Reisado BOI CORAÇÃO, de Cipó dos Anjos (Quixadá-CE)
Reisado,
Caretas, Papangus, Brincantes, Foliões de Santos Reis. Eis uma
brincadeira secular que praticamente está desaparecendo da cultura
cearense.
Quando menino fui acordado algumas vezes por essa cantiga, na noite do dia 06 de janeiro, Dia de Santos Reis:
Ô de casa ô de fora
Quando menino fui acordado algumas vezes por essa cantiga, na noite do dia 06 de janeiro, Dia de Santos Reis:
Ô de casa ô de fora
Manjerona é quem está aqui
É o cravo, é a rosa
É a flor do bugari. (bis)
Reisado (Caretas) - Ilustração: Arievaldo Vianna
GLOSAS,
CANTIGAS E ‘RELAXOS’
DO
REISADO CEARENSE
EM
FIGURA DE RAPOSA
(Cantiga
de Reisado)
Ô de
casa ô de fora
Manjerona
é quem está aqui
É o
cravo, é a rosa
É a flor
do bugari. (bis)
Nós
estamos em vossa porta
Em figura
de raposa
Em figura
de raposa
Lhe
pedindo alguma coisa.
Esta casa
está bem feita
Por
dentro, por fora não
Por
dentro, cravos e rosas
Por fora
manjericão.
Esta casa
está bem feita
Só lhe
falta a comieira
E viva o
dono da casa
Com a sua
companheira.
Acordai
que está dormindo
Deitadinho
em sua rede
Tenha dó
de quem está fora
Recostado
na parede.
Ó senhor
dono da casa
Abra a
porta e acenda a luz
Vim
buscar os Santos Reis
Vim em nome
de Jesus.
O sol
entra pela porta
E o luar
pela janela
Estou a
espera da resposta
Não saio
daqui sem ela.
Já ouvi
pratos e garrafas
Já vi
copos retinir
Já vi
dar a volta na chave
Para a
porta se abrir.
Deus vos
pague Santos Reis
Deus lhe
dê muito pra dar
Menino
Jesus da Lapa
Ele há
de lhe ajudar.
Quando
criança eu me encantava com os REIZADOS que assisti no Sertão
Central, nos municípios de Quixeramobim, Canindé e Madalena. A
figura da velha, com enorme bunda postiça, fazia a alegria da
meninada. Mas o personagem que mais me chamava atenção era o “Amo”
que dizia glosas e “relaxos” na cabeça do boi. O Quelemente, um
vizinho nosso que gostava da brincadeira, sempre repetia os mesmos
versos:
Pode crê,
mandou lembrança
Se for
verdade, Deus lhe pague
Não como
frango pedrês
Não como
galo pintado
A melhor
coisa do mundo
É
carinho de menina
Meu
padrim o que é que tem
Pra dar a
essa tejubina?!
As
“tejubinas” a que o caboclo se referia eram as mocinhas que
acompanhavam o séquito da BURRINHA, único personagem que permitia a
presença feminina no Reizado de Caretas, que varia bastante, de uma
região para outra.
Versos da
Burrinha:
A
burrinha do meu amo
come tudo
que lhe dão
só não
come carne velha
Sexta-feira
da Paixão.
A
burrinha do meu amo
tem um
buraco no c*
foi um
rato que roeu
pensando
que era beiju!
O Reizado
era animado ao som da sanfona... O saudoso Pedim do Edmundo tocava o
baião “Vermêi” enquanto os caretas executavam uma complicada
luta de cacetes em perfeita coreografia.
Sanfoneiro Pedro Araújo - Pedim do Edmundo
Os
participantes do reisado não assumem a pecha de “papangus”. Eles
dizem que papangus são
os meninos da plateia. Os brincantes são os caretas.
A
criançada empolgada com esse folguedo não falava noutra coisa.
Quando criança, de férias no distrito de Iguaçu (Canindé-CE)
associei-me a um grupo de meninos que entenderam de fazer um reisado
mirim.
Tiramos
vergônteas de mofumbo, para fazer a armação do boi, arranjamos um
velho lençol de chita para cobri-lo e a cara do bicho foi pintada
num grosso papelão. Faltava agora aprender as cantigas do boi. Foi
quando alguém nos deu a ideia de visitar o velho José João (ou
João José), que morava nos arredores. O bom ancião nos atendeu
prontamente e repetiu dezenas de quadrinhas até que nós decoramos a
maior parte e nos munimos de um estoque de glosas para a encenação
do folguedo. Lembro-me perfeitamente dessas duas:
“Eu
me chamo Chico Torto
Revesso,
quebra-machado,
Cavo
cacimba no seco
Depressa
dá no molhado.
Só não
quero que me mandem
Na rua,
comprar fiado,
Que fiado
me dá pena
E pena me
dá cuidado.”
A
apresentação agradou. Apesar do amadorismo do grupo e dos
inevitáveis improvisos, foi sucesso total. Retrato de um Sertão não
tão distante, que foi tragado pelas mandíbulas afiadas da tal
globalização.
Arievaldo
Vianna (de O
LIVRO DAS CRÔNICAS)
Todos os
direitos reservados ao autor.
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