segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Literatura Cearense

OS LIVROS RAROS DE RODOLFO TEÓFILO



Ocupei-me, neste final de semana, da leitura de um excelente livro RETRATOS E LEMBRANÇAS – Reminiscências Literárias, do escritor cearense Antônio Sales (o Moacir Jurema, da Padaria Espiritual). Dentre as crônicas ali enfeixadas, encontra-se um comovido necrológio de Rodolfo Teófilo, autor de romances históricos como A FOME e OS BRILHANTES. Percorrendo os sites de venda de livros (Estante Virtual, Mercado Livre etc.) constatei que muitas obras desse grande cearense (nasceu na Bahia, filho e neto de pais cearenses e veio para cá ainda bebê, tornando-se o mais cearense dos cearenses) estão completamente desaparecidas por falta de reedições. Uma dessas obras raríssimas é MARIA RITA, que Antônio Sales considerava o melhor romance cearense.


Por conta disso, é mais que louvável a iniciativa do
Governo do Estado (através da SECULT) na reedição de obras
raras, como este livro de Antônio Sales.


RODOLFO TEÓFILO foi romancista, contista, naturalista, historiador e político. Pertenceu à Padaria Espiritual (em sua segunda fase, data daí sua amizade com Antônio Sales) sendo o último Presidente, ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ao Instituto do Ceará e à Academia Cearense de Letras, na qual é Patrono da Cadeira nº 33.

         OBRAS DE RODOLFO TEÓFILO:
Romances:
•          A Fome (1890)
•          Os Brilhantes (1895)
•          Maria Rita (1897) – que Antônio Sales considerava o melhor romance cearense.
•          Violação (novela – 1899)
•          Paroara (1899)
•          Reino de Kiato (1922)

Poesia:
•          Lira Rústica (1913)
•          Telesias (1913)

História:
•          História da Seca no Ceará (1884)
•          Secas do Ceará – Segunda metade do Século XIX (1901)
•          Seca de 1915
•          Seca de 1919
•          Libertação do Ceará (1922)
•          Sedição de Juazeiro (1922)

Contos:
•          O Conduru (1910)

Ciências:
•          Botânica Elementar (1890)
•          Monografia da Mucunã (1888)
•          Ciências Naturais em Contos (1889)

Crônica ou Memorialismo:
•          Violência (1905)
•          Memória de um engrossador (1912)
•          Cenas e Tipos (1919)
•          O Caixeiro (1927)
•          Coberta de Tacos (1931)

Livro polêmico:
•          Os meus zoilos: Rodolfo Teófilo faz críticas aos seus injustos críticos.
Livro Relatório de suas lutas filantrópicas:
•          Varíola e Vacinação no Ceará (1905 e 1910)

         Rodolfo Teófilo recebeu o título do Congresso Nacional: Varão Benemérito da Pátria, pelo seu trabalho sanitarista. Está entre os ficcionistas do Realismo brasileiro, e com sua obra A Fome introduziu o Realismo/Naturalismo no Ceará.



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

HOMENAGEM AO MESTRE


Leandro Gomes de Barros 
( PB -19 de novembro de 1865 - Recife-PE, 04 de março de 1918)

Infogravura de Arievaldo Vianna, baseado em pintura de Fabiano Chaves


Leandro Gomes de Barros: 

o poeta do sertão

O Centro de Memória e Informação, da Fundação Casa de Rui Barbosa, realizará homenagem alusiva a morte do poeta Leandro Gomes de Barros, ocorrido em 4 de março de 1918. A programação que ocorrerá no dia 5 de março será composta de mesa redonda, mostra sobre o autor e atividades para o público infantil.
Há cem anos morria um dos maiores poetas brasileiros, Leandro Gomes de Barros (1865-1918). Nascido em Pombal,na Paraíba, e criado em Teixeira - berço dos maiores cantadores do século XIX - fixou-se mais tarde em Recife, onde casou e constituiu família.
Leandro foi um dos poucos poetas, no país, a viverem exclusivamente da sua arte:  escrevia, editava, imprimia, divulgava e comercializava suas criações. Com estas criou seus filhos, beneficiados pelo seu precioso legado.
A poesia, motivo de sua vida, talvez também tenha sido o motivo de sua morte.O folheto O Punhal e a Palmatória, que pode ser lido como um libelo veemente contra o coronelismo do sertão nordestino, conduziu-o ao cárcere, o que o teria debilitado física e emocionalmente. Neste poema ele relata o assassinato de um senhor de engenho por um homem por ele surrado. No seu tempo e na sua terra, eram os “coronéis” que faziam “justiça”. Para alguns estudiosos, no entanto, Leandro foi vítima da gripe espanhola.
Conhecia como ninguém o sertão por meio das constantes viagens quando vendia suas obras e,principalmente, recolhia, com ouvidos atentos, os relatos de acontecimentos e histórias pitorescas que traduziria em versos.
Calcula-se que escreveu mais de mil obras cuja classificação tornou-se objeto de estudo de muitos pesquisadores, como Câmara Cascudo e Sebastião Nunes Batista, mas sem dúvida, são as sátiras sua marca registrada. Ganhou o título de “Príncipe dos poetas” de Carlos Drummond de Andrade, em 1976, e um bom número de trabalhos acadêmicos.
Muitas vezes ingressamos no universo de Leandro sem nos darmos conta. Nem todos sabem, por exemplo, que os dois primeiros atos do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, foram inspirados nos folhetos de autoria do poeta:Cachorrodos mortos e A história do cavalo que defecava dinheiro.
A Fundação Casa de Rui Barbosa é detentora do maior número de folhetos de Leandro que ainda nos chegaram como doação, pois muito do que produziu perdeu-se ao longo dos anos. São 460 folhetos, boa parte disponíveis no siteCordel: cultura popular em verso e no Repositório Rui Barbosa de Informações Culturais RUBI.
Embora tenha morrido há um século, Leandro continua entre nós, pois sua poesia continua circulando, especialmente no Nordeste, porque, talvez, ele tenha conseguido como poucos, de forma genial, capturar a alma de um povo engenhoso, espirituoso e criativo.



SERVIÇO: 
Data: 5 de março de 2016
Local:  Fundação Casa de Rui Barbosa
Rua São Clemente, 134
Programação:
10h. Cordel para crianças
        Cilene Alves de Oliveira

14h. Mesa redonda
Ana Carolina Carvalho de Almeida Nascimento
Gonçalo Ferreira da Silva
Sylvia Regina Bastos Nemer
Mediadora: Ana Ligia Medeiros

17h. Mostra:

Leandro Gomes de Barros: o poeta do sertão

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

ENCANTOS DO SERTÃO


MEU SERTÃO É U'A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA

Mote de LUIZ ADEMAR MUNIZ
Glosas de ARIEVALDO VIANNA
Pintura: Acrílica do pintor mineiro
WILSON VICENTE
www.wilsonvicentearte.blogspot.com.br


De antemão aviso que vai sair um livreto, com a participação de vários poetas, inclusive o autor do MOTE e a capa será uma belíssima xilogravura do potiguar Jefferson Campos.



TRINA O CARÃO NA FOLHAGEM
QUE O TOM VERDEJANTE ENSEJA
POIS A CHUVA BENFAZEJA
E A DOCE BRISA DA ARAGEM
REVERDECERAM A FORRAGEM
E A CAATINGA RESSECADA;
MUGIU O PAI DA COALHADA
AGRADECENDO A FARTURA
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.


UM VELHO QUEIMA AS COIVARAS
SEGUINDO O MODELO ANTIGO
LEVA NA CUIA, CONSIGO,
SEMENTES PRETAS E CLARAS
VENDO A CHUVA NAS SEARAS
E O CANTO DA PASSARADA
SEGUE A TRADIÇÃO HERDADA
DE SEUS ANCESTRAIS E JURA:
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.


PASSA UM MALANDRO DE MOTO
COM SEU BONÉ ATOLADO
OUVINDO UM FUNK PESADO
PORÉM EU OLHO E NEM NOTO...
O MEU QUADRO NÃO DESBOTO
POIS ISSO NÃO VALE NADA
CULTURA DESVIRTUADA
PARA MIM NÃO É CULTURA!
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.




Xilogravura de Jefferson Campos



PASSA UMA CUNHÃ PEDANTE
QUE NUNCA PEGOU NUM POTE
TODA CHEIA DE FRICOTE
BEBENDO REFRIGERANTE
VAI NO INFERNO DE DANTE
E NÃO ESTRANHA A ZOADA
MAS SE OUVIR TROVOADA
GRITA: - LOCURA! LOUCURA!
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.


A VELHINHA REZADEIRA
QUE NÃO ESTRANHA O INVERNO
REZA COM MEDO DO INFERNO
BOTA OS POTES NA BIQUEIRA
O MATUTO FAZ A FEIRA
COM A SAFRA ASSEGURADA
BOLSA-FAMÍLIA, QUE NADA,
ELE COME É TANAJURA
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.


POIS QUEM NASCE NO SERTÃO
QUEM AO NORDESTE QUER BEM
NÃO SE IMPORTA COM NINGUÉM
QUE VIAJA NA ILUSÃO...
QUE ABANDONA O NOSSO CHÃO
NOSSA CULTURA SAGRADA
O CANTO DA PASSARADA
E A NOSSA LITERATURA;
MEU SERTÃO É U’A PINTURA
NO TEMPO DA INVERNADA.


(Arievaldo Vianna)



E aqui o poeta Luiz Ademar e o xilogravador potiguar

Vale a pena ler de novo




A PARÁBOLA DO RATO

Por Arievaldo Vianna

Certo dia um homem entrou
Na loja de antiguidade
E viu logo uma estátua
De alta fidelidade;
Um ratinho de metal
De tamanho natural
Parecendo de verdade.

A cor natural do bronze
Era um encanto a parte
O homem ficou vidrado
Naquela obra de arte
E dirigiu-se ao balcão
Com o objeto na mão
Querendo comprar, destarte.

E foi logo perguntando
Qual era o preço do rato...
O vendedor respondeu:
- Amigo, é muito barato.
Mas ele tem uma história
E a sua trajetória
É bom que saibas, de fato.

Esse objeto custa
Cinquenta reais, somente.
Porém a história dele
É um mistério envolvente
Para saber algo mais
Me pague 10 mil reais
Então  lhe farei ciente.

O homem pensou um pouco
Depois respondeu assim:
- Amigo, eu só quero o rato.
É o que interessa a mim...
Já a história da peça
De modo algum me interessa
Disso não estou a fim.

Pagou e depois saiu
Com o pacote na mão
Porém mal pisou na rua
Viu logo uma multidão
De ratos que lhe seguiam
De toda parte saiam
Ratinhos em profusão.

Essa grande legião
Não parava de segui-lo
O homem ficou pasmado
Quando observou aquilo
Tratou então de correr
Desesperado a dizer
- Meu Deus, não estou tranquilo.

Nessa carreira que deu
Foi parar na beira-mar
Foi então que resolveu
Do tal rato se livrar
Então, sem mais embaraço,
Com toda força do braço
O rato pôde jogar.

E a legião de ratos
Que beirava uns mil e cem
Acompanhou  a estátua
E se jogaram também
Naquele mesmo momento
Morreram de afogamento
Nas horas de Deus, amém!

O sujeito aliviado
Por se livrar dessa escória
Retornou ao Antiquário
Que disse, cheio de glória:
- Eu já sei que o amigo
Passou por grande perigo
E quer comprar a história!

- Lá quero saber de história,
Nem a prazo e nem a vista...
(Disse logo o comprador)
- Quero é saber se esse artista
Faz de modo natural,
Uma estátua de metal

Do Presidente GOLPISTA!


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O MESTRE DO CORDEL

CEM ANOS SEM LEANDRO

Texto de Marco Haurélio
Xilogravura de Arievaldo Vianna

A história da literatura de cordel ou, mais especificamente, a história da editoração do corpus que viria ser denominado literatura de cordel, no Brasil, é cheia de percalços. Sabe-se que, antes da aventura editorial de Leandro Gomes de Barros, paraibano que migrou para Pernambuco, e se valeu dos recursos da imprensa para popularizar os textos poéticos escritos por ele ou por amigos próximos, os romances circulavam em manuscritos ou faziam parte do amplo repertório das poéticas orais do Nordeste. Sem autoria conhecida, ou mesmo atribuída, estas narrativas épicas, líricas ou picarescas se misturavam aos velhos romances ibéricos, como Juliana e D. JorgeO cegoD. BarãoSilvaninha ou D. Claros de Montealbar, ou aos romances da gesta do gado, com barbatões endemoninhados e vaqueiros intrépidos. Sem contar os romances trágicos, ligados muitas vezes ao ciclo do cangaço, envolvendo figuras lendárias, como o valente Vilela, ou reais, mas deturpadas pela imaginação popular, como Lucas da Feira, Zé do Vale, José Gomes, o Cabeleira, e Jesuíno Brilhante, populares até as primeiras décadas do século XX.

A contribuição de Leandro Gomes de Barros, que, além de grande poeta, foi, ao lado de Francisco das Chagas Batista, seu compadre e amigo mais próximo, editor pioneiro, é tão grande, que podemos chamá-lo, sem chances de erro, de poeta-ponte. Não foi o primeiro autor de cordel do Nordeste, nem o mais prolífico, mas foi a partir dele que o gênero se estabeleceu em sua amplitude temática e como atividade editorial consistente e tocada com profissionalismo. João Martins de Athayde que, de certa forma, o sucedeu, ao adquirir o seu espólio em 1921, consolidou-se como um editor obstinado, ampliando o catálogo de sua tipografia de modo substancial, e pondo fim à forma como os cordéis, até então, eram publicados por Leandro: inacabados e, a depender de sua extensão, publicados em dois ou mais folhetos, em companhia de outras histórias.


Afirmar que, sem Leandro, o cordel no Brasil não existiria é uma grosseira mistificação, um disparate. Um desrespeito com outros autores editores contemporâneos, a exemplo do próprio Chagas Batista. Mas o cordel, como o conhecemos, deve muito ao bardo paraibano que, faço sempre questão de frisar, nunca foi um demiurgo, e sim um desbravador que fez de uma seara inculta um celeiro abarrotado de versos-sementes. Sementes que ainda nos nutrem e nos sustentam.

Fonte: http://marcohaurelio.blogspot.com.br/

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Peregrinações de Frei Mané Mago


FREI MANÉ MAGO É 
QUESTIONADO POR UM 
JOVEM COXINHA

Naquele tempo, depois de bendizer a figueira e salvar uma vara de porcos do abismo, disse Frei Mané Mago de Jurema:
Um jovem COXINHA chegou para mim perplexo e me disse:
- Eu nunca pensei...
E eu, sabendo que COXINHAS não pensam, respondi sem demonstrar qualquer sinal de surpresa:
- Nunca pensou o quê?
- Nunca pensei que o senhor, um 'home' tão inteligente, escritor premiado, fosse defensor de um ladrão como o LULA.
Respondi apenas:
- Quem lhe disse que eu sou 'inteligente'? Eu sou tão burro que ainda não aprendi o ditado: "em terra de sapo, de cócoras com eles". É por isso que vivo carregando o peso dessa cruz e seguindo um CONDENADO.
(Excerto das benditas pregações de Frei Mané Mago de Jurema, cuidadosamente taquigrafadas por seu fiel discípulo Frei Cancão de Fogo do Amor Divino)

Do mesmo modo, ao fim da prédica, ele tomou da viola e disse:

Há trinta anos que vejo
LULA num fogo cruzado
Insultado e massacrado
Nesse macabro cortejo
Mesmo assim eu não desejo
Que ninguém vá se lascar...
Deixa esse mal prosperar
E fenecer num escarro
UM ÍDOLO DOS PÉS DE BARRO
NÃO PODE SE SUSTENTAR

Já vi gente cortejando
JAPONÊS DA FEDERAL,
AÉCIO, efígie do mal,
Vi o CUNHA se danando
E os bestas comemorando
SOMOS MILHÕES pra mudar
O BRASIL e erradicar
CORRUPÇÃO. EU esbarro,
UM ÍDOLO DOS PÉS DE BARRO
NÃO PODE SE SUSTENTAR.

Vejo a GLOBO fabricando
Um herói a cada mês
O HUCK é bola da vez
Porém não está decolando
BOLSONARO saciando
O desejo de matar
De pisar, de massacrar,
De atropelar com o carro
UM ÍDOLO DOS PÉS DE BARRO
NÃO PODE SE SUSTENTAR.

E mesmo, por desaforo,
Já vi nessa freguesia
O AUXÍLIO MORADIA
Pro BOLSONARO e pro MORO
Não vi falta de decoro
Eu nem quero reclamar
Se a injustiça prosperar
Pego um cabelo e me amarro
UM ÍDOLO DOS PÉS DE BARRO
NÃO PODE SE SUSTENTAR.

Neste mundo eu só adoro
A JESUS DE NAZARÉ
Francisco do Canindé
É melhor que doutor MORO...
O mal, se vier eu toro,
Tenho língua pra cortar
Espada pra rechaçar
E a Bíblia, flor do meu jarro
UM ÍDOLO DOS PÉS DE BARRO
NÃO PODE SE SUSTENTAR.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

LANÇAMENTO



O Afilhado da Virgem e a sina do enforcado

Texto de Paiva Neves


Em “O afilhado da virgem e a sina do enforcado” o poeta Arievaldo Viana resgata a rica tradição da literatura de cordel em contar histórias. Nesse folheto de fôlego o poeta foi na medida e em 159 estrofes de seis versos reconta o clássico conto “O defunto” do escritor português Eça de Queiroz. É uma obra para ler e reler, pois em cada leitura é possível perceber determinadas nuances que em uma leitura aligeirada pode passar despercebida ao olhar menos atento.
Por exemplo, na minha primeira leitura me deleitei com o aspecto geral da narrativa, com o jogo de cenas da trama do vilão e o ímpeto benevolente do mocinho, e não me apercebi da riqueza no diálogo do mocinho com o cadáver. Sim, estamos falando de personagens totalmente boas e outras totalmente ruins pois essa é uma característica dos clássicos do cordel que tinha como objetivo contemplar leitores menos exigentes, leitores contextualizados e concretos de uma determinada época histórica. Leitores/ouvintes (2000) como bem foi caracterizado por Ana Maria de Oliveira Galvão. Segundo essa autora, no recorte da sua pesquisa de Doutorado, o público leitor de cordel dos anos 30 a 50, em Pernambuco era leito/ouvinte devido aos altos índices de analfabetismos. Dessa forma, os folhetos eram comprados e os poucos leitores alfabetizados liam ou cantavam as histórias rimadas para os demais. Assim, já que o ato de ler é bem mais amplo do que uma simples decodificação da palavra escrita, o público leitor ia além daqueles que de fato estava lendo, passando a abranger a totalidade do público ouvinte.
Nessas leituras coletivas eram lidos e ouvidos textos que iam além dos folhetos de 08 páginas. Os grandes romances da Literatura de Cordel de autoria de Leandro Gomes de Barros, José Camelo Resende e tantos outros cordelistas de peso foram avidamente consumidos por esses leitores/ouvintes. Com o tempo essa tradição foi sendo extinta tanto pelos leitores/ouvintes como pelos poetas e passou a ser produzidos mais os folhetos com textos menos extensos.

Arievaldo Viana, nesse texto resgata essa tradição, a tradição do romance longo, de 32 páginas. “O afilhado da virgem e a sina do enforcado” é uma história que se Europa medieval. Uma jovem pura e bela, protótipo da mulher submissa, com um casamento arranjado, como era costume à época é casada com um velho perverso e ranzinza. Logo no inicio do enredo aparece um jovem na história e se apaixona perdidamente pela mocinha. O velho e perverso marido, que mantinha a mulher presa, desconfiando das intenções do rapaz resolve matá-lo, no entanto como o rapaz era devoto e afilhado da virgem termina sendo salvo por o cadáver de um enforcado. A seguir leia o início do romance e trechos da singular conversa do rapaz com o enforcado. Para ler a obra completa faça seu pedido pelo Email cordelriaflordaserra@gmail.com ou pelo WhatsApp (085) 999569091, enviamos pelo correio.

Nossa língua portuguesa
Tem renomados autores
No Brasil ou Portugal
Existem grandes valores
Que lapidam a “Flor do Lácio”
Na função de escritores.

Através dos meus pendores
E pensamento veloz
Quero traçar um poema
Depois soltar minha voz
Tendo por base uma obra
Do grande Eça de Queirós.

“O defunto”, esse é o título
Original desse conto
Já diz um velho ditado
Quem reconta, aumenta um ponto;
Leitor, se for pretensão,
Queira me dar um desconto.

À narrativa remonto
Buscando um novo traçado
A começar pelo título
Que é mais do meu agrado:
“O afilhado da Virgem
E a sina do enforcado.”

Em mil, quatrocentos e
Setenta e quatro, em Castela
Residia uma senhora
Jovem, sábia e muito bela
Tinha o porte de princesa
Numa educação singela.

Tinha o talhe muito esbelto
E os lábios nacarados
Sobre a cabeça brilhavam
Lindos cabelos dourados
A pele branca encantava
Lembrando campos nevados.

Chamava-se Leonor
Essa divina beldade
Contava, por esse tempo,
Dezoito anos de idade
Casara com um fidalgo
Embora contra a vontade.

Com Dom Alonso de Lara
Homem de idade avançada
A belíssima Leonor
Casara quase obrigada,
Morava com o seu marido
Em Segóvia, enclausurada.

Além de velho e ranzinza
Alonso era ciumento
Não a deixava sair
E a tudo estava atento
A vigiava em segredo
Tinha cisma até do vento.

Levava a moça esta vida
Com Dom Alonso de Lara
Sair daquela prisão
Era coisa muito rara
Porém jamais lamentava
Sua sorte tão avara.

Defronte ao seu palacete
Num sobrado de esquina
Morava Dom Rui de Cárdenas
Moço de aparência fina
Sobrinho do Arcebispo
Uma mente cristalina.

(...)

Passando defronte o campo
O seu sombreiro tirou
Fez uma rápida oração
Depois se persignou
Uma voz misteriosa
Nesse momento escutou:

- Oh, cavaleiro, detende-vos,
Vinde cá!  - Assim dizia
A voz que ele escutou
Porém não compreendia
Que fosse de um enforcado
Que a ele se dirigia...

Quis seguir o seu trajeto
Mas logo que ele sai,
A voz lhe diz novamente:
- Oh, cavaleiro, esperai
Pois tenho algo a dizer-te
Peço-lhe então que voltai!


Um leve frio na espinha
Nesse momento sentiu
Porém detendo o cavalo
Aos mortos se dirigiu:
- Quem, dentre vós, me chamou?
Nesse momento ele ouviu:

- Fui eu, senhor! Disse um deles,
Vos peço um grande favor
Cortai depressa essa corda
Quero segui-lo, senhor,
Pois sei que vais a Cabril
Para negócios de amor!

Dom Rui puxou a espada
Sentindo um leve pavor,
Cortou a corda e mostrou-lhe
O sinal do Redentor;
O enforcado ajoelhou-se
Com reverência e temor.

Primeiro Dom Rui pensou
Ser do diabo uma cilada,
Mas o enforcado lhe disse:
- Não tenhas medo de nada,
Quero somente ajudar-te...
Ao longo dessa jornada.

- Pelo favor que agora
Eu pretendo vos prestar
Espero boa indulgência
Que os céus irão me dar...
Dom Rui então consentiu
O homem lhe acompanhar.

Então, com grande surpresa
Percebeu que o enforcado
Sem demonstrar grande esforço
Corria ali, do seu lado,
Disposto a acompanhá-lo
Como havia anunciado.


(...)