O BREVIÁRIO DE ANTÔNIO CONSELHEIRO E
OUTRAS FONTES PARA A PESQUISA DA GUERRA DE CANUDOS
Por Arievaldo
Vianna, da Aquiletras
Em agosto de
2012 estive na Bienal do Livro de São Paulo, realizada no Anhembi, lançando
alguns livros em parceria com o meu ilustrador Jô Oliveira por editoras do
Sudeste. É impressionante a diversidade e a quantidade de livros que abarrotam
os “stands” daquela feira literária. O leitor fica com água na boca, se
policiando para não gastar até o último centavo na aquisição de livros. Se bem
que uma dessas aquisições me surpreendeu e eu pagaria até o dobro do que me foi
cobrado para obtê-la. Trata-se da edição fac-similar de manuscritos de Antônio
Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, escritos de próprio punho ou a mando
deste, pelo seu secretário Leão de Natuba, que era um rapaz esclarecido e
trabalhava também como guarda-livros do armazém dos irmãos Vila-Nova. Eis o que
se encontra escrito no frontispício de um desses manuscritos, datado de 1897:
“A presente obra mandou subscrever o
peregrino
Antônio Vicente Mendes Maciel
No povoado do Belo Monte, Província da Bahia
Em 12 de janeiro de 1897.”
Outro, mais
antigo, data de 1895 e parece haver sido escrito pelo próprio Conselheiro,
argumento que baseia-se na comparação com a sua assinatura constante em algumas
cartas que escreveu:
“Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de
Nosso Senhor Jesus Cristo,
Para a salvação dos homens.
Pelo Peregrino Antônio Vicente Mendes
Maciel,
No povoado do Belo Monte, Província da
Bahia, em 24 de maio de 1895.”
Os responsáveis
pela publicação de parte desses manuscritos em edição fac-similar são os
professores da UFBA Walnice Nogueira Galvão e Fernando da Rocha Perez, que o
obtiveram num precioso acervo de mais de 4 mil peças deixadas pelo incansável
pesquisador José Calazans. Antes de sua morte, Calazans doou esse material para
o Núcleo Sertão, do Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia.
O belíssimo exemplar que adquiri em São Paulo tem 152 páginas (uma pequena
parcela das mais de mil páginas deixadas pelo Conselheiro), mas traz uma
amostra bem significativa e faz alusões aos seus Sermões que deixam entrever um
homem instruído, pacífico e bem intencionado, para quem era melhor servir a
Deus do que aos tiranos da terra. Antônio Vicente Mendes Maciel, segundo os
organizadores desta publicação, foi um dos primeiros pregadores sertanejos a se
insurgir contra a escravidão, elogiando a Princesa Isabel e a abolição da
escravatura num de seus sermões. Vale lembrar que boa parte dos seus seguidores
eram ex-escravos que vislumbraram no arraial recém fundado um local apropriado
para viver em comunidade e começar uma
nova vida.
Antônio Conselheiro - Museu da República-RJ
O mais
surpreendente de tudo é que desta segunda edição, de 2011 (existe uma outra,
datada de 2002), foi feita uma reduzida tiragem de apenas 300 exemplares, o que
por si só já torna esta obra uma verdadeira raridade. A intenção da EDUFBA foi
suprir uma lacuna, colocando ao alcance dos pesquisadores do assunto uma edição
comentada dos preciosos documentos encontrados em Canudos, momentos antes de
sua destruição.
O responsável
pela conservação deste documento foi um soldado do 9º. Batalhão, chamado
Eugênio Carolino de Sayão Carvalho, que doou os manuscritos a um jornal de
Salvador. José Calazans conseguiu obtê-los no começo da década de 1970,
dedicando-se à sua conservação e estudo, juntamente com outros papéis
encontrados em Canudos, inclusive dezenas de versos populares que foram
publicados no seu estudo “Canudos na Literatura de Cordel”.
Outra fonte
assaz interessante é o blog de Maninho do Baturité, mais precisamente a
postagem que traz como título “EXPEDIÇÃO DE PEDRO WILSON MENDES A CANUDOS”,
realizada em 1949, quando este audacioso advogado e jornalista cearense, que
era sócio de uma loteria, empreendeu uma viagem de jipe até a Bahia, onde
fotografou e entrevistou diversos sobreviventes da chacina patrocinada pela
República. Quem quiser conhecer este material basta acessar http://www.maninhodobaturite.com.br/?tag=canudos.
Eis a apresentação que Maninho de Baturité faz deste intrépido aventureiro:
“Aos 35 anos de idade, sem embargo da fama de ser um advogado que jamais perdeu
uma causa, Pedro Wilson somava ao seu currículo a qualidade de jornalista
combativo ininterruptamente disposto a denunciar falcatruas. Em 1949, contudo,
o jovem jurista resolve dar um brevíssimo tempo às lides forenses e ao
jornalismo para atirar-se na pesquisa histórica. Longe do o imediatismo das
redações, Pedro Wilson se insurge como a primeira voz no deserto a abrir os
olhos dos escritores com relação ao verdadeiro caráter de Antonio Vicente
Mendes Maciel o Conselheiro.”
A guisa de
conclusão, recomendamos ainda o recente livro publicado pelo escritor
quixeramobiense João Bosco Fernandes Mendes, presidente da Aquiletras, que traz
um minucioso estudo sobre o assunto em ordem cronológica, enfeixando as
principais fontes que se ocuparam da Guerra de Canudos. A obra de Bosco
Fernandes intitula-se “Antônio Conselheiro, memórias de família – Guerra de
Canudos, levantamento cronológico.
(Artigo publicado no jornal O SERTÃO, de Quixeramobim-CE)
Página fac-similar do breviário de Antônio Conselheiro
DADOS BIOGRÁFICOS
Ilustração: Arievaldo Vianna (Direitos Reservados)
Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido na História como Antônio Conselheiro, nasceu em Quixeramobim-CE, no dia
13 de março de 1830. Foi sua madrinha de batismo a sra. Marica Lessa, célebre
por servir de inspiração ao romance “Dona Guidinha do Poço”, de Manoel de
Oliveira Paiva. Antônio Vicente, que se autodenominava-se “O Peregrino”, com
seu discurso liderou uma das guerras populares mais sangrentas do Brasil, que
ficou conhecida como Guerra de Canudos.
Na opinião da historiadora Valquíria Velasco (UVA-RJ), “Nascido
em uma família de comerciantes, tem uma formação cultural para poucos no Brasil
do século XIX. No entanto sua história é marcada pelas perdas: aos seis anos
fica órfão de mãe, aos vinte e sete seu pai morre. Antônio, no entanto, devido
a sua formação que incluía aritmética, latim, francês, português e geografia,
atuou como professor e posteriormente como escrivão de cartório. Quando sua
vida parecia ter se acertado uma nova perda o atinge, dessa vez de forma
decisiva. Sua mulher o abandona e foge com um amante.”
Em suas peregrinações pelo interior do Ceará e outros
Estados nordestinos, abraça também o ofício de pedreiro, realizando obras em igrejas,
capelas e cemitérios. É aí que trava contato com outro peregrino daquelas
terras, o grande missionário cearense Padre Ibiapina, que peregrinava
realizando obras de caridade. Os trabalhos e obras do padre Ibiapina
influenciam Antônio de forma que esse se debruça na leitura do Evangelho que
passa a pregar em suas andanças. Ouvindo os pobres, pregando o evangelho e
distribuindo conselhos aos problemas que as pessoas o traziam surge o apelido
que o tornou célebre: Antônio Conselheiro.
Antônio Vicente faleceu em Canudos-BA, aos 22 de setembro de
1897, poucos dias antes da rendição e aniquilamento de sua Belo Monte, nome
pelo qual chamava o Arraial de Canudos.
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