Mais um conto que li na infância. O nariz do rei Mahendra, um belíssimo conto de Malba Tahan (pseudônimo do professor Julio Cesar de Mello e Souza - Rio de Janeiro, 6 de maio de 1895 — Recife, 18 de junho de 1974).
O nariz do rei Mahendra
Era
uma vez um rei estúpido, que tinha um nariz torto, monstruoso, horrível.
Não
percebia, porém, o pobre monarca, a enormidade do seu defeito; julgava-se, ao
contrário, um verdadeiro tipo de beleza masculina. Infeliz daquele que
zombasse, ou de leve se referisse ao narigão disforme do rei! Punha a língua à
mostra na forca mais próxima!
Um
dia, o rei Mahendra– já me esquecia de dizer que era este o nome do rei
narigudo – disse ao seu ministro:
–
Quero ter aqui, no palácio, um retrato meu, cuja perfeição e fidelidade todos
hajam de gabar.
O
ministro mandou chamar os melhores pintores do país. O prêmio prometido ao mais
hábil era magnífico: um elefante, um palácio e uma caixa de joias.
Apresentaram-se
três artistas que passavam por habilíssimos: Kedar, pintor da corte, Meryem, de
origem árabe, e o jovem Fauzi Nalik, sírio de grande talento.
Kedar,
tomando da tela, fez surgir, de sob seus ágeis pincéis, um retrato perfeito do
rei; reproduziu o nariz do monarca exatamente como o modelo se lhe mostrava
–enorme e monstruoso.
Quando
o rei Mahendra viu a figura grotesca, nitidamente reproduzida no quadro, ficou
furioso:
–
Atrevido! Miserável! Fazer de mim semelhante monstrengo!
E
mandou enforcar o pintor.
Meryem,
o segundo artista, ao ver o triste fim de seu companheiro, achou prudente não
imitar a escola realista de seu malogrado colega. Isto de pintar os soberanos
tal como eles são deu sempre mau resultado.
E
o árabe retratou o rei, fazendo-o perfeito em todos os traços fisionômicos. Era
aquilo uma verdadeira obra de arte.
Enfureceu-se
ainda mais o monarca ao ver o novo trabalho. A figura feita por Meryem era bela
e em nada se parecia com o original de nariz singularmente feio.
–
O Belzebu desse pintor quer zombar de mim! – gritou colérico. – Esse retrato em
nada se parece comigo! É, antes, um verdadeiro escárnio.
Ilustração: Solón Botelho
E
mandou enforcar o infeliz Meryem.
Chegou,
finalmente, a vez do jovem Fauzi Nalik, o pintor sírio.
–-
Estou perdido! – disse ele aos seus botões. – Se pinto o rei de nariz torto,
vou para a forca; se lhe endireito a cara, sou enforcado!
E
todos na cidade já lhe lamentavam, por antecipar, o triste fim.
–
No dia em que ele der o último retoque no retrato do rei, vai direitinho levar
o pescoço ao baraço!
Mas,
com espanto geral, tal não aconteceu. O monarca ficou encantado com o trabalho
do talentoso Fauzi Nalik.
–
Este, sim – proclamou vaidoso e satisfeito, – esse é o meu verdadeiro retrato.
E
mandou que sem mais demora se entregasse ao moço a prometida e valiosa
recompensa: um elefante, um palácio e uma caixa de joias.
Quando
Fauzi Nalik, radiante e feliz, deixou o palácio real, viu-se cercado dos
amigos, que o cumulavam de perguntas:
–
Então? Como conseguiste o milagre? Pintaste o rei de nariz torto ou sem nariz?
Conta-nos lá a proeza.
–
Pois vou contá-la – respondeu o inteligente moço. – Pintei o rei exatamente
como ele é. Tive, porém, a ideia de imaginá-lo a caçar tigres, e a arma que ele
levava ao rosto tapava-lhe perfeitamente o nariz grotesco e monstruoso!
E,
ao afastar-se, risonho, acrescentou:
–
Se o aleijão do rei Mahendra, ao invés de ser no nariz, fosse nas pernas, eu o
teria pintado a banhar-se num lago com água até a cintura.
[TAHAN, Malba. In Maktub! (Estava escrito!), Editora Conquista, 1951.]
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