MUNDIM LUIZ? NÃO PODE SER!
Eu devia ter uns cinco anos quando
apareceu uma ninhada de gatinhos na casa velha do Ouro Preto, em cima do caixão
da farinha. Dois em particular se tornaram meu xodó. Um branquinho de olhos
azuis e outro amarelinho, de um amarelo queimado bem vivo e pelos rajados como
os gatos mouriscos. Fui mostrar o meu achado à vovó, que costurava
tranquilamente no quarto do santuário.
— Olha
vovó, a Foguete teve dois gatinhos. Esse aqui é o Mundim Luiz, disse eu,
mostrando-lhe o gatinho branco.
Eu disse “teve” porque naquele tempo
menino não dizia “pariu”. Era uma palavra feia, proibida para as crianças.
Vovó me olhou por cima dos óculos e
retrucou:
— Ora, ainda mais esta! Mundim Luiz é nome de gente... Não
pode ser!
Realmente Mundinho Luiz era um
freguês de meu avô, que vez por outra aparecia para fazer uma compra e tomar
uma bicada lá pela bodega. Quando vovó disse aquela frase imaginei que ela
estivesse dando um apelido para o outro bichano. Gostei do nome. Imediatamente
batizei o segundo gato com o nome de “NÃO PODE SER”.
Todo dia eu subia no caixão da
farinha para ver os meus amiguinhos —
Mundim Luiz e Não-pode-ser —, que cresciam a olhos vistos, amamentados pela
mãe. Um dia, reparando bem na cara do Mundim Luiz, aquela carinha branca de
olhos azuis, achei semelhança com meus parentes do Castro. Desci imediatamente
com o gatinho nas mãos e fui comentar meu achado com a vovó. Disse com uma
vozinha fina, em falsete, como se fosse o próprio gato falando:
— Bom dia, vovó. Sabia que eu sou da raça de Soiza? Pois é...
Branquinho dos olhos azuis!
Vovó suspendeu o trabalho na máquina
de costura e fazendo uma cara bem zangada foi logo dizendo:
— Você é besta, menino. Ah bom, basta! Era só o que me
faltava... Você vir comparar este “não-sei-que-diga” com a minha raça! Ô
lástima. Tire esse gato daqui!
Minha tia Augediva, que presenciara a
cena, quase morre de rir da reação de minha avó e o assunto rendeu pano pras
mangas pelo resto do dia. E Mundim Luiz, a partir dessa data, passou a se
chamar “Não-sei-que-diga”.
(Do "Livro das Crônicas" - Parte III de Memórias)
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