O ÚLTIMO
TEXTO DE RIBAMAR LOPES
Esse texto foi, certamente, a última
contribuição do escritor e poeta RIBAMAR LOPES para Literatura de Cordel. Trata-se
do prefácio da primeira edição do meu livro ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA. Na
verdade, não posso assegurar que tenha sido o seu último escrito, mas há grande
probabilidade, pois esse prefácio foi solicitado em janeiro de 2006 e entregue uns
três ou quatro dias antes de sua morte, Segue
o texto integral, tal e qual foi publicado no livro:
Ribamar discursa no lançamento do livro anterior, "São Francisco de Canindé
na Literatura de Cordel", também prefaciado por ele.
PREFÁCIO DO LIVRO ACORDA CORDEL
Em
meados de 1940, estudante no grupo escolar da minha cidade no interior do
Maranhão, caíram-me às mãos os primeiros folhetos de cordel de que tive
conhecimento. Afeito à prática semanal da leitura em voz alta na classe, o
ouvido era habituado ao ritmo e à sonoridade dos versos recitados nas sessões
literárias, também semanais, em sala de aula, adotei, de pronto, o folheto,
incluindo-o entre minhas leituras prediletas. Encantaram-me, além da
sonoridade, do ritmo e da harmonia das estrofes, a maneira descontraída como
eram contadas histórias fabulosas, de amor ou de aventuras, ou, ainda, de
gracejo e de cunho picaresco, e a objetividade e simplicidade dos textos,
elementos que eu já identificara e apreciara, certamente por muito se
aproximarem da nossa linguagem coloquial. Logo me vi, nas tardes de domingo,
lendo folhetos para famílias da vizinhança, entre as quais não havia pessoas
alfabetizadas, ou que, se as houvesse, preferiam a leitura com o entusiasmo, a
desenvoltura e a interpretação que eu sabia imprimir àqueles versos.
O
curioso é que, menino ainda, cursando o terceiro ano primário (era esta a
denominação de então), mas já capaz de identificar incorreções de grafia
naqueles textos produzidos por poetas populares, em sua maioria pessoas de
poucas letras incorreções - algumas vezes agravadas nas próprias gráficas,
através das muitas reimpressões dos folhetos -, não me sentia impressionar nem
influenciar por aqueles senões, por considerá-los decorrentes da natureza e das
circunstâncias daquela manifestação literária.
A
leitura de folhetos para grupos de pessoas não alfabetizadas sempre foi prática
comum desde que a literatura de cordel se fez difundida entre nós. A
curiosidade pelo conteúdo dos simpáticos livrinhos, despertada tanto pela
natureza de suas histórias quanto por sua identificação com elementos da nossa
cultura popular, levava as pessoas a aguardarem com ansiedade o momento em que
alguém lhes viesse ler os raros folhetos trazidos do mercado ou das feiras por
algum parente ou conhecido. E foi essa curiosidade pelas histórias versadas no
folheto popular que começou a despertar, principalmente na nossa zona rural, o
interesse das pessoas pelo aprendizado informal da leitura.
O
Professor Veríssimo de Melo, no estudo introdutório que escreveu para
Literatura de Cordel Antologia, editada pelo Banco do Nordeste, depois de
destacar o papel do folheto popular como veículo de comunicação de massa, antes
da penetração, nas áreas rurais, do jornal, do rádio e da televisão, assinala:
"Outro
papel importante exercido pela literatura de cordel diz respeito à sua função
como auxiliar de alfabetização. Sabe-se que incontáveis nordestinos carentes de
alfabetização aprenderam a ler deletreando esses livrinhos de feira, através de
outras pessoas alfabetizadas. Numa época em que as cartilhas de alfabetização
eram raras e não chegavam gratuitamente ao homem rural, o folheto de cordel
cumpria espontaneamente essa alta missão social."
O
próprio Arievaldo Viana, autor deste Acorda cordel na sala de aula, declara, em
depoimento inserido nessa obra, ter feito praticamente sozinho seu aprendizado
de leitura, tendo como motivação o folheto de cordel.
Não
é, pois de estranhar que esse jovem poeta e estudioso da literatura de cordel
esteja empenhado na implantação desse ambicioso e justificado projeto de adoção
do CORDEL na sala de aula “como ferramenta auxiliar na educação de crianças,
jovens e adultos”, projeto que se justifica não apenas por constituir o folheto
elemento auxiliar no processo de alfabetização, mas também por ser a temática
da literatura de cordel constituída de variados e ricos elementos da cultura
popular nordestina, ou, para citar novamente o Professor Veríssimo de Melo,
“porque, antes de tudo, essas modestas publicações do poeta popular revelam e
condensam, na sua pureza, a expressão legítima de uma realidade social”.
Ribamar Lopes
Janeiro de
2006
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