domingo, 13 de julho de 2014

LEANDRO NO DN

Ilustração: Arievaldo Viana


LITERATURA DE CORDEL

O best-seller da poesia popular

13.07.2014

Clássico maior do cordel, Leandro Gomes de Barros é ainda referência para os autores do gênero

Em prosa, Carlos Drummond de Andrade escreveu em sua reverência: "não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro". O registro, está em artigo publicado no Jornal do Brasil, em meados da década de 1970. Leandro Gomes de Barros (1865 - 1918), paraibano, "caboclo entroncado, de bigode espesso, alegre, bom contador de anedotas", como o definiu o Câmara Cascudo (no livro "Vaqueiros e Cantadores"), é ainda hoje um dos mais influentes autores da literatura de cordel.
Em sua bibliografia, há quem defenda um legado em torno de mil livretos de cordel. A Fundação Casa de Rui Barbosa, detentora da maior coleção do poeta, disponibiliza 200 títulos digitalizados na internet (www.Casaruibarbosa.Gov.Br/cordel). Além de escritor, considerado o primeiro cordelista de quem se tem notícia, foi pioneiro também como editor de livretos e é o mais vendido do gênero.
"Em 2018, completará 100 anos de sua morte. E com quase 100 anos do seu desaparecimento, ele continua sendo um dos principais poetas populares brasileiros de todos os tempos. É um fenômeno. Se for escolher 20 clássicos dessa literatura, no mínimo cinco obras tem que ser do Leandro. Os folhetos dele ainda estão entre os mais procuradas", atesta o cordelista e editor de cordéis Klévisson Vianna. Somente por sua editora, a Tupynanquim, ele estima que alguns livretos do paraibano tenham chegado a 10 edições, com 2 mil exemplares cada. "Não tem nenhum poeta erudito que rivalize com a popularidade de Leandro. Nunca em época nenhuma a obra dele deixou de ser reeditada. Prova de sua vitalidade", reforça o editor.
Influência
No artigo - registrado no acervo da Fundação Rui Barbosa - Drummond concede ao poeta paraibano o título de "Príncipe dos Poetas" (tomando-lhe de Olavo Bilac). Outros, como o poeta e editor João Martins de Athayde, o de "o primeiro sem segundo". Fato é que, além de popular entre os leitores, Gomes de Barros foi uma das principais referências das gerações seguintes de cordelistas.
Dois de seus folhetos, "O enterro do cachorro" e "O cavalo que defecava dinheiro" serviram, por exemplo, como base para o "Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna. "Tudo que se diz do Leandro se justifica pelo pioneirismo, primeiro, pela qualidade e quantidade de obras que deixou. Mas também pela variedade de temas. Transitava por cordéis humorísticos, outros mais sarcásticos, com uma grife social que estava além do seu tempo. Outros eram mais dramático, românticos, também. Todas as vertentes ele abordou", destaca o poeta cordelista Rouxinol do Rinaré.
Leandro, aponta Rouxinol, é uma das referências de infância, de quando ouvia as leituras de seu irmão mais velho. "Mais tarde me tornei leitor para meus pais", diz. "Eu como poeta e editor, que edito mais de cem poetas, posso falar com propriedade de quem faz e comercializa: Leandro é a base. Você vê coisas muito importantes, como as personagens femininas. Extremamente fortes, superam homens na força. Ele era muito à frente de seu tempo. Perde a viagem quem achar que ele era matuto", completa Klévisson.
A critica social, a sátira política, os romances: encontra-se de tudo na obra de Leandro Gomes de Barros. Há referências desde a política da Capital Federal, na época, o Rio de Janeiro, aos causos sertanejos ou enredos de ficção científica. "Apesar de ter nascido em Pombal, interior, da Paraíba, ele era cosmopolita. Escreveu folheto, em 1909, sobre uma viagem à lua. Não era em foguete, era balão, que era o que havia de mais moderno na época", ilustra Arievaldo Vianna.
Biografia
Arievaldo é autor de um extenso trabalho sobre o poeta paraibano que segue ainda inédito. A pesquisa inclui uma biografia e uma antologia com os principais textos do poeta e está pronta há pelo menos cinco anos a espera de uma editora que encampe a publicação. O autor lamenta o pouco interesse das editoras, ainda que haja uma lacuna no que diz respeito a pesquisa sobre a vida de Leandro. "O Bráulio Tavares (escritor paraibano) dizia que fazer essa biografia era como catar confete na rua um mês depois do Carnaval. Pela falta de documentos", cita.
O livro teve por base viagens aos locais por onde passou o poeta, entrevista com descendentes dele ou de pessoas que conviveram com ele, além da identificação de documentos. "Entrevistei muita gente, escrevi para tantos outros. Paulo Nunes Batista rendeu uma das melhores entrevistas. Tinha quase 100 anos. Fiz entrevista longa e reveladora a respeito da convivência de Leandro com a família dele. Ele não conheceu, mas cresceu ouvindo histórias sobre o poeta", detalha. Foram identificados ainda o paradeiro de documentos como as certidões de batismo, nascimento, o registro de casamento e a certidão de óbito. "Estou pensando em publicar por conta própria", lamenta o autor.
Leandro Gomes de Barros, o satirista
A fortuna crítica da obra do poeta paraibano acaba de ganhar um reforço robusto: "Um pau com formigas ou O mundo às avessas: A sátira na poesia popular de Leandro Gomes de Barros", de Francisco Cláudio Alves Marques. Fruto da tese de doutorado do autor, o livro é um gigante de mais de 400 páginas, que tem por mérito detalhar um dos aspectos da obra do cordelista.
A escolha de um "recorte" - a sátira - ao invés de pretender uma leitura total da obra é um reconhecimento de sua complexidade e riqueza. E, como satirista, Leandro Gomes de Barros já mereceria o status de clássico. Marques mostra um autor corajoso, em críticas que tanto podiam ser suavizadas, em metáforas e imagens a maquiar o alvo, como golpes violentos, recorrendo a expressões vulgares.


Crítica
O título do livro recupera uma expressão recorrente na obra de Gomes de Barros. "Pau com formigas" costuma ser usada para traduzir um momento constrangedor, uma situação complicação, em que se vê sem saída. O poeta dá-lhe novo sentido, emprega-a como metáfora da violência e da insignificância social que definiam a realidade dos sertões do Brasil.
No estudo, Francisco Cláudio Marques mostra como a obra de Leandro Gomes de Barros retrata, à sua maneira, os tempos em que viveu o autor. Ele captura os conflitos e as transformações sociais (sobretudo, o impacto que se observava nas populações mais pobres), do Império que se desfazia a uma República que chegava sem ampliar direitos ou inverter a ordem do poder.
LIVRO
Um pau com formigas ouo  mundo às avessas: A sátira na poesia popular de Leandro Gomes de Barros
Francisco Cláudio Marques
Edusp
2014, 448 páginas
R$ 72
Fábio Marques
Repórter
Fonte: DIÁRIO DO NORDESTE (Caderno 3)

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