quarta-feira, 4 de setembro de 2019

MESTRES DO CORDEL




VICENTE VITORINO DE MELO, 

EXPOENTE DO CORDEL


No início da década passada, acho que entre 2000 e 2003, correspondi-me com o poeta Vicente Vitorino de Melo, autor e editor do Almanaque do Nordeste e do célebre folheto “Discussão de um crente com um cachaceiro”, um dos melhores do gênero. Imagino que o poeta seja falecido uma vez que se dizia muito doente em suas correspondências, que cessaram bruscamente. Ele era muito atencioso e costumava enviar alguns folhetos de sua autoria, juntamente com alguns originais inéditos. Um deles foi “O príncipe Alípio ou o julgamento de Satanás” que foi lançado pela Tupynanquim Editora. Enviei a porcentagem do poeta e ele me mandou, em seguida, “A filha da peregrina”, texto que venceu um prêmio literário promovido no Estado de Pernambuco. Ele nasceu em Limoeiro-PE no  e residia em Caruaru, no mesmo Estado, no período em que manteve correspondência comigo. Certa feita demonstrei interesse em fazer uma edição do clássico “Discussão de um crente com um cachaceiro” e ele, prontamente, respondeu que não podia me conceder tal autorização por haver negociado os originais do dito folheto com o editor Giuseppi Baccário, da Casa das Crianças de Olinda. Gostei da sua sinceridade, coisa que às vezes não ocorre com outros poetas populares.

Eu viajando este mês
Pela linha do agreste
Fui parar em uma feira
No dia de São Silvestre
A feira é fraca e de tarde
Dá cachaceiro por peste...

Nessa dita feira o poeta presencia a discussão de um crente com um cachaceiro. Tudo começa quando o crente passa na calçada de um bar, com uma bíblia na mão e o bêbado imprudente o convida para uma bicada. O crente condena veementemente o seu proceder, porém o cachaceiro não se dá por vencido e usa diversos argumentos em defesa da aguardente:

Você já leu alguns livros
De fabricar aguardente?
Pinga-fogo, Canta-galo...
- Deus me livre! – Disse o crente,
De eu ler certas misérias
Disse o bêbado: - São matérias
De conteúdo excelente!

E, prossegue o cachaceiro, na sua esdrúxula defesa da “branquinha”, sem dar a mínima atenção aos argumentos do crente. Depois de citar o milagre das Bodas de Caná, onde Jesus transformou água em vinho, diz o embriagado:

Você não bebe e nem fuma
Cigarros da Sousa Cruz
Não dança devido a cota
Um baralho não conduz
Que lucro dá ao país?
Você é um infeliz
Não um membro de Jesus!

Quando eu bebo Serra Grande
Eu me lembro da ladeira
Que subiu Nosso Senhor
Num dia de sexta-feira,
Lá foi muito judiado
Eu também sou arrastado
Bebendo a cana rancheira.

Todo domingo na missa
Eu ouço o padre ensinar
Coma pão e beba vinho
Para poder se salvar
Eu ouvindo este sermão
Compro do vinho São João
Bebo dele até topar!




Vicente Vitorino de Melo

Por: Arievaldo Viana


Vicente Vitorino de Melo nasceu em Limoeiro-PE, em 16 de novembro de 1917. Foi cantador de viola até 1950, a partir daí começou a escrever folhetos e publicar um almanaque anual de astrologia - o Almanaque do Nordeste, que existe desde 1952 e ainda sobrevive nos dias atuais. Seu primeiro folheto data de 1948: "O exemplo da asa branca profetizado por Frei Damião". Reside atualmente em Caruaru-PE e possui alguns originais ainda inéditos. Um deles foi publicado pela Tupynanquim Editora: trata-se de "O príncipe Alípio - ou o julgamento de Satanás", onde Vicente demonstra ser um bom poeta de bancada. Sua obra mais conhecida é "A discussão de um crente com um cachceiro", um dos clássicos do gênero.
São de sua autoria os seguintes folhetos: A filha da peregrina, A firmeza de Alzira e o heroísmo de Zezinho, A morte do Coronel Ludugero, As anedotas do finado Antônio Marinho, Discussão de um crente com um cachaceiro, Exemplo dos quatro conselhos, História de Alexandrino e Aulina, História de Luizinho e o velho feiticeiro, Horrores que a Asa Branca traz, João Sabido e o cacetinho mágico, O horror da carestia, dentre outros.

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