terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

CRÔNICA



O Sertão de Marica Lessa

Por Bruno Paulino
O sertão é o homizio. Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado não indaga do crime, tira o chapéu e passa.”                                                                                    (Euclides da Cunha, Os Sertões)

Quando era criança meu avô Luis Paulino foi quem primeiro me contou sobre “a história da mulher que mandou matar o marido” como ficou conhecida no imaginário dos rincões de Quixeramobim a tragédia greco-sertaneja ocorrida em 1853 envolvendo a matriarca e eterna personagem do sertão Maria Francisca de Paula Lessa e seu marido o cel. Victor de Abreu Vasconcelos. O coronel fora a assinado em seu lar, pelo escravo Corumbé, supostamente a mando de Marica Lessa.

O vô Luis trabalhou muitos anos na fazenda Canafístula – palco principal da tragédia – no tempo de Damião Carneiro, o bandeirante do sertão, como o definiu Armando Falcão em livreto escrito sobre o fazendeiro.  Naquela época que vovô trabalhou por lá – década de 50 do século XX – a história de Marica Lessa, antiga dona daquelas terras ainda estava fresca na memória de muita gente que morava por ali. Ele acabou guardando muitas delas, e eu tive a sorte de ouvi-lo contar. Hoje quase ninguém se lembra dessas histórias na região, da casa-grande de Marica não resta mais uma parede sequer em pé, porém, é possível encontrar muitas porcelanas nos escombros, o que demonstra quão rica de fato, ela era. Do tempo de Marica Lessa na Canafístula Velha resta apenas à capelinha da Sagrada Família (Jesus, Maria e José), onde ainda se reza missa pelo menos uma vez no mês.

Uma história que vovô contava era que quando Marica Lessa foi presa na fazenda, após preso Corumbé e ele acusá-la de ser a mandante do crime – vinha ela escoltada para a vila por um enorme cortejo de homens, na altura de uns seis quilômetros da Canafístula mandou que parasse numa casa e pediu que o morador, que era seu agregado passasse um café, que ela estava indo resolver um mal-entendido e na volta passaria por lá para tomarem o café juntos. Marica Lessa nunca mais voltou à Canafístula.

Proprietária de uma imensidão de terras e de grandes rebanhos de gado, além de teres e haveres de ouro e prata, a matriarca sertaneja despertou a inveja de seus inimigos e a cobiça de alguns membros da justiça. Ao ser acusada do crime, Marica Lessa, uma mulher rica e mandona, numa sociedade patriarcal do Século XIX, ficou à mercê de seus desafetos. Aos poucos, foi se desfazendo dos seus bens, vendidos a preço de banana para cobrir as despesas com o processo do qual nunca pode se livrar.

Depois que o vô Luis me contou a história da mulher que mandou matar o marido eu fiquei curioso para saber mais sobre o assunto. Logo passei a perguntar aos adultos sobre aquela história. Descobri que tinha se escrito um livro sobre a trama, mas naquela idade não atinei para ler o romance Dona Guidinha do Poço, do escritor cearense Oliveira Paiva. Só depois na faculdade é que fui lê-lo. 

Em 1889, atacado pela crise da tuberculose e em busca de um clima que lhe fosse mais aprazível Oliveira Paiva pousou em Quixeramobim, aí teve contato com a história de Marica Lessa através da tradição oral e da consulta dos documentos cartoriais do caso, e resolveu escrever o romance, que só veio a ser publicado na integra em 1952, através do esforço da crítica literária Lúcia Miguel Pereira, que recebeu um original das mãos do escritor Américo Facó, que por sua vez os tinha recebido de Antônio Sales, a história da publicação do romance como se vê, dá outro livro.   

O historiador Ismael Pordeus, natural de Quixeramobim, trouxe a luz em 1961, o festejado estudo À margem de Dona Guidinha do Poço: história romanceada, história documentada, em que comprovava que a ficção de Oliveira Paiva teria sido inspirada no caso real de Marica Lessa. Desse modo os nomes Marica Lessa e Guidinha do Poço são hoje indissociáveis na memória social de Quixeramobim, num entrelaçamento perfeito entre ficção e história, embora não esqueçamos o alerta do escritor Milan Kundera: o romance não tem compromisso com a realidade.

Nesse sentido outra lenda que muito se divulgou e que ainda hoje encontra eco foi que Marica Lessa teria mandado construir – destinando a maior parte dos recursos – o prédio de Câmara e Cadeia e teria sido ela a primeira prisioneira do recinto. Esse fato é refutado por quase todos os historiadores que consultei, mas lembro de vovô me contá-lo como verdade absoluta. 

De certo é fato que Marica Lessa foi à madrinha de Batismo de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro. Muitos historiadores sustentam que quando ela foi presa, Antônio teria testemunhado todo acontecimento e que certamente aquelas cenas deram-lhe um entendimento de como funcionava a justiça, muitos crêem que Marica foi vitima de uma intriga política e pelo fato de ser mulher.  Ismael Pordeus, afirma ainda no seu estudo que o “crime” de Marica Lessa teve como pena 20 anos de reclusão, mas segundo Gustavo Barroso ela ficou muito mais tempo presa e morreu na miséria aos 85 anos nas ruas de Fortaleza, “semi-louca” a bradar reiteradamente: – Deus é testemunha que não mandei matar ninguém!.

Bruno Paulino é escritor.
                                    

XILOGRAVURAS

XILOGRAVURAS - AUTORES DIVERSOS

Leandro Gomes de Barros - Arievaldo (Direitos Reservados)

São Francisco das Chagas de Canindé 
 Arievaldo (Direitos Reservados)

Belchior - MATRIZ -  Arievaldo (Direitos Reservados)

Capitão Corisco -  Arievaldo (Direitos Reservados)

 (Direitos Reservados)


Gonzagão e Asa Branca - Jefferson Campos (Direitos Reservados)

Folheteiro - Stênio Diniz (Direitos Reservados)


Cinderela - Arievaldo | Eduardo Azevedo (Direitos Reservados)


BELCHIOR - MATRIZ - ARIEVALDO


BELCHIOR - CÓPIA - Arievaldo (Direitos Reservados)


domingo, 24 de fevereiro de 2019

TESOUROS VIVOS DA CULTURA DO CEARÁ


CHICO BELO, ARTESÃO DE CARIDADEA-CE, É ESCOLHIDO MESTRE DA CULTURA


Chico Belo, Caridade-CE


Novos mestres e mestras da cultura cearense são divulgados; confira os 11 selecionados

A Secult divulgou, nesta quarta-feira (20/02), o resultado final do Edital dos Tesouros Vivos da Cultura 2018

Reisado, literatura de cordel, dança do coco. A Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) divulgou, nesta quarta-feira (20), o resultado final do Edital do “Tesouros Vivos da Cultura” do Estado do Ceará 2018 que reconheceu 11 novos mestres e mestras da cultura cearense.
Além deles, o edital contemplou os grupos Reisado Mirim Santo Expedito, de Juazeiro do Norte, e o Maracatu Rei de Paus.  A Associação União dos Moradores do Jatobá foi escolhida na categoria coletividade.
No processo seletivo, 119 inscrições foram validadas, sendo 105 inscritos para a categoria  mestres e mestras da cultura, 11 para categoria grupos e 03 para coletividade.
Confira a lista dos novos mestres e mestras da cultura:

Cabaceiro Siará (Juazeiro do Norte)

Com 52 anos, Adrião Sisnando de Araújo é filho do Cariri cearense. Destaca-se pelas atividades de pesquisador e museólogo popular, coletando e mantendo um importante acervo no seu Museu das Cabaças, preservando a memória do povo cabaceiro.

Aécio de Zaira (Crato)

Com 62 anos de idade, Aécio Rodrigues de Oliveira tem como ofício, há 21 anos, a produção artesanal de instrumentos musicais (luthieria), por meio da reciclagem de madeiras mortas e outros materiais descartados no lixo, além de materiais em decomposição encontrados na natureza. Representa também através da música e da poesia popular as tradições do Cariri.

Mestre Antônio (Juazeiro do Norte)

Antônio Ferreira Evangelista, 57 anos, é líder de reisado e brincante há mais de 40 anos. Tem uma ligação tão forte com a manifestação que se torna impossível separar sua existência da brincadeira do reisado. Começou a participar da atividade quando criança no Reisado do Mestre Pedro, após o falecimento do mesmo, Antônio e seus irmãos deram continuidade ao grupo.

Mestre Expedito Caboco  (Juazeiro do Norte)

Expedito Antonio do Nascimento possui 69 anos, dos quais 60 têm sido vivenciando e difundindo a tradição das bandas cabaçais e 50 representando o personagem Mateus em reisados e guerreiros de Juazeiro do Norte. Recebeu de seu pai, João Marques de Souza, em 1971, a direção da banda cabaçal fundada por seu avô e irmãos sob as bênçãos de Padre Cícero.

Mestre Chico Belo (Caridade)

Francisco Alves de Freitas, nasceu há 70 anos em Caridade, no Sertão de Canindé. Desenvolve o artesanato em couro, ofício herdado do pai e do avô. Em suas mãos, o couro curtido vira selas e arreios, botas e sandálias, cintos e chicotes. Mestre Chico Belo se destaca pelo esmero e pela delicadeza do seu trabalho, certamente por considerar seu ofício uma arte.

João Pedro (Fortaleza)



João Pedro de Juazeiro é um artista inquieto na área de xilogravura e literatura de cordel. Além de produzir, preocupa-se em transmitir seus conhecimentos através de oficinas e fomentar sua arte em exposições. O Mestre empenha-se ainda em preservar a memória de seu povo, mantendo e protegendo um acervo de mais de 8000 mil peças.

Dona Raimunda Tapeba (Caucaia)

Raimunda Rodrigues Teixeira, 73 anos, é líder de seu povo, considerada a primeira mulher indígena a ocupar o papel de pajé numa etnia indígena no Ceará. Sua comunidade está estimada, atualmente, numa população de oito mil indígenas da etnia Tapeba, que vivem em Caucaia. D. Raimunda mantém os costumes indígenas vivos por meio de sua memória e seus ensinamentos acerca das lendas, culinária, ervas, rituais e costumes.

Maria de Tiê (Porteiras – Comunidade Quilombola dos Souza)

Maria Josefa da Conceição tem 58 anos, dos quais 41 anos são dedicado aos saberes da dança do coco e do maneiro-pau. Suas toadas de coco divulgam as tradições próprias de seu povo, como forma de reconhecimento da transmissão entre as gerações de raiz cultural africana e afro-brasileira, advinda da singularidade, história e cultura repassada pelo seu pai, o mestre Luiz Manoel de Souza.

Cacique Sotero (Aratuba)

José Maria Pereira dos Santos, hoje com 75 anos, cresceu em meio às matas, acompanhando os pais desde pequeno nas caçadas e nos trabalhos agrícolas. Tem trabalhado na agricultura familiar de subsistência por toda a sua vida, dedicando-se também às lutas dos movimentos sociais e populares desde a década de 1960, especialmente como liderança indígena. É o idealizador do Museu dos Kanindé, o primeiro museu indígena do Ceará e segundo do Brasil.

Dona Edite do Coco (Crato)

Edite Dias de Oliveira Silva, com 78 anos de vida, é a principal responsável por manter viva a dança do coco na comunidade das Batateiras, no Crato. Ela lidera o Grupo de Mulheres do Coco da Batateira, um grupo de 17 agricultoras cratenses, com idades entre 56 e 84 anos, criado em 1979. O grupo hoje é reconhecido com um dos mais importantes do Nordeste, tendo sido já objeto de diversas pesquisas.

Gil D’Aurora (Aurora)

Francisco Gildamir de Sousa Chagas, 60 anos, aprendeu cedo com o pai e o avô a transformar madeira em arte e, no grupo dos notáveis escultores de Aurora, destacou-se nas esculturas em movimento. Gil foi deixando sua marca, seja nas esculturas em movimentos, ex-votos ou móveis, mas foi inspirado pelo Mestre Antônio Pinto Fernandes que Mestre Gil D’Aurora entrou de cabeça no ofício de luthier, apaixonando-se fulminantemente pelas curvas e pela sonoridade da rabeca.

Fonte: Diário do Nordeste

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O BEZERRO DE OURO



SONETO - O BEZERRO DE OURO


Quando o velho Moisés subiu o monte
Para os dez mandamentos receber
Deixa a turba sem ter o que fazer
E escala a montanha ali defronte

Reunidos ao sopé de uma fonte
Um bezerro de ouro vão erguer
Esquecendo Jeová, Supremo Ser
Quando o sol se sumiu no horizonte;

No Brasil vemos coisa parecida
A manada PAPANGU foi iludida
Entregando ao chicote o próprio couro

Essa tal REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Só apoia quem padece de demência
Entregando ao bandido o próprio ouro.       

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

SÓ PARA MATUSALÉM...




Eu li todo conteúdo
Do texto dessa REFORMA,
Tudo está fora da norma,
Pode fazer um estudo;
Com esse papo não me iludo
Pois não convence a ninguém,
De oitenta passa pra cem
A cada governo aumenta
No final só se aposenta
SE FOR O MATUSALÉM.

MUSEU LUIZ GONZAGA E O SERTÃO

Clique na imagem para ampliar

Este poema será reproduzido no MUSEU LUIZ GONZAGA E O SERTÃO, organizado pelo vereador Gilvan Salles, em Madalena-CE.


MEU JUAZEIRO


São as raízes profundas
No solo arenoso e quente
Como tentáculos vitais
De um alerta permanente
Que fazem este juazeiro
Ser firme, forte, altaneiro,
Nordestino e resistente!

Eu também sou persistente
E vivo dessas matrizes
Buscando dias melhores
Ou pelo menos, felizes,
Sem esquecer, nesse estado,
que vivo sempre plugado
Na força dessas raízes.

Eu admiro os matizes
Desse verde benfazejo
Nos versos do meu repente
Eternamente pelejo
Até na hora da morte
Verdejar a nossa sorte
É tudo que mais almejo.

Em nosso planeta eu vejo
A árvore dando o seu fruto
Para o camponês que planta
Para o rico absoluto
Que nada planta, e suplanta
Os sonhos que a gente planta
Por isso mesmo é que eu luto!

Da vida eu pouco desfruto
Como o pão do meu trabalho
Com o suor dos meus versos
A minha rima eu espalho
Brado contra a tirania
Enfrentando a burguesia
Sou coringa do baralho.

 Arievaldo Vianna

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

CENTENÁRIO DO REI DO RITMO



Jackson do Pandeiro a caminho dos 100 anos

Quem visita Alagoa Grande, situada na região do brejo paraibano, Serra da Borborema, não pode deixar de visitar um casarão azul construído em 1898, na Rua Apolônio Zenaide, centro da cidade. No prédio está a memória e os restos mortais de um dos artistas mais representativos da cultura brasileira: José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro.

O Memorial Jackson do Pandeiro, criado em 2008, possui um grande acervo composto por discos, documentos, vestimentas, imagens e os indefectíveis chapéus usados pelo cantor, que nasceu em 31 de agosto de 1919 e morreu em Brasília, em 10 de julho de 1982.

 “O memorial já foi visitado por mais de 100 mil pessoas vindas de várias partes do país. “Foi um artista que nunca cantava duas vezes uma música da mesma maneira, sabia dividir os compassos da música nordestina com maestria”, afirma o jornalista e historiador da música brasileira Rodrigo Faour, curador da recém-lançada caixa Jackson do Pandeiro — O Rei do Ritmo (Universal Music).

 “Há anos, eu queria relançar esse repertório. Quando a Universal veio com essa ideia, eu, na mesma hora, vesti a camisa e revisei o levantamento que eu já tinha feito. Pedi ajuda a alguns amigos e cheguei à seleção final”, destaca Faour sobre a obra com clássicos como Chiclete com banana e O canto da ema.

Em entrevista, o pesquisador lista os empecilhos que teve de enfrentar para a composição da caixa que contém 235 músicas. Ao todo, são 15 discos agrupados em nove CDs. Esses álbuns (compactos e long plays) foram lançados originalmente nos anos 1960 e 1970.

 “Esbarrei com um monte de problemas: canções não editadas, autores falecidos, autores que não deixaram herdeiros oficiais, capas originais dificílimas de conseguir... Por isso demorou anos e anos para a caixa sair”, lamenta.

Fonte: http://www.neyvital.com.br/2016/08/31-de-agosto-jackson-do-pandeiro.html





JACKSON DO PANDEIRO: BIOGRAFIA EM CORDEL
Autor: Júnior do Bode*

Celebremos o talento
De um artista verdadeiro
Rei do ritmo popular
Imortal no cancioneiro
Vulto de Orfeu no Nordeste
É o Jackson do Pandeiro.

Nasceu José Gomes Filho**
Numa cidade brejeira
De nome Alagoa Grande
Sua mãe foi cantadeira
De coco, e José cresceu
Vendo o cantador de feira.

No Agreste da Paraíba
Onde passou a infância
Desde novo na enxada
Trabalhando numa “estância”
E o sonho de ter sanfona
Acordava-lhe com ânsia.

E quem lhe deu um presente
Foi a mãe, Flora Mourão
Mas não deu o que queria
Pois não tinha condição
Em vez d’um fole, um pandeiro
E houve a conformação.

Sua mãe cantava coco
Pelo folguedo e tocava
Zabumba e também ganzá
Onde José se espelhava
Pra depois formar o Jackson
Que no coco iniciava.

Aos treze anos mudou-se
Com a família pra Campina
Grande, atrás de melhora
Na pobreza nordestina
Sempre, sempre trabalhando
E cantando a sua sina.

Certa vez foi ao cinema
Pra ver um filme com Jack (Jeque)
Um ator de faroeste
Antes que o encanto seque
Adotou Jack pra si
Brincadeira de moleque.

“O meu nome é José Jack”
Jackson se nomeava
Sua mãe achava estranho
Quando o povo lhe chamava
De “Zé Jack” – “Ô Zé Jack”
E umas lapadas, lhe dava.

Mas a vontade de ser
Um artista era mais forte
Cantava coco, rojão
Com samba aumentou o porte
E baião, frevo, xaxado
Todos os ritmos do norte.

(...)

VER POSTAGEM COMPLETA AQUI: http://fatitavieira.blogspot.com.br/

 *O autor do cordel é o sertanejo Junior do Bode, estudante, trabalha no Memorial Luiz Gonzaga, da Prefeitura do Recife. Tem diversos cordéis publicados, já participou de várias coletâneas poéticas e publicou o livro “Cuia de poeta cego / Tem verso de toda cor”.

 **Jackson do Pandeiro nasceu em 31 de agosto de 1919.
  


sábado, 2 de fevereiro de 2019

PAPO DE ESCRITORES (2)



Conversas de Graciliano Ramos
com Joel Silveira (II)

Aqui vai o texto de Graciliano Ramos, tal e qual me foi entregue e tal e qual foi publicado na Vamos Ler”:
“Nasci em 27 de outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas, donde saí aos dois anos. Meu pai, Sebastião Ramos, negociante miúdo, casado com a filha de um criador de gado, ouviu os conselhos de minha avó, comprou uma fazenda em Buique, Pernambuco, e levou para lá os filhos, a mulher e os cacarecos. Ali a seca matou o gado - e seu Sebastião abriu uma loja na vila, talvez em 95 ou 96. Da fazenda conservo a lembrana de Amaro Vaqueiro e de José Baía. Na vila conheci André Laerte, cabo José da Luz, Rosenda lavadeira, padre José Inácio, Felipe Benício, Teotônio Sabiá e familia, seu Batista, dona Marocas, minha professora e mulher de seu Antônio Justino, personagem que utilizei muitos anos depois.
“Aprendi a carta de ABC em casa, aguentando pancada. O primeiro livro, na escola, foi lido em uma semana, mas no segundo encrenquei: diversas viagens à fazenda de um avó interromperam o trabalho, e logo no começo do volume antipático, a história besta dum Miguelzinho que recebia lições com os passarinhos fechou-me, por algum tempo, o caminho das letras. Meu avô dormia numa cama de couro cru, e em redor da trempe de pedras, na cozinha, a preta Vitória mexia-se, preparando comida, acocorada. Dois currais, o chiqueiro das cabras, meninos e cachorros numerosos, soltos no pátio, cobras em quantidade. Nesse meio e na vila passei os meus primeiros anos. Depois seu Sebastião aprumou-se e em 99 foi vier em Viçosa, Alagoas, onde tinha parentes. Aí entrei no terceiro livro e percorri várias escolas, sem proveito. Como levava uma vida bastante chata, habituei-me a ler romances. Os indivíduos que me conduziram a esse vício foram o tabelião Jerônimo Barreto e o agente do correio Mário Venâncio, grande admirador de Coelho Neto e também literato, autor dum conto que principiava assim: “Jerusalém, a deicida, dormia sossegada à luz pálida das estrelas. Sobre as colinas pairava uma tênue neblina, que era como o hálito da grande cidade adormecida”. Um conto bonito, que elogiei demais, embora intimamente preferisse o de Paulo de Kock e o de Júlio Verne. Desembestei para a literatura. No colégio de Maceió, onde estive pouco tempo, fui um aluno medíocre. Voltei para Viçosa, fiz sonetos e conheci Paulo Honório que em um dos meus livros aparece com outro nome. Aos dezoito anos fui com a minha gente morar em Palmeira dos Índios. Fiz algumas viagens a Buíque, revi parentes do lado materno, todos em decadência. Em começo de 14, enjoado da loja de fazendas de meu pai, vim para o Rio, onde me empreguei como foca de revisão. Nunca passei disso.

Em fins de 1915, embrenhei-me de novo em Palmeira dos Índios. Fiz-me negociante, casei-me, ganhei algum dinheiro, que depois perdi, enviuvei, tornei a casar, enchi-me de filhos, fui eleito Prefeito e enviei dois relatórios ao Governador. Lendo um desses relatórios, Schmidt (Nota: Augusto Frederico Schmidt, o poeta e editor) imaginou que eu tinha algum romance inédito e quis lança-lo. Realmente, o romance existia, um desastre. Foi arranjado em 1926 e apareceu em 1933. Em princípio de 1929 larguei a Prefeitura e dias depois fui convidado pra diretor da Imprensa Oficial. Demiti-me em 1931. No começo de 1932 escrevi os primeiros capítulos de São Bernardo”, que terminei quando saí do hospital. As recordações do hospital estão em dois contos publicados ultimamente, um em Buenos Aires, outro aqui. Em janeiro de 1933 nomearam-me diretor da Instrução Pública de Alagoas à disparate administrativo que nenhuma revolução poderia justificar. Em março de 1936, no dia em que me afastava desse cargo, entreguei  à datilógrafa as ultimas páginas de Angústia”, que saiu em agosto do mesmo ano, se não estou enganado, e foi bem recebido, não pelo que vale, mas porque de algum modo me tornei conhecido, infelizmente.
“Mudei-me para o Rio, ou antes, mudaram-me para o Rio, onde existo agora. Aqui fiz o meu último livro, história mesquinha - um casal vagabundo, uma cachorra e dois meninos. Certamente não ficarei na cidade grande. Projetos não tenho. Estou no fim da vida, se é que a isto se pode dar o nome de vida. Instrução quase nenhuma. José Lins do Rego tem razão quando afirma que a minha cultura, moderada, foi obtida em almanaque”.

IN: SILVEIRA, Joel. Na fogueira: memorias. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p.278-279.
Publicada originalmente na Revista Vamos Ler, início de 1939




Joel Silveira



Texto de PLÍNIO BORTOLOTTI

Graciliano Ramos, Joel Silveira, Mário de Andrade e os tostões da literatura
Plinio Bortolotti

Eu vou contar uma coisa para vocês. Para mim, não existe melhor escritor brasileiro do que Graciliano Ramos. Podem pôr de balaiada qualquer outro, incluindo Guimarães Rosa [Machado de Assis, este eu vou ficar quieto, pois estava na melhor das considerações do mestre Graça. De Rosa, ele votou contra o seu livro Sagarana em um concurso; depois se tornaram amigos – e Graciliano só tinha palavras gentis para Rosa.]
Sempre volto a Graciliano: inclusive porque ele tem muitas lições a dar a jornalistas – de como se deve escrever um texto. Eu tento ser aluno aplicado, mas não lhe serviria nem de escabelo.
Tenho-lhe a coleção completa.
Veio-me Graciliano devido a duas postagens recentes neste blog.
Sou mais Joel Silveira [em comparação com Gay Talese] e
Vale Cultura, Dimenstein e a elite cultivada
Pois fui me lembrar do mestre Graça por um texto dele, de 1939, em que ela fala justamente de Joel Silveira [só elogios] e sobre Mário de Andrade, que acusava “mau gosto” na literatura brasileira. Vejam diretamente na lavra de Graciliano:
Os tostões do sr. Mário de Andrade
Graciliano Ramos
O sr. Mário de Andrade, há algum tempo, lamentando o mau gosto e a imperícia que atualmente reinam e desembestam na literatura nacional, utilizou uma imagem espirituosa e monetária: dividiu os nossos escritores em duas classes – a dos contos de réis, pelo menos centenas de mil-réis, onde se metem alguns indivíduos que arrumam idéias com desembaraço, e a dos tostões, gavetinha que encerra criaturas de munheca emperrada e escasso pensamento. O sr. Joel Silveira, sergipano bilioso, incluiu-se modestamente na segunda categoria, tomou a defesa do troco miúdo, dos níqueis literários que enchem revistas, jornais, cafés, livrarias, cômodos ordinários em pensões do Catete.
Enquanto o autor de Macunaíma exige acatamento à tradição e à regra, o jovem contista de Onda Raivosa se mostra desabusado e rebelde: não chega a atacar a cultura, mas refere-se a ela com tristeza, julga-a remota e inacessível ao homem comum.
Há uma técnica na arte, diz o sr. Mário de Andre. Romain Rolland foi mais longe: afirmou, creio eu, que a arte é uma técnica. O moço nortista repele semelhantes exigências. Vivemos arrasados, o numerário foge, há dívidas abundantes e falta-nos vagar para os cortes, as emendas necessárias. Não faz mal que a produção artística saia capenga.
O que nos desagrada nessa questão, hoje morta, é notar que o crítico paulista, colando em alguns escritores etiquetas com preços muito elevados e rebaixando em demasia o valor de outros, vai tornar antipática a boa causa que defende, prepara terreno para o paradoxo sustentado pelo sr. Joel Silveira. E teremos então uma demagogia louca. “Somos tostões, perfeitamente, um considerável número de tostões. Some tudo isso e verão a quantia grossa que representamos.”
Não há nada mais falso. Mas os indivíduos que se imaginam com boa cotação no mercado naturalmente se encolhem, silenciosos por vaidade ou por não quererem molestar os níqueis comparando-se a eles. E as moedinhas devem andar rolando por aí, satisfeitas, areadas, brilhantes, pensando mais ou menos assim: “Joel Silveira é dos nossos, inteiramente igual a qualquer um de nós. Ignorante que faz medo, nunca leu um livro. Conversa mal, não vai além dessas pilhérias que a gente larga nos cafés. Mora numa casa cheia de pulgas, é amarelo como flor de algodão e tem a fala arrastada. Pobrezinho, com certeza come pouco ou não come. Pensa pouco ou não pensa. Um tostão como eu, como tu, como aquele. Podemos supor que Joel Silveira valha mais de um tostão? Não podemos, razoavelmente, porque ele chegou perto de nós e gritou: Eu sou um tostão. Entretanto Joel Silveira inventa uns negócios que sujeitos entendidos elogiam. Ora se Joel, tão arrastado, tão amarelo, tão barato, faz contos e crônicas interessantes, por que não faremos nós coisa igual? Mexamo-nos, fundemos sociedade e pinguemos em revistas os nossos cinco vinténs na literatura.”
Um desastre. É necessário pôr fim a essa confusão, que nos pode render muito prejuízo. Já existe por aí uma quantidade enorme de livros ruins. E o sr. Joel Silveira não é um tostão, nunca foi. Escreveu um excelente artigo para demonstrar que não sabe escrever.


Joel Silveira