quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

DESPEDIDA


FALECEU O POETA LOURO BRANCO, 
UM GÊNIO DO IMPROVISO

Acabam de informar, pelas redes sociais, o falecimento do grande poeta LOURO BRANCO, repentista genial e cancioneiro dos mais inspirados.

Francisco Maia de Queiroz, o popular Louro Branco, Poeta, repentista e compositor, nasceu dia 02 de Setembro de 1943, na Vila Feiticeiro no município de Jaguaribe - CE. Foi pescador, agricultor e vendedor ambulante. Começou a cantar aos 12 anos de idade.
Cantou em vinte estados do Brasil, com todos os maiores cantadores do Nordeste, participou em mais de 400 festivais, tem ao todo mais de 700 composições. Esteve também em Portugal, cantando em dupla com o grande repentista cearense Geraldo Amâncio Pereira.
Louro Branco publicou dois livros: A Natureza Falando, e Da Casca Até o Miolo.
Casado com Maria Gomes de Souza Queiroz, o casal teve uma prole de seis filhos.

VEJAM A SEGUIR, MENSAGEM DO POETA GERALDO AMÂNCIO, um de seus parceiros mais freqüentes, publicada hoje no facebook:

“A CANTORIA ESTÁ DE LUTO.
Há poucos minutos recebi a triste notícia do falecimento do repentista Louro Branco.Com ele a cantoria perde a graça, o humor, o raciocínio a jato e a inteligência maior do improviso.
Louro Branco incontestavelmente foi o maior repentista dos últimos anos. Aliás, ele era o único grande repentista vivo.
Nos últimos cinquenta anos não surgiu nenhum grande repentista. Temos grandes cantadores, porém a safra de grandes repentistas se extingue com a morte de Louro Branco.
Foi sempre muito injustiçado nos julgamentos dos festivais de improviso. Eu acompanhei e testemunhei essas injustiças.
De forma que participei de um grande festival fazendo dupla com ele,. no marco zero em Recife e tiramos primeiro lugar, ganhando dos famosos medalhões da viola. Quando deram o resultado eu chorei de emoção, não por mim mas, por ele que dificilmente era colocado no lugar que merecia.
Quando o cineasta Rosemberg Cariri foi fazer o filme sobre o cego Aderaldo, me convidou para fazer o papel principal e eu pedi que ele convidasse o poeta Louro Brando e botasse em meu lugar. Ele perguntou por que e eu disse que Louro Branco era extraordinário e não tinha o espaço merecido. ea mim Deus já me Deu muitas graças. Tomo o próprio Rosemberg por testemunha.Se eu não falar isso ninguém fala.

LOURO PELAS RIMAS CERTAS
IRÁ ENCONTRAR COM ZELO
UM CÉU DE PORTAS ABERTAS
E CRISTO PRA RECEBE-LO.”

Abaixo um poema de LOURO BRANCO que era o predileto do meu amigo Ribamar Lopes:


O CASAMENTO DOS VELHOS

Tem certas coisas no mundo
Que eu morro e num acredito
Mas essa eu conto de certo
Dum casamento bonito
De um viúvo e uma viúva
Bodoquinha Papaúva
E Tributino Sibito              

O véio de oitenta ano
Virado num estopô
A véia setenta e nove
Maluca por um amor
Os dois atrás de esquentar
Começaram a namorar
Porque um doido ajeitou

Um dia o véio comprou
Um corpete pra bodoquinha
Quando a véia foi vestir
Nem deu certo, coitadinha
De raiva quase se lasca
Que o corpete tinha as casca
Mas os miolo num tinha



No dia três de abril
Vêi o tocador Zé Bento
Mataram trinta preá
Selaram oitenta jumento
Tributino e Bodoquinha
Sairam de manhazinha
Pra cuidar do casamento

O veião saiu vexado
Foi se arranchar na cidade
Mandaram chamar depressa
Naquela oportunidade
O veião chegou de choto
Inda deu catorze arroto
Que quase embebeda o padre

O padre ai perguntô:
Seu Tributino, o que pensa,
Quer receber Bodoquinha
Sua esposa, pela crença?
O veião dixe: eu aceito
Tô tão vexado dum jeito
Chega tô sem paciência

E preguntô a Bodoquinha:
Se aceitar esclareça
A véia lhe arrespondeu
Dando um jeitim na cabeça
Aceito de coração
Tô cum tanta precisão
Tô doida que já anoiteça

Casaram, foram pra casa
Comeram de fazer medo
Conversaram duas horas
Uns assuntos duns segredo
E Bodoquinha dixe: agora,
Meu pessoá, vão embora
Que eu quero drumi mais cedo

O véi vestiu um pijama
Ficou vê uma raposa
A véia de camisola
Dixe: óia aqui sua esposa
Cuma é, vai ou num vai?
O veião dixe: ai, ai, ai
Já tá me dando umas coisa

A véia dixe me arroche
Cuma se novo nóis fosse
O véio dixe: ê minha véia
Acabou-se o que era doce
A véia dixe: é assim?
Então se vai dar certim
Que aqui também apagou-se

Inda tomaram uns remédio
Mas num deu jeito ao enguiço
De noite a véia dizia:
Mas meu véi, que diabo é isso?
Vamo vendê essa cama
Nóis sempre demo na lama
Ninguém precisa mais disso

A véia dixe: isso é triste
Mas esse assunto eu esbarro
Eu já bati o motor
Meu véi estrompou o carro
Ê, meu veião Tributino
Nóis dois só tem um menino

Se a gente fizer de barro.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

JORNADA PEDAGÓGICA





Fotos da JORNADA PEDAGÓGICA de Madalena-CE, 
realizada ontem, dia 17 de janeiro de 2018.



PALESTRA "A LITERATURA DE CORDEL COMO FERRAMENTA DE INCENTIVO À LEITURA, com Arievaldo Vianna, na JORNADA PEDAGÓGICA do município de Madalena-CE.
Dia 17 de janeiro de 2018, no auditório da Secretaria de Obras do Município, a partir de 9h00.
BREVEMENTE será implantada em Madalena a Biblioteca de Cordel Alzira de Sousa Lima, com acervo de 800 folhetos e diversos livros sobre o assunto. Aguardem!

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

POEMA DE ZÉ MARIA



O DISCURSO DO DEFUNTO
(Zé Maria de Fortaleza)

Meu sinhô, me arrepare,
Eu ando mêi disgostôso
Não é por minha pobreza
Que eu nunca fui orguiôso
É porque tenho sofrido
Por via d’eu sê medroso.

Um dia, me arresorvi
Saí lá donde eu vivia
Pra dá u’as riviravorta
Por onde eu não cunhecia.

Pensei logo cá cumigo:
Eu sô um rapaz sortêro
Ta certo, sô mêi feioso
Não sei lê nem tem dinheiro.

Mas quem sabe se eu saindo
Dos diabo dessas biboca
Num arranjo inté u’a nêga
Pra tirá minhas caroca.

Botei as roupa num saco
Às quatro da madrugada
Me arrecumendei aos santo
E prantei os pé na estrada.

Só sei que dessa isquipada
Eu andei uns quinze dia
Mas só no rumo da venta
Sem sabê pra donde ia...

Inté que um dia, de tarde
Eu atravessei um rio
Num ia pensando em medo
Mas me deu uns arrepio.

Aí foi que eu ispiêi
Achei tudo assim deserto
Cunhecí que ali num tinha
Uma só casa por perto.

Por via de num tê casa
Pro mode eu apernoitá
Vi u’a arve infoiada
Maginei: Se eu me atrepá
Sei que é mêi desajeitôso
Mas dá pra me agasaiá.

Subi na arve e fiquei
Ta certo que eu não drumia
Mas tava bem iscundido
Porque os gái me cobria
Se passasse argum vivente
De jeito nenhum me via.

Mas meu sinhô, quando foi
Mais ou menos doze hora
Eu ouvi uns alarido
Cuma quem canta ou quem chora.



Du arregalei os oi
E avistei u’a multidão
De gente com as voz rouca
Tudo de vela na mão
Eu maginei: é as alma
Fazendo uma procissão.

Na frente, avistei um pade
Cum a image do Sinhô
Um sacristão com água benta
Mas ninguém trazia andô.

Nesta hora eu respirei
Fiquei todo arripiado
Dispois notei que eles vinham
Caminhando pro meu lado.

Bateu-meu um medo tão grande
Que eu quage inté me afroxava
Quando eu vi que uns apontavam
Pra dita arve que eu tava.

Quando chegaram debaixo
Era dez pessoas ou mais
Uns preguntaram pros outro:
E agora, o que é que se faz?
Um respondeu: é subir
Pra ir buscar o rapaz.

Quando eu vi essas palavra
Peguei logo a me tremê
Mas mermo assim,  maginei:
- Eu num tenho que perde...
Respondi, batendo os dente:
Dêxe, eu mermo vou descê...

Ah, meu sinhô, me acredite
Eu falei mêi arrastado
Mas pode crê, nessa hora
Foi fê o espatifado.

O pade se assombrou
Jogou o santo no chão
O pobre do sacristão
No pade se pindurou

Uma veia inda gritou:
Joga água benta pra trás
Cada qual corria mais
Soltaram a image do Cristo
Parece que tinham visto
Careta do satanás.

Eu, vendo aquele istrupiço
Pulei ligêro no chão
Saí correndo também
Mas em outra direção.

Na frente eu parei pensando:
Ora essa, tava ruim
Era eu com medo deles
Eles com medo de mim.

Dispois que o dia amanheceu
Eu vortei no mesmo canto
Pra vê qual era o motivo
Daqule tão grande espanto

Pois né que de longe eu vi
Um home dipindurado
Bem pertinho donde eu tava
Tinha morrido enforcado.

Nessa hora eu compreendi
Qual era o sinificado
O povo vinha buscá
O home suicidado.

E quando viram eu falá
Dizendo que ia descer
Pensaram que era o defunto
Danaram a égua a correr.

Quando eu cheguei na cidade
Ninguém via outro assunto
Todo mundo só falava
No discurso do defunto.



As históra sempre aumenta
Uns dizia: é verdade
O morto falou nas guerra
Nos viço e nas vaidade
No mundo que se arrivira
E quem pensá que é mentira
É só preguntá ao pade.

Eu inda fui na eguage
De dizê o que passô
Mas fui descreditado
Ninguém me acreditou.

Uns cabôco inda disseram
Esse cabra é mentiroso
Quer se metê nas históra
Pra dizê que é corajoso.

Vamos dar-lhe umas esfrega
Quando eu vi esses cuchicho
Lasquei os pé na carrêra
Mas dispois fiz por capricho.

Maginando no castigo
Nunca mais contei históra
Voltei prás minha biboca
Porque lá tô sem perigo
E quem tiver qualquer segredo
Pode me contá sem medo

Que eu me lasco, mas não digo.


O autor do poema, Zé Maria de Fortaleza, com Mestre Azulão,
Arievaldo Vianna e Geraldo Amâncio.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

DO BAÚ DE LEMBRANÇAS


O ÚLTIMO TEXTO DE RIBAMAR LOPES

Esse texto foi, certamente, a última contribuição do escritor e poeta RIBAMAR LOPES para Literatura de Cordel. Trata-se do prefácio da primeira edição do meu livro ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA. Na verdade, não posso assegurar que tenha sido o seu último escrito, mas há grande probabilidade, pois esse prefácio foi solicitado em janeiro de 2006 e entregue uns três ou quatro dias antes de sua morte,  Segue o texto integral, tal e qual foi publicado no livro:


Ribamar discursa no lançamento do livro anterior, "São Francisco de Canindé 
na Literatura de Cordel", também prefaciado por ele.

PREFÁCIO DO LIVRO ACORDA CORDEL

Em meados de 1940, estudante no grupo escolar da minha cidade no interior do Maranhão, caíram-me às mãos os primeiros folhetos de cordel de que tive conhecimento. Afeito à prática semanal da leitura em voz alta na classe, o ouvido era habituado ao ritmo e à sonoridade dos versos recitados nas sessões literárias, também semanais, em sala de aula, adotei, de pronto, o folheto, incluindo-o entre minhas leituras prediletas. Encantaram-me, além da sonoridade, do ritmo e da harmonia das estrofes, a maneira descontraída como eram contadas histórias fabulosas, de amor ou de aventuras, ou, ainda, de gracejo e de cunho picaresco, e a objetividade e simplicidade dos textos, elementos que eu já identificara e apreciara, certamente por muito se aproximarem da nossa linguagem coloquial. Logo me vi, nas tardes de domingo, lendo folhetos para famílias da vizinhança, entre as quais não havia pessoas alfabetizadas, ou que, se as houvesse, preferiam a leitura com o entusiasmo, a desenvoltura e a interpretação que eu sabia imprimir àqueles versos.

O curioso é que, menino ainda, cursando o terceiro ano primário (era esta a denominação de então), mas já capaz de identificar incorreções de grafia naqueles textos produzidos por poetas populares, em sua maioria pessoas de poucas letras incorreções - algumas vezes agravadas nas próprias gráficas, através das muitas reimpressões dos folhetos -, não me sentia impressionar nem influenciar por aqueles senões, por considerá-los decorrentes da natureza e das circunstâncias daquela manifestação literária.

A leitura de folhetos para grupos de pessoas não alfabetizadas sempre foi prática comum desde que a literatura de cordel se fez difundida entre nós. A curiosidade pelo conteúdo dos simpáticos livrinhos, despertada tanto pela natureza de suas histórias quanto por sua identificação com elementos da nossa cultura popular, levava as pessoas a aguardarem com ansiedade o momento em que alguém lhes viesse ler os raros folhetos trazidos do mercado ou das feiras por algum parente ou conhecido. E foi essa curiosidade pelas histórias versadas no folheto popular que começou a despertar, principalmente na nossa zona rural, o interesse das pessoas pelo aprendizado informal da leitura.



O Professor Veríssimo de Melo, no estudo introdutório que escreveu para Literatura de Cordel Antologia, editada pelo Banco do Nordeste, depois de destacar o papel do folheto popular como veículo de comunicação de massa, antes da penetração, nas áreas rurais, do jornal, do rádio e da televisão, assinala:

"Outro papel importante exercido pela literatura de cordel diz respeito à sua função como auxiliar de alfabetização. Sabe-se que incontáveis nordestinos carentes de alfabetização aprenderam a ler deletreando esses livrinhos de feira, através de outras pessoas alfabetizadas. Numa época em que as cartilhas de alfabetização eram raras e não chegavam gratuitamente ao homem rural, o folheto de cordel cumpria espontaneamente essa alta missão social."

O próprio Arievaldo Viana, autor deste Acorda cordel na sala de aula, declara, em depoimento inserido nessa obra, ter feito praticamente sozinho seu aprendizado de leitura, tendo como motivação o folheto de cordel.

Não é, pois de estranhar que esse jovem poeta e estudioso da literatura de cordel esteja empenhado na implantação desse ambicioso e justificado projeto de adoção do CORDEL na sala de aula “como ferramenta auxiliar na educação de crianças, jovens e adultos”, projeto que se justifica não apenas por constituir o folheto elemento auxiliar no processo de alfabetização, mas também por ser a temática da literatura de cordel constituída de variados e ricos elementos da cultura popular nordestina, ou, para citar novamente o Professor Veríssimo de Melo, “porque, antes de tudo, essas modestas publicações do poeta popular revelam e condensam, na sua pureza, a expressão legítima de uma realidade social”.

Ribamar Lopes

Janeiro de 2006

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Prego, martelo e mais nada!


Mestre Azulão, na Bienal Internacional do Livro do Ceará


O IRREVERENTE E BEM HUMORADO
MESTRE AZULÃO


Mestre Azulão visitando a minha residência.

Se alguém falar no poeta José João dos Santos, cordelista e editor, alguns, certamente, o confundirão com João José da Silva, criador da Luzeiro do Norte, uma das principais editoras de cordel nas décadas de 1950-60. Porém se acrescentar, logo após o nome de batismo, o apelido que o celebrizou, aí não restará mais dúvidas. José João dos Santos é ninguém menos que o Mestre Azulão, paraibano da cidade de Sapé, onde nasceu aos 8 de janeiro de 1932, filho de João Joaquim dos Santos e de Severina Ana dos Santos.
Figura notável no universo do cordel, Azulão migrou muito jovem para o Rio de Janeiro, onde fez dupla com outros cantadores de fama, dentre os quais o famoso Palmeirinha. Ambos foram projetados através do quadro Onde está o poeta?, num programa de rádio apresentado pelo famoso Almirante.
Para a campanha de defesa do folclore brasileiro, Azulão gravou o disco Literatura de cordel, em 1975, onde interpreta de forma brilhante o poema ‘O marco brasileiro’, de Leandro Gomes de Barros, inserindo uma belíssima introdução ao som da viola, que seria reaproveitada posteriormente por Lenine, na gravação de ‘O Marco Marciano’, composição sua e de Bráulio Tavares, inclusa no CD ‘O dia em que faremos contato’ (BMG).
Lembro-me de havê-lo conhecido pessoalmente em dezembro de 2000, por ocasião de minha posse na ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel, em sessão realizada na Federação das Academias de Letras da América Latina, no Rio de Janeiro. Bem antes disse eu já havia travado contato com a sua obra e tinha alguns de seus folhetos na minha coleção particular, dentre os quais ‘Peleja de Mestre Azulão com Zé Limeira’, exemplar que pertenceu ao saudoso Jocelyn Brasil, um dos heróis da campanha “O petróleo é nosso”, ocorrida ainda na Era Vargas.
Em outubro de 2012, o jovem diretor Fernando Assunção realizou uma série de documentários em vídeo com os acadêmicos da ABLC. Fui um dos entrevistados e, no dia seguinte, a convite de Chico Salles e do próprio Fernando, fui assistir à entrevista de Mestre Azulão na Barraca da Chiquita, na Feira de São Cristóvão. Em dado momento da entrevista, perguntei se Mestre Azulão havia conhecido o poeta Rafael de Carvalho, famoso ator paraibano, que utilizava a poesia popular como um de seus instrumentos de trabalho.



Gravando o cordel O BATIZADO DO GATO

Azulão começou relembrando o famoso Comício da Central do Brasil, ou Comício das Reformas, (realizado no dia 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro, na Praça da República, situada em frente à estação da Central do Brasil). Segundo o poeta, uma multidão incalculável ali se reuniu, sob a proteção de tropas do I Exército, unidades da Marinha e Polícia, para ouvir a palavra do Presidente da República, João Goulart, e do governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comunista Brasileiro e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores.
O desfecho desse episódio, todos já conhecem, o comício histórico da Central do Brasil desencadeou o golpe militar e instauração da ditadura que perdurou por duas longas décadas. Pois bem, naquela época Azulão já havia travado amizade com Rafael de Carvalho e, a pedido deste, escreveu um folheto sobre o Comício da Central, em linguagem progressista e simpática à causa comunista. Foram impressos 10 mil exemplares, segundo relatou Azulão, e as vendas iam de vento em popa, quando o Golpe Militar foi deflagrado. Os militantes mais ativos começaram a ser perseguidos e um certo dia, eis que o poeta Rafael de Carvalho aparece em sua casa, em Engenheiro Pedreira-Japeri, na Baixada Fluminense, pedindo abrigo por alguns dias, pois estava na mira da repressão. Azulão abrigou o amigo, porém com muito receio, e certa noite, levantou-se de madrugada e fez um buraco no quintal, onde enterrou um pacote contendo todo restante da tiragem do referido folheto. Segundo ele, só foi desenterrar o pacote muitos anos depois da restauração da democracia, e não encontrou mais nada que se aproveitasse, apenas uma massa disforme destruída pela ação do tempo.


Xilogravura de ERIVALDO


GLOSADOR E GOZADOR

Mestre Azulão foi uma das grandes atrações do I Festival Internacional de Trovadores e Repentistas, promovido por Rosemberg Cariri nas cidades de Quixadá e Quixeramobim, no período de 29 de outubro a 2 de novembro de 2004. Esse evento teve a participação de muitos poetas, xilogravadores e também compositores do porte de Elomar, Xangai, Ednardo e Renato Teixeira, dentre outros. Um repórter de uma emissora local, ao deparar com aquele velhote baixinho, de chapéu e óculos fundo-de-garrafa, o interpelou para uma entrevista, pensando tratar-se de Patativa do Assaré, à época já falecido. Azulão, um gozador de marca, deixou a coisa fluir e só esclareceu a verdade nos momentos finais da entrevista, deixando o pobre radialista meio apalermado. É nisso que dá, fazer entrevistas sem se inteirar previamente a respeito do entrevistado.
Depois dessa aventura em Quixadá, Azulão tornou-se “figurinha carimbada” na Bienal do Livro do Ceará, sempre convidado como atração da “Praça do Cordel”, espaço coordenado pelo artista multimídia Klévisson Viana. Além de resgatar as antigas toadas do cordel, na reprodução de clássicos como ‘A chegada de Lampião no Inferno’ e ‘Romance do Pavão Misterioso’, cuja toada aprendera com o próprio José Camelo de Melo, Azulão também declamava trabalhos de sua autoria e fazia versos de improviso, de acordo com os temas fornecidos pela plateia. Numa de suas passagens por Fortaleza, levamos o poeta até o estúdio Pro-áudio, do amigo Marcílio Mendonça, onde ele gravou diversas faixas, inclusive uma participação especial no CD do projeto Acorda Cordel, o poema ‘O batizado do gato’, de minha autoria.
Até mesmo quando interrogado a respeito da sua terra natal, Azulão não deixava de lado a sua verve humorística e relembrava um episódio que lhe contavam na infância, de uma vaca que teria comido um papagaio num ano de seca crucial:

Na terra de Azulão
Não chove no mês de maio
O povo de lá só vive
De fazer cesto e balaio
Foi a terra que a vaca
Engoliu o papagaio’

Na sua opinião, a vaca confundira o verde papagaio com uma moita de capim. Na última vez que o entrevistei, durante a Bienal do Livro do Ceará de 2014, recolhi, dentre outras, essas duas estrofes, a primeira criticando o fanatismo religioso de algumas pessoas e a outra uma sátira à descida da Missão Apolo 11 na lua:

Tem muita gente fanática
Por jogo e religião
Ídolo de televisão
E todo tipo de prática...
Feitiçaria asiática
Presta adoração a bruxa;
Lambe os pés, batina, e puxa,
Saco do Papa de Roma
E, se lhe der, ainda toma,
UM CHÁ DE XIXI DA XUXA!

Foi na viagem primeira
Da Missão Apolo Onze
Uma plaqueta de bronze
Um mastro e uma bandeira
Eles viram uma clareira
Lá na lua prateada
Depois da nave pousada
Foram saber o que era
Só acharam na cratera

Prego, martelo e mais nada!

(...)


ATENÇÃO! Este ensaio será publicado integralmente no livro "NO TEMPO DA LAMPARINA", de Arievaldo Vianna, que será lançado em breve. AGUARDEM!