Acervo: Museu da República
DATA DE NASCIMENTO
DE ANTÔNIO CONSELHEIRO
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido popularmente como Antônio Conselheiro, foi um beato, líder religioso e social brasileiro. Nasceu em Quixeramobim (Ceará) em 13 de março de 1830 e faleceu em Canudos (Bahia) em 22 de setembro de 1897.
Embora perseguido pelas autoridades republicanas, Antônio Conselheiro peregrinava pelo sertão do Nordeste (marcado pela seca, fome miséria), levando mensagens religiosas e conselhos sociais para as populações carentes. Conseguiu uma grande quantidade de seguidores, sendo que muitos o consideravam santo.
Essa data é celebrada anualmente em Quixeramobim-CE, sua cidade natal, através de ampla programação envolvendo escolas e a comunidade em geral. O SESC Quixeramobim, um dos principais articuladores do Conselheiro Vivo, realiza palestras, exposições, concursos envolvendo as escolas e outras atividades.
Única fotografia de Antônio Vicente Mendes Maciel quando vivo.
Professor Aleiton Fonseca, escritor baiano que participou da
Semana do Conselheiro Vivo, e sua esposa Rosana, em Quixeramobim.
Reunião da AQUILETRAS - Academia de Letras, Artes e Ciências
de Quixeramobim-CE
Poeta JoãoMelchíades Ferreira da Silva
ex-combatente de Canudos e autor de um folheto
sobre a guerra.
RESUMO DA PALESTRA SOBRE A GUERRA
DE CANUDOS NA
LITERATURA DE CORDEL
A VISÃO DO EX-COMBATENTE JOÃO MELCHÍADES FERREIRA DA
SILVA, O CANTOR DA BORBOREMA.
Palestra proferida em Quixeramobim-CE, no dia 10/03
por Arievaldo Vianna e Stélio Torquato.
Participação especial do escritor Aleilton Fonseca
O sertanejo é antes de tudo um forte, diz a frase clássica de Euclides da
Cunha. Essa máxima pode ser atribuída tanto aos conselheiristas que lutaram em
defesa do Arraial de Canudos como dos soldados dos batalhões nordestinos que se
integraram ao exército republicano. O soldado nordestino, por conhecer melhor a
região e a índole dos seguidores de Antônio Conselheiro foi o elemento
responsável pelo equilíbrio da luta. Citemos como exemplo a tomada das
trincheiras do rio Cocorobó, em junho de 1897, na qual se destacou o poeta João
Melchíades Ferreira da Silva, promovido a sargento por atos de reconhecida
bravura durante aquela refrega.
A
função do verdadeiro pesquisador é percorrer mares nunca dantes navegados. É
garimpar em terrenos desconhecidos, tirar proveito do que já foi colhido sem
descuidar-se de acrescentar novidades ao assunto. O pesquisador José Calazans,
ao escrever o estudo “CANUDOS NA LITERATURA DE CORDEL” bebeu em fontes que não
haviam sido pesquisadas pelo o autor de ‘Os Sertões’ nem por outros estudiosos
da vida de Antônio Conselheiro. Aliás, antes dele Sílvio Romero já havia
recolhido no seio da musa popular quadrinhas como estas:
Do
céu veio uma luz
Que
Jesus Cristo mandou
Sant'Antonio
Aparecido
Dos
castigos nos livrou.
Quem
ouvir e não aprender
Quem
souber e não ensinar
No
dia do juízo
A
sua alma penará”.
Conforme
José Calazans, “Os versos, que lembram o
responso de Sant'Antonio, eram, sem dúvida alguma, os primeiros de uma dilatada
série de composições referentes ao Bom Jesus Conselheiro e ao povoado de
Canudos, onde o místico cearense iria se fixar em 1893, já desfrutando de
grande prestígio no seio da comunidade sertaneja. A produção rimada sobre o
“messias” cearense pode ser apontada, em nossos dias, como das maiores da nossa
poética popular.”
Essa
tosca produção poética dos seguidores de Antônio Conselheiro não passou
despercebida ao escritor Euclides da Cunha, que a ela se refere em sua obra
magna, o livro OS SERTÕES: “(...) no mais pobre dos saques que registra
a história, onde foram despojos imagens mutiladas e rosários de côcos, o que
mais acirrava a cobiça dos vitoriosos eram as cartas, quaisquer escritos e,
principalmente os desgraciosos versos encontrados. Pobres papeis, em que a
ortografia bárbara corria parelhas com os mais ingênuos absurdos e a escrita
irregular e feia parecia fotografar o pensamento torturado, eles, resumiam a
psicologia da luta. Valiam tudo porque nada valiam”. E numa outra passagem,
mais adiante, conclui desta maneira: “Os
rudes poetas rimando-lhe [do Conselheiro] os desvarios em quadras incolores,
sem a espontaneidade forte dos improvisos sertanejos, deixaram bem vivos
documentos nos versos disparatados que deletreamos pensando, como Renan, que
há, rude e eloquente, a segunda Bíblia do gênero humano, nesse gaguejar do
povo”
Na
opinião de Calasans, o autor de “Os Sertões” sentiu a importância que os
conselheiristas davam às criações da ira anônima, usadas como armas de combate
na guerra de vida e morte da jagunçada contra as forças poderosas da República.
Dir-se-ia que versejar ajuda a combater. Os conselheiristas, enfrentando
dificuldades sem conta, não abandonaram as musas nas horas difíceis e
dramáticas da peleja suicida.
E
conclui o eminente pesquisador baiano: “Vem
da própria gente do Conselheiro a primeira contribuição ao hinário canudense.”
Além
dos poetas anônimos, seguidores de Conselheiro, tivemos também um militar
paraibano engajado no Exército Republicano que escreveu e publicou uma versão
rimada da Guerra de Canudos. Esse poeta foi contemporâneo de Leandro Gomes de
Barros, Silvino Pirauá de Lima e Chagas Batista e pode ser considerado um dos
pilares do nosso romanceiro popular.
Nosso
desafio agora é falar um pouco desse poeta que foi combatente e testemunha
ocular da queda de Canudos. Trata-se do paraibano de Bananeiras João Melchíades
Ferreira da Silva, o “Cantor da Borborema”, nascido em 1869 e falecido em 1933.
Em suma, um poeta, um sertanejo e acima de tudo um forte.
Num
folheto escrito após a guerra e publicado em 1904, após ser reformado como
Sargento do Exército Brasileiro, Melchíades registrou versos como estes
descrevendo a fuga atropelada do General Tamarindo, chefe interino da Terceira
Expedição, após a morte do “corta-cabeças” General Moreira César:
“Escapa,
escapa, soldado
Quem
tiver perna que corra
Quem
quiser ficar que fique
Quem
quiser morrer que morra,
Há
de viver duas vezes
Quem
sair desta gangorra.”
João
Melchíades Ferreira, neto do beato Antônio Simão, discípulo fiel do Padre
Ibiapina, sentou praça ainda na Monarquia e com o advento da República foi
convocado a combater em Canudos e posteriormente no Acre. Seus descendentes
guardam manuscritos de sua esposa Senhorinha onde o poeta descreve os horrores
da guerra, que assistiu de perto, ao contrário de Euclides da Cunha, que jamais
esteve na linha de frente de combate. Segundo dona Senhorinha, Melchíades voltou
meio surdo e traumatizado com a crueldade dos combates. Chorava quando lembrava
das mães carbonizadas com os filhinhos no colo... Vejamos, a seguir, trechos do
poema OS HOMENS DA CORDILHEIRA, onde o poeta descreve o seu avô materno, o
beato Antônio Simão, seguidor do Padre Ibiapina:
OS
HOMENS DA CORDILHEIRA (Fragmentos) – De cópia pertencente ao acervo FUNDOS
VILLA-LOBOS: – Páginas 19 a 21
Tu vês aquela capela
Do Olho D’água de Fora
Bem na testa da montanha
Que Manoel da Silva mora?
Dá uma história bonita
Que hás de saber agora.
Ali morava um beato
De nome Antônio Simão
Que vivia em penitência
Igual a um ermitão
Porque Padre Ibiapina
Deu-lhe esta obrigação.
Era proibido falar
No dia de sexta-feira,
Jejuava quarta e sexta,
Depois a quaresma inteira
Ensinava a doutrina
Ao povo da Cordilheira.
Trajava um manto azul
Camisola de algodão
E não usava chapéu
Só vivia de oração,
Às quatro da madrugada
Já estava em devoção.
Ensinou muita leitura
A homem, mulher e menino
Estudou para ser padre
Depois mudou o destino
Foi cumprir a penitência
Que lhe deu Ibiapina.
Fez esta capela em nome
Da Virgem da Conceição
Aonde ensinava a ler
E pregava a religião
Aqui recebi das letras
Minha primeira lição.
Num rancho junto a capela
Nosso beato vivia
Somente uma filha louca
Lhe fazendo companhia
Porém o Manoel da Silva
Do mestre não se esquecia.
Foi de Manoel da Silva
Sogro e seu professor
Esta lembrança o Silva
Conserva como penhor
Eu que sou neto e discípulo
Também tenho o mesmo amor.
Em julho de noventa e oito
Já nosso mestre sofria,
Quando apontou para o sol
Somente a mão se estendia
Às quatorze horas da tarde
Era a hora em que morria.
Então neste cemitério
Foi o mestre sepultado
Ficou Manoel da Silva
Da capela encarregado
Fez outra capela nova
Prédio mais acrescentado.
(...)
Observem
como o beato ANTÔNIO SIMÃO, avô do poeta João Melchíades, parecia como o beato
ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL, O CONSELHEIRO DE CANUDOS. Ambos foram
influenciados pelas prédicas do virtuoso Padre Ibiapina e trajavam-se de
maneira semelhante.
Entretanto,
a visão de JOÃO MELCHÍADES sobre a Guerra de Canudos não poderia ser outra. Ele
era militar, membro do Exército Brasileiro e ex-combatente de Canudos. É
natural que assumisse a defesa da República, contra a ideologia pregada e
praticada por Conselheiro e seus adeptos. Diferentemente de Euclides da Cunha, ele
se recusa a enxergar algum mérito naquele grupo de valentes sertanejos que se
insurgiu (e venceu, em algumas ocasiões) o Exército brasileiro. Certamente a
propaganda do Governo Republicano para justificar o terrível genocídio
praticado em Canudos calou mais alto na memória do poeta militar. Eis alguns
trechos do poema, possivelmente o primeiro escrito sobre a tragédia que abalou
os sertões da Bahia:
A
GUERRA DE CANUDOS*
João
Melchíades Ferreira da Silva
No
ano noventa e seis
o
Exército brasileiro
Achou-se
então comandado
Pelo
general guerreiro
De
nome Arthur Oscar
Contra
um chefe cangaceiro.
Ergueu-se
contra a República
O bandido
mais cruel
Iludindo
um grande povo
Com
a doutrina infiel
Seu
nome era Antônio
Vicente
Mendes Maciel.
De
alpercatas, um cajado
Armado
de valentia
Seu
pensamento era o crime
Outra
coisa não queria
Agradou-se
de Canudos
Que
é sertão da Bahia.
E
para iludir ao povo
Ignorante
do sertão
Inventou
fazer milagres
Dizia
em seu sermão
Que
virava a água em leite
Convertia
pedra em pão.
Criou-se
logo em Canudos
Um
batalhão quadrilheiro
Para
exercitar os crimes
Desse
chefe canganceiro
Então
lhe deram tres nomes
De
Bom Jesus Conselheiro.
(...)
Um
dos momentos mais brilhantes da narrativa, onde Melchíades se vê forçado a
reconhecer a bravura dos conselheiristas, trata-se justamente do momento da
fuga desesperada do General Tamarindo:
No
Angico, Tamarindo
Terminou
sua partida
Foi
varado de uma bala
Dizendo:
" - Pela ferida,
Dou
quatro contos de réis
A
quem salvar minha vida!"
Senhor
Major Cunha Matos
Tome
conta da brigada
Sustenta
o fogo de costas
Com
a mesma retirada
E
não me deixe morrer
Nas
mãos dessa jagunçada.
Escapa,
escapa soldado,
Quem
tiver perna que corra
Quem
quiser ficar que fique
Quem
quiser morrer que morra
Há
de nascer duas vezes
Quem
sair desta gangorra.
* A
íntegra do poema pode ser encontrada na Antologia da Literatura de Cordel, de
Sebastião Nunes Batista, publicada em 1977 pela Fundação José Augusto, de
Natal-RN. Acreditamos que o mesmo tenha sido publicado na Popular Editora, de
Chagas Batista, depois que Melchíades foi reformado do Exército e passou a se
dedicar ao cordel e à cantoria.
OUTRA VISÃO
SOBRE O CONSELHEIRO
Recomendamos
também a leitura da obra 'A HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO', do poeta Geraldo
Amâncio, uma obra-prima que narra magistralmente a Saga de Canudos, escrito
mais de 100 anos após a publicação do folheto de João Melchíades. Lançamento da
Editora IMEPH, com ilustrações do artista plástico Kazane, a obra saiu em
edição bem cuidada, impressa em papel de boa qualidade com capa e miolo
coloridos. A visão de Geraldo Amâncio é totalmente oposta a de João Melchíades.
Uma prova de que o cordel evoluiu não apenas na linguagem, mas também na visão
crítica dos fatos que compõem a história.
A
HISTÓRIA DE ANTONIO CONSELHEIRO
(Geraldo
Amancio)
Conselheiro
foi um homem
De
espírito combativo.
Obstinado
e valente,
Decidido
e combativo.
Com
tanta sabedoria
Conselheiro
merecia
Por
mil anos ficar vivo.
Do
homem cresce o valor
Quando
a história compara.
O
Brasil tem a mania
De
enaltecer Che Guevara
Talvez
por ser estrangeiro.
Nosso
Antonio Conselheiro
Foi
uma jóia mais rara.
(...)
Montou
primeiro um comércio
Para
comprar e vender.
No
magistério ensinava
Ler,
contar e escrever.
E no
foro trabalhava,
De
toda forma buscava
Meios
pra sobreviver.
Em
qualquer trabalho tinha
Bravura
e muita coragem.
Porém,
Euclides da Cunha
Denegrindo
a sua imagem
De
uma maneira mesquinha
Diz
n"Os Sertões que ele tinha
Tendência
pra vadiagem.
(...)
Com
o padre Ibiapina
Muitas
lições aprendeu.
Esse
sim, amou os pobres,
Do
que tinha ofereceu.
Angariou
donativos...
"É
melhor dar pão aos vivos
Do
que chorar quem morreu".
Antonio
tornou-se arauto
Dos
sem pátria, dos sem nome.
Sabia
ouvir o sussurro
Da
multidão que não come.
Uniu
sua mágoa a eles,
Porque
também era um deles
Conhecia
a dor da fome.
(...)
Conselheiro
interpretava
A
Bíblia à sua maneira.
Não
obedecia a bispo,
Nem
a padre, nem à freira.
Se
ainda existisse a mão
Da
tal Santa Inquisição
Seu
destino era a fogueira.
Com
isso, logo alguns padres
Mostraram-se
intolerantes
Dizendo
que as leis da Terra
Tinham
de ser como antes:
Que
o cobre se desse ao nobre,
Tinha
que haver rico e pobre,
Os
mandados e os mandantes.
Naqueles
sertões desertos,
De
esquisitos carrascais,
Multidões
embevecidas
Ouviram
sermões de paz
Do
maior dos conselheiros.
Isso
para os fazendeiros
Era
incômodo demais.
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