sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

DIA DE SANTOS REIS

Reisado BOI CORAÇÃO, de Cipó dos Anjos (Quixadá-CE)

Reisado, Caretas, Papangus, Brincantes, Foliões de Santos Reis. Eis uma brincadeira secular que praticamente está desaparecendo da cultura cearense. 
Quando menino fui acordado algumas vezes por essa cantiga, na noite do dia 06 de janeiro, Dia de Santos Reis:

Ô de casa ô de fora
Manjerona é quem está aqui
É o cravo, é a rosa
É a flor do bugari. (bis)

Reisado (Caretas) - Ilustração: Arievaldo Vianna


GLOSAS, CANTIGAS E ‘RELAXOS’

DO REISADO CEARENSE


EM FIGURA DE RAPOSA
(Cantiga de Reisado)

Ô de casa ô de fora
Manjerona é quem está aqui
É o cravo, é a rosa
É a flor do bugari. (bis)

Nós estamos em vossa porta
Em figura de raposa
Em figura de raposa
Lhe pedindo alguma coisa.

Esta casa está bem feita
Por dentro, por fora não
Por dentro, cravos e rosas
Por fora manjericão.

Esta casa está bem feita
Só lhe falta a comieira
E viva o dono da casa
Com a sua companheira.

Acordai que está dormindo
Deitadinho em sua rede
Tenha dó de quem está fora
Recostado na parede.

Ó senhor dono da casa
Abra a porta e acenda a luz
Vim buscar os Santos Reis
Vim em nome de Jesus.

O sol entra pela porta
E o luar pela janela
Estou a espera da resposta
Não saio daqui sem ela.

Já ouvi pratos e garrafas
Já vi copos retinir
Já vi dar a volta na chave
Para a porta se abrir.

Deus vos pague Santos Reis
Deus lhe dê muito pra dar
Menino Jesus da Lapa
Ele há de lhe ajudar.

Quando criança eu me encantava com os REIZADOS que assisti no Sertão Central, nos municípios de Quixeramobim, Canindé e Madalena. A figura da velha, com enorme bunda postiça, fazia a alegria da meninada. Mas o personagem que mais me chamava atenção era o “Amo” que dizia glosas e “relaxos” na cabeça do boi. O Quelemente, um vizinho nosso que gostava da brincadeira, sempre repetia os mesmos versos:

Pode crê, mandou lembrança
Se for verdade, Deus lhe pague
Não como frango pedrês
Não como galo pintado

A melhor coisa do mundo
É carinho de menina
Meu padrim o que é que tem
Pra dar a essa tejubina?!

As “tejubinas” a que o caboclo se referia eram as mocinhas que acompanhavam o séquito da BURRINHA, único personagem que permitia a presença feminina no Reizado de Caretas, que varia bastante, de uma região para outra.



Versos da Burrinha:

A burrinha do meu amo
come tudo que lhe dão
só não come carne velha
Sexta-feira da Paixão.

A burrinha do meu amo
tem um buraco no c*
foi um rato que roeu
pensando que era beiju!

O Reizado era animado ao som da sanfona... O saudoso Pedim do Edmundo tocava o baião “Vermêi” enquanto os caretas executavam uma complicada luta de cacetes em perfeita coreografia.


Sanfoneiro Pedro Araújo - Pedim do Edmundo


Os participantes do reisado não assumem a pecha de “papangus”. Eles dizem que papangus são os meninos da plateia. Os brincantes são os caretas.
A criançada empolgada com esse folguedo não falava noutra coisa. Quando criança, de férias no distrito de Iguaçu (Canindé-CE) associei-me a um grupo de meninos que entenderam de fazer um reisado mirim.
Tiramos vergônteas de mofumbo, para fazer a armação do boi, arranjamos um velho lençol de chita para cobri-lo e a cara do bicho foi pintada num grosso papelão. Faltava agora aprender as cantigas do boi. Foi quando alguém nos deu a ideia de visitar o velho José João (ou João José), que morava nos arredores. O bom ancião nos atendeu prontamente e repetiu dezenas de quadrinhas até que nós decoramos a maior parte e nos munimos de um estoque de glosas para a encenação do folguedo. Lembro-me perfeitamente dessas duas:

Eu me chamo Chico Torto
Revesso, quebra-machado,
Cavo cacimba no seco
Depressa dá no molhado.

Só não quero que me mandem
Na rua, comprar fiado,
Que fiado me dá pena
E pena me dá cuidado.”


A apresentação agradou. Apesar do amadorismo do grupo e dos inevitáveis improvisos, foi sucesso total. Retrato de um Sertão não tão distante, que foi tragado pelas mandíbulas afiadas da tal globalização.

Arievaldo Vianna (de O LIVRO DAS CRÔNICAS)
Todos os direitos reservados ao autor.


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