quarta-feira, 17 de junho de 2015

AS TRES VELHAS FIANDEIRAS

Como se faz a adaptação de um 
CONTO POPULAR para o CORDEL?


Primeiramente vamos ler o conto:

AS TRÊS VELHAS FIANDEIRAS

Um conto de Histórias do Arco da Velha, de Viriato Padilha

Rosália era uma rapariga muito preguiçosa, que não gostava de fiar.  Por mais que a tia Rita, sua mãe, se encolerizasse, nada podia obter dela. Um dia a preguiça da filha exasperou-a de tal forma, que chegou a espancá-la, e Rosália pôs-se a chorar e a gritar muito alto. Justamente nessa ocasião passava a rainha por ali.  Ouvindo os gritos, fez parar a carruagem, e entrando na casa, perguntou à tia Rita por que razão batia na filha com tanta crueldade, que até os gritos se ouviam na rua.
Tia Rita teve vergonha de revelar o defeito de Rosália, e disse:
— “Não posso lhe tirar o fuso da mão.  Ela quer sempre fiar sem cessar, e, como sou pobre, não lhe posso dar linho que chegue.”
A mulher respondeu:
— “Nada me agrada mais do que a roca, e o barulho da fiandeira me encanta. Dá-me tua filha.  Levá-la-ei para o palácio onde tenho linho em quantidade e assim, poderá fiar quanto quiser.”
A velha consentiu de muito boa vontade e a rainha levou Rosália.
Quando chegaram ao palácio, ela levou-a a três salas, que estavam cheias do mais belo linho, desde cima até embaixo, dizendo-lhe:
— “Fia-me todo esse linho, e quando tudo estiver terminado, far-te-ei desposar meu filho mais velho. Não te inquietes com a tua pobreza, pois o teu zelo para o trabalho ser-te-á dote suficiente.”
A moça não disse palavra, mas interiormente estava consternada, pois ainda que trabalhasse durante trezentos anos, sem parar, desde a manhã até a noite, não acabaria com aqueles enormes montes de estopa.
Quando ficou só, pôs-se a chorar, e assim ficou três dias sem iniciar o trabalho.
No terceiro dia a soberana veio visitá-la e ficou muito admirada vendo que nada havia feito; mas a moça desculpou-se, alegando o pesar de haver deixado a mãe.
Sua majestade teve que se contentar com aquela razão, mas disse ao retirar-se:
— “Vamos, amanhã é preciso começar a trabalhar”.
Quando a moça se achou só, não sabendo o que fazer, pôs-se à janela, muito angustiada.
Daí a pouco viu chegar três mulheres, das quais uma tinha um pé enorme, muito chato; a outra o lábio inferior tão comprido e pendente que cobria o queixo; e a terceira o dedo polegar extraordinariamente comprido e achatado.
Colocaram-se na rua, em frente à janela e perguntaram o que ela queria.
Rosália contou-lhes as suas mágoas e as três mulheres ofereceram-se para auxiliá-la, sob a seguinte proposta:
— “Se nos prometes convidar-nos para o teu casamento e nos chamar tuas primas, sem te envergonhares de nós, e nos fizeres sentar à tua mesa, vamos fiar o teu linho e em pouco tempo o trabalho estará terminado”.
— “De todo meu coração”, respondeu ela. “Podem entrar e começar já”.
Introduziu as três singulares mulheres e desembaraçou um lugar na primeira sala para as instalar.
Elas entregaram-se à obra; a primeira fazia girar a roda; a segunda molhava o fio, a terceira torcia e apoiava-o na mesa com o polegar.
Todas as vezes que a rainha entrava, a rapariga ocultava as fiandeiras, mostrava o trabalho feito, e a soberana não podia conter a sua admiração.
Quando a primeira sala ficou terminada, passaram à segunda e depois à terceira, sendo fiado todo o linho com a maior rapidez.
Então as três mulheres retiraram-se dizendo à moça:
— “Não te esqueças a tua promessa; pois hás de lucrar com isso”.
Quando Rosália mostrou à rainha as salas vazias e o linho fiado, fixou-se o dia das núpcias.
O príncipe ficou contentíssimo por ter uma mulher tão hábil e tão ativa, e principiou a amá-la com ardor.
— “Tenho três primas”, disse ela, “que me prestaram muitos serviços e não queria esquecê-las na minha ventura.  Permiti que as convide para assistirem ao casamento e que se sentem à nossa mesa”.



A rainha e o príncipe consentiram, pois não viam nenhum impedimento nisso.
No dia da festa as três mulheres chegaram em magníficas equipagens e a noiva lhes disse:
— “Queridas primas, sejam bem-vindas”.
— “Ah!” disse-lhe o príncipe, “as tuas parentas são horrorosas!”
Depois, dirigindo-se à que tinha o pé chato e comprido, indagou:
— “Como foi que a senhora ficou com o pé tão disforme?”
— “Foi de tanto fazer mover a roda da fiandeira”.
À segunda:
— “Como foi que a senhora ficou com o beiço tão caído?”
— “Foi por molhar o fio no beiço”.
E à terceira:
— “E a senhora por que motivo ficou com o dedo polegar tão comprido?”
— “Foi por haver torcido muito fio”.
O príncipe aterrorizado por tal perspectiva, declarou que não permitiria mais que a sua esposa tocasse num fuso, e assim ficou ela livre de tão odiosa ocupação.
* * *

Em:  Histórias do Arco da Velha, Viriato Padilha, Rio de Janeiro, Livraria Quaresma: 1947
Ilustrações do conto, de Nadir Quinto.
As três fiandeiras é um conto muito antigo, transmitido pela cultura oral principalmente nos países nórdicos.  Foi registrado pelos Irmãos Grimm, mas uma versão mais antiga ainda um pouquinho diferente já aparece no livro de Giambattista Basile, [ Pentamerone] — uma coleção de histórias folclóricas para crianças — em 1634, publicado postumamente por sua irmã em Nápoles.  Os Irmãos Grimm conheceram esse trabalho e o elogiaram como uma excelente coleção de histórias.  Dando uma olhadinha na rede, podemos ver que mesmo em Portugal há algumas dezenas de versões com pequeníssimas diferenças.  Há outro conto Rumpelstiltskin semelhante mas menos divulgado no Brasil.
Viriato Padilha, pseudônio ( Aníbal Mascarenhas, MG 1866 – Fortaleza, CE 1924)   Pseudônimos: Aníbal Demóstenes, Ticho Brahe de Araújo, Sancho Pança.  Contista, poeta, autor de literatura infantil, historiador, professor, tradutor.

Obras: [lista incompleta]
Histórias do arco da velha, 1897
Os roceiros, 1899
O livro dos fantasmas

Fonte: https://peregrinacultural.wordpress.com

A ADAPTAÇÃO

A adaptação de um texto em prosa para o cordel passa por muitos processos. Quando chega o mês de Agosto - e o dia do Folclore (24/08) muitas escolas começam a trabalhar com o cordel e ficam perguntando por onde começar. Vou falar um pouco da minha metodologia, do meu processo de adaptação de contos populares ou clássicos da Literatura para o CORDEL.

Em primeiro lugar vem a empatia. O cordelista precisa gostar do texto que vai adaptar. Precisa conhecê-lo a fundo, precisa ter referências sobre o autor e outras informações que só chegam através de uma leitura aplicada, conhecimentos periféricos e, sobretudo, a tal da empatia. O caminho mais fácil é ter ouvido a história na infância e ter gostado do relato. O segundo passo é saber se os seus leitores também irão gostar... Esse conto de VIRIATO PADILHA está aqui no blog MALA DE ROMANCES desde junho de 2015 e venho percebendo que as visitas nunca cessam. É uma das postagens prediletas dos meus leitores. Eu o li, num velho livro escolar, com outro título, adaptado por outro autor - A DEVOTA DAS ALMAS. No caso, as velhinhas fiandeiras eram seres do outro mundo que vinham socorrer uma mocinha devota das ALMAS DO PURGATÓRIO.

Percebendo que o conto é muito querido e lembrado Brasil afora (pela quantidade de visualizações neste blog) resolvi iniciar a sua adaptação para o cordel e o resultado está ficando, mais ou menos assim. O texto a seguir, em cordel, é a primeira tentativa. Depois virá a fase de lapidação dos versos, para deixá-los fluentes, com métrica e rima.



AS TRÊS VELHAS FIANDEIRAS 

EM CORDEL

Versão de VIRIATO PADILHA
Adaptação para o CORDEL: ARIEVALDO VIANNA

Certos contos populares
Atravessam gerações
Vieram nas caravelas
Atravessaram os sertões
E ainda hoje aparecem
Nos impressos e serões.

Circulam na internet
E vão parar no cinema
Seja qual for o suporte
Seguem o antigo sistema;
AS TRÊS VELHAS FIANDEIRAS
Hoje será o meu tema.

Rosália era uma jovem
Muito linda e recatada
Mas era tão preguiçosa
Que parecia lesada;
A sua mãe reclamava
Mas não servia de nada.

Um dia a velha zangou-se
Pois a mandara fiar,
Deu-lhe um fuso e uma roca
E do almoço foi cuidar;
Mas a jovem nem ligou
E no quintal foi brincar.

A velha então se zangou
E com o chinelo na mão
Agarrou a preguiçosa
Para dar-lhe uma lição,
A moça pôs-se a gritar
Chamando muita atenção.

Nesse momento a Rainha
Passava pelo terreiro
Quando ouviu a confusão
E da mocinha o berreiro;
Parou logo a carruagem
E desceu com o cocheiro.

Então perguntou a velha
Porque motivo batia
Naquela pobre mocinha
Que tão bela parecia;
A velhinha envergonhada
Dessa maneira dizia:

— A menina é minha filha
E só pensa em trabalhar
Esquece até de comer
Vim chamá-la pra almoçar
Mas ela não larga o fuso
O seu destino é fiar.

A Rainha comovida
Respondeu dessa maneira:
— Estou mesmo precisando
De uma jovem fiandeira,
Mas tem que ser como ela
Bonita e trabalhadeira.

Gosto de escutar a roca
Tecendo os fios da planta
E o som de uma fiandeira
É o que mais me encanta;
Ela terá bom salário
Aposento, almoço e janta!

Eu possuo três depósitos
Repletos do melhor linho
Se até o final do ano
Rosália fiar tudinho
Eu farei o casamento
Dela com o meu filhinho.

A Rainha na verdade
Dizia aquilo brincando
Porque mesmo que a jovem
Passasse o ano fiando
Não dava conta de um terço
Do que estava lhe esperando.


(...)


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