganhar título de patrimônio cultural do Brasil, 

feira recebe dezenas de cordelistas que vendem suas obras 

e organizam declamações e 'pelejas'


Por: JOANA OLIVEIRA (EL PAÍS)


O cordelista Chico Feitosa, na Flip. J.O.

Cordel pede passagem na Flip com batalha de repentistas Flip resgata força de ‘Os Sertões’ com uma programação ainda mais diversa e política

A ciência do peido ou O Homem que perdeu a rola são títulos que aparecem expostos em uma larga mesa ao lado de outros menos pitorescos, como Deforma da Previdência ou Tragédia em Brumadinho. Foram necessários 17 anos e um título de Patrimônio Cultural do Brasil —concedido em outubro de 2018— para que a Literatura de Cordel ganhasse um espaço próprio na Festa Literária Internacional de Paraty. Nesta edição, que vai até domingo (14/07), uma dezena de cordelistas de diversos estados brasileiros reúne-se no prédio do Iphan, no centro histórico da cidade, para vender suas obras e falar sobre a cultura do cordel. Em anos anteriores, os poetas populares circulavam pelas ruas de Paraty por conta própria, como vendedores ambulantes.


Luitgarde Oliveira, Klévisson Viana e Bráulio Tavares


Um deles é Severino Honorato, administrador de empresas de 56 anos, natural de Mulungu (Paraíba), mas radicado há mais de três décadas no Rio de Janeiro. "Eu já nasci cordelista, mas só comecei a escrever mesmo com 14 anos, com poesia em estilo livre. Aprendi cordel com o meu pai, que era analfabeto, mas que me alfabetizou em casa com as rodas de leitura. Isso me fez entender que o cordel é um patrimônio de cada poeta, de cada família do interior do Brasil, especialmente do Nordeste", conta. Hoje, Severino dedica-se a publicar suas obras, mas também realiza oficinas de cordel e participa de eventos relacionados ao tema. É ele quem vai apresentando a quem chega à casa do cordel na Flip aos demais cordelistas. Com sua própria programação, o espaço conta com um palco improvisado, onde os autores declamam seus trabalhos e realizam pelejas —uma versão mais prosa das batalhas dos slams de poesia—.



Uma das repentistas mais experientes nas pelejas é Cleuza Santo, de 65 anos, que foi a primeira cordelista a publicar na cidade de São Paulo. "Meus pais são de Ilhéus, na Bahia, mas eu não tinha contato nenhum com essa cultura, só tinha uma vaga lembrança na infância de meu irmão lendo cordel. Um dia, fiz um curso de poesia e me apaixonei por essa literatura. Há 12 anos, me dedico a ela", conta a autora, cuja obra é inteiramente voltada para o público infantil. Na casa do cordel, Cleuza é uma das mais entusiastas em relação ao título de Patrimônio Cultural Brasileiro. "Hoje temos a proteção federal da nossa arte. Antes, lutávamos sozinhos para que ela não morresse".


Anilda Figueiredo, Dalinha Catunda, Klévisson Viana, Aninha Ferraz e Arievaldo Vianna.


Para Francisco Feitosa —ou Chico, como gosta de ser chamado—, cearense de 65 anos e professor de Filosofia no Ensino Médio da rede pública, é importante que os autores de cordel ocupem espaços como o da Flip 2019 não só para dar visibildade a seu trabalho, mas também os dos autores que vieram antes deles. "Precisamos lembrar de nossos ancestrais culturais, como Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Rezende, Silvino Pirauá, Daniel de Almeida Filho, Sebastião Nunes Batista. Estamos aqui por causa deles. A lembrança deles é importante para a cultura nacional e para divulgar esse gênero poético, que nem todo mundo conhece", defende. O próprio Chico começou "tarde" no cordel, em 2010. "Foi quando comecei a publicar. Antes, eu já escrevia, mas geralmente era só para tirar um sarrozinho com a cara de alguém ou para me livrar do estresse do trabalho".

A literatura de cordel tem seus próprios clássicos: Boi Misterioso, Pavão Misterioso, A Donzela Teodora e A Chegada de Lampião ao Inferno são alguns deles. No entanto, os estudantes —e os brasileiros, em geral— não os conhecem. "O cordel é uma poesia que surgiu no Nordeste e logo foi interpretada como coisa de gente analfabeta ou semialfabetizada, escrita na zona rural e, por tanto, coisa de gente inferior. Toda a vida se olhou para o Nordeste de cima para baixo, os poetas de lá eram vistos como matutos que viviam na roça", explica Chico.


Arievaldo Vianna, Paola Torres e Klévisson Viana


Para reverter essa história e fazer justiça a essa tradição da literatura popular, o cordelista acredita que "não adianta só dar títulos", mas sim apoiar e divulgar o cordel. "É preciso incentivo para que essa literatura chegue nas instituições de ensino de todos os níveis. Se ela não estiver lá, se não for adotada como instrumento de educação, ela não vai vingar. Toda a vida, o cordel foi considerado apenas uma literatura lúdica, de brincadeira, mas quando você vai escarafunchar, tem conteúdo pedagógico, político e de crítica social", afirma.

Dani Almeida, recifense de 34 anos, já faz sua parte para levar essa arte às escolas. Ela, que cresceu ouvindo o avô, um agricultor e sindicalista pernambucano, fazer cordel como forma de protesto, começou a escrever os próprios versos há uma década. Hoje, apresenta seu trabalho em rodas de leituras infantis em escolas e bibliotecas.  "Vejo os olhinhos das crianças brilhando, vejo que ali brotou alguma coisa. Se elas vão se tornar cordelistas ou não, é outra história. Mas, assim, vamos fomentando novos poetas".


segunda-feira, 8 de julho de 2019

CORDEL NA FLIP


A CONVITE DO IPHAN, CORDELISTAS 
PARTICIPARÃO DA FEIRA DE PARATY-RJ


Cordelistas de todo o Brasil receberam convite do IPHAN, através de Maria Elisabeth de Andrade Costa, chefe da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, para participar da FLIP Paraty 2019, divulgando a nossa Literatura de Cordel, que foi reconhecida em 2018 como Patrimônio Imaterial do Povo Brasileiro.
Participam desse grupo os poetas Arievaldo Vianna, Anilda Figueiredo (da Academia de Cordelistas do Crato), Klévisson Viana (Tupynanquim Editora), Paola Torres, Moreira de Acopiara, Varneci Nascimento, Victor Lobisomem, Erivaldo Ferreira da Silva, Dalinha Catunda e muitos outros.

* * *


Professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros


PALESTRA SOBRE O MUNDO BEATO

O espaço do cordel contará também com a presença da professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, antropóloga, estudiosa da cultura nordestina, envolvendo aspectos do messianismo. Ela fará uma palestra sobre os BEATOS, com destaque para as figuras do Padre Ibiapina e Antônio Conselheiro, com apresentação de quase desconhecida, porém essencial bibliografia sobre a Guerra de Canudos. Luitgarde pretende relançar o seu livro "Pelos Sertões do Nordeste", uma coletânea de artigos sobre análises do Mundo Beato, Migrações, Cangaço, Planejamento Econômico e outras reflexões sobre o sertão, num total de  618 páginas.

ARIEVALDO VIANNA

segunda-feira, 1 de julho de 2019

PRESENÇA CEARENSE NA FLIP PARATY



Prosas, rimas, trocas: cearenses na Flip 2019 alargam olhares sobre a produção literária do Estado
Por Diego Barbosa

Com a proximidade da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), de 10 a 14 de julho, o Verso destaca a participação de cearenses neste que é um dos principais eventos no segmento do País



Erivelto de Sousa, Arievaldo Viana, Jarid Arraes, Mailson Furtado e Klévisson Viana: amostra potente do Ceará em letras | Fotos: Fabiane de Paula/ Fernanda Siebra/ Dani de Costa Russo/ Helene Santos/ Erika Fonseca


Demarcar o lugar e relevância da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) nesta altura do campeonato é exercício redundante. Cravada no calendário cultural do País desde 2003 como um dos mais importantes eventos no segmento, a iniciativa torna a charmosa e prestigiada cidade do litoral fluminense um inspirado polo de encontros, tendo como pilar a troca sempre urgente de debates e fazeres no campo das letras.

Nesta 17ª edição, as características que, pouco a pouco, fizeram-na ganhar as vistas do público não perdem o rumo. Pelo contrário: seguem rastro certo ao alargar as possibilidades de conexão, sobretudo com a região em que o Ceará está inserido.

O grande homenageado deste ano, Euclides da Cunha (1866-1909), é autor de uma das obras seminais da literatura nacional, "Os Sertões", cuja paisagem narrativa, para além de contar um relevante capítulo da história do Brasil, reverbera aspectos intrínsecos à regionalidade encontrada aqui e em todo o Nordeste.

Guia Flip: pontos que merecem destaque no principal evento literário do País
Pluralidade sentida também, de modo intenso, nos cearenses que ocuparão os espaços da festa. De malas prontas para vivenciar os dias de maratona literária, de 10 a 14 de julho, cada um e cada uma tratará de oportunizar novas perspectivas de apreciação e leitura das estéticas inseridas em contos, cordéis, poesias e ficções. Há muito para se discutir e comentar.

A começar por Jarid Arraes. Nascida no Cariri e radicada em São Paulo, foi confirmada como uma das atrações oficiais da Flip ainda em maio, munida de destaque: é a primeira mulher cordelista a integrar a seleta programação do evento.

Em entrevista recente concedida ao Verso, a escritora juazeirense explicou que a curadora da festa, Fernanda Diamant, queria uma "visão refrescante do sertão" pelos olhos de alguém como a autora, conhecida por promover interseções entre a literatura e temas como gênero e raça.

Exemplo presente em "As Lendas de Dandara", "Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis" e "Redemoinho em dia quente" - primeiro livro de contos dela, publicado pelo selo Alfaguara, destaque na mesa que participará ao lado de Carmen Maria Machado, no dia 13.

Independente

Estando pela primeira vez na festa no ano passado, como apreciador, o também cearense Mailson Furtado volta a transitar pelas ruas de Paraty, agora com a conceituada marca de ser o mais recente vencedor do Prêmio Jabuti. Desta vez, o retorno promete: a convite da Kindle Direct Publishing, plataforma da Amazon, o poeta estará na Casa Libre & Santa Rita de Cássia no dia 13 para conversar sobre autopublicação no Dia do autor independente. 

"Além disso, terei outros momentos em alguns espaços para conversa sobre poesia e literatura independente", sublinha.

"Levarei na bagagem minha experiência enquanto autor sertanejo de uma cidade do interior e as possibilidades de se fazer e consumir arte por estas bandas; também os caminhos necessários da independência editorial e a importância da pulsação sertaneja".
Para o criador do premiado “à cidade”, fica a oportunidade para o público de acompanhar de perto os diferentes espaços de troca e afirmações sobre o fazer artístico no Brasil, embora pondere: “Infelizmente, por inúmeras questões (geográficas, econômicas) é um evento direcionado a quem pode ir, e não a quem deseja ir, coisas que refletem nosso país marcado por desigualdades”.



Tradição

Quem igualmente está se organizando para marcar presença na Flip são os irmãos Arievaldo e Klévisson Viana. O primeiro estreou na festa como convidado especial da Flipinha, em 2014. Neste ano, por meio do convite de Maria Elisabeth Costa - chefe da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - ocupará um espaço mantido pela instituição divulgando a literatura de cordel, reconhecida como Patrimônio Cultural Brasileiro em setembro de 2018.



Arievaldo Viana estará junto a outros representantes do cordel no espaço mantido pelo Iphan, difundindo a tradição local | Foto: Fernanda Siebra

"Além de mim, o Iphan convidou os poetas Moreira de Acopiara, Klévisson Viana e outros autores ligados ao cordel e à xilogravura", enumera.

"Conosco, estará a escritora, antropóloga e professora aposentada da UFRJ, Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, uma autoridade sobre estudos do Messianismo no Nordeste. É claro que falaremos da importância do patrono da feira, mas também nos debruçaremos sobre outros autores que se ocuparam do tema Canudos", completa. Arievaldo elucida ainda que, na ocasião, seu último livro, "Os milagres de Antônio Conselheiro" (parceria com Bruno Paulino), ganhará amplitude.*

Klévisson Viana, por sua vez, estreando por lá, tratará de dedicar falas envolvendo o cordel deixando entrever um detalhe pertinente: "Creio que nossos autores terão muito a acrescentar à Flip. No meu entendimento, nossa presença nada mais é que o reconhecimento a essa grande contribuição que o Estado do Ceará tem dado para as artes e letras do País e universalmente".

Além disso, não dissocia a envergadura da festa com a necessidade de se pensar a literatura e a sociedade na contemporaneidade. "Nesse momento que o Brasil padece de tantos problemas sociais e políticos, é importante que façamos uma infusão na nossa história, refaçamos caminhos, recuperemos um pouco da trajetória do nosso povo e da nossa verdadeira identidade nacional", considera.



Ao estrear na Flip, Klévisson Viana, autor de quase duas centenas de folhetos de cordel, atualizará temáticas nossas | Foto: Erika Fonseca

Ainda na seara do cordel, duas artistas do Crato, Anilda Figueiredo e Dalinha Catunda, ligadas à Academia dos Cordelistas da cidade, lançarão um folheto de peleja entre as duas.

O escritor, jornalista, professor e cientista político Erivelto de Sousa também participará da festa. Filho de nosso chão, lançará o livro "O Fantasma do Padre", editado pela Autografia.

"A literatura e o livro precisam de sempre mais espaço, e terão. Ler é sempre importante, pois significa descobrir e revelar mundos, essência da vida", ressalta.

Completando o time, o cearense radicado no Mato Grosso, Felipe Holloway, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura neste ano na categoria Romance, estará no evento pelo estande do Sesc. No total, o espaço terá cerca de 100 atrações, entre intervenções artísticas, cafés literários, oficinas e exposições.

Fomento

Presidente da Associação Cearense de Escritores (ACE), Silas Falcão organizou um grupo de 20 pessoas para a Flip do ano passado. Neste ano, contudo, por conta da crise financeira de uma empresa aérea, não será possível repetir o feito.

Para ele, de modo a fomentar a presença na Flip, há possibilidades a serem buscadas.

"Seria muito aplaudida a colaboração das secretarias da cultura, do Estado e de Fortaleza, quanto à participação mais efetiva da literatura cearense no evento. Até lá, estamos analisando o aluguel de uma casa própria para esse segmento".
Que a vontade ressoe, e ainda mais forte, porque temos muito a oferecer.

Serviço
17ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip)
De 10 a 14 de julho em diferentes espaços da cidade de Paraty, Rio de Janeiro. Ingressos: R$ 55, cada mesa. Mais informações pelo site oficial do evento.

LEIA TAMBÉM: http://acordacordel.blogspot.com/2019/06/cordel-em-paraty-rj.html

* A palestra da professora Luitgarde Oliveira se chamará "O Mundo Beato e o Ethos da Sociedade Sertaneja- Do Ceará, Três Santos do Nordeste". Na ocasião, serão lançados e comercializados os livros "Juazeiro do Padre Cícero A Terra da Mãe de Deus;" e "Pelos Sertões do Nordeste"