quarta-feira, 6 de junho de 2018

UM ÁLBUM HISTÓRICO





O DISCO DE ESTRÉIA DE BELCHIOR 

Continental, 1974 (Mote e Glosa)


Criei esse texto a partir de um desafio que me foi feito via Facebook pelo professor Washington Castro: postar dez discos que a gente ouviu até a agulha furar o vinil, e continua ouvindo até hoje. O oitavo álbum escolhido é o disco de estréia de BELCHIOR, pela gravadora Continental, em 1974. Trata-se de um álbum histórico, cheio de referências à CANTORIA e ao CORDEL.

E, de quebra, falo também de seu/meu parceiro Jorge Mello. 



A primeira canção de Belchior que prendeu a minha atenção foi o hit “Medo de avião”, lançado em 1979 pela WEA. Nesse tempo havia umas máquinas de ficha que tocavam a música que a gente escolhia no painel. A ficha custava centavos... Nessa época eu residia em Maracanaú, próximo à estação ferroviária, e bem na esquina da rua que desaguava no Instituto São José, colégio onde eu cursava a sexta série, havia uma dessas máquinas cheia de sucessos da época: Gilberto Gil, Frenéticas, Fagner, Belchior, Sidney Magal, Raul Seixas e Gonzaguinha estavam entre os artistas mais tocados. Eu ficava olhando aquilo tudo com olhos de menino pobre, longe da família, vivendo na casa alheia com dinheiro curto, que mal dava para o lanche da escola e a compra de algum material escolar. Mas sempre sobrava algum trocado e eu colocava a ficha naquela engenhoca para escutar MEDO DE AVIÃO. Achava a introdução lindíssima e o timbre de voz do cantor me recordava a toada dos violeiros e o aboio do vaqueiro sertanejo.

Quando pude comprar meu primeiro toca-discos, tratei de adquirir um disco desse grande artista cearense e o primeiro que me caiu mãos foi “BELCHIOR – UM SHOW – 10 ANOS” com regravações de seus sucessos, álbum lançado em 1986 pela Continental. Estranhei os arranjos da regravação de “Medo de Avião”, embora tenha uma levada bem contagiante. Mas a música que eu realmente curtia (e ainda curto) nesse disco é “Canção de gesta de um trovador eletrônico”, parceria do sobralense Belchior com o piauiense Jorge Mello, seu parceiro mais frequente ao longo da carreira. A regravação dessa música supera a versão original, lançada no álbum “Cenas do próximo capítulo” lançado por Bel em 1984. Então tratei de adquirir o álbum de 1979 para ouvir “Medo de Avião”, “Tudo outra vez”, “Comentário a respeito de John” e “Conheço meu lugar” na sua versão original. Eu trabalhava na Rádio Uirapuru de Canindé (atual Rádio Jornal AM) e na discoteca da emissora havia o antológico “Alucinação”, lançado pela PHILLIPS em 1976, considerado seu melhor trabalho pela maioria dos fãs.

Xilogravura: ARIEVALDO VIANNA


O ÁLBUM ESCOLHIDO

Depois de pensar, comparar e avaliar, resolvi escolher outro disco formidável,  seu álbum de estreia, lançado em 1974 pela Continental, disco que já sinalizava todo o seu potencial criativo.

Bel abria o seu primeiro disco em 1974 entoando “…É o novo, é o novo, é o novo, é o novo..”. O álbum que leva o seu próprio nome como título, ficou conhecido entre os colecionadores de discos como “Mote e Glosa”, música que abre o álbum e anunciava, mesmo que sem intenção, o aparecimento de uma nova estrela da música brasileira que emocionava com suas composições. Na sequencia vem “A palo seco”, “Senhor dono da casa” e “Bebelo”, uma faixa experimental com arranjo bem ousado sobre um poema concreto. Mas nesse gênero nada supera “Máquina I” e “Máquina II”, ambas do mesmo álbum: “Êêêê-me-a-MA-quê-u-i-QUI-ene-a-nê-a-NA... Máquina-maquina-máquina-maquina...” Belchior é quem tomou conta da direção de produção do álbum, com arranjos, direção artística e regência do incrível Marcus Vinicius.

O parceiro Jorge Mello lembra muito bem esse tempo de vacas magras, quando morava com a esposa e o amigo num kitnet, no Rio de Janeiro. Depois Belchior seguiu para São Paulo, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, e foi morar de favor na casa de um amigo, que estava em reforma, ocupando um dos últimos quartos da casa, embalado pelo som produzido por pedreiros e carpinas que trabalhavam na obra. Enquanto isso, Jorge Mello idealizava seu primeiro álbum, intitulado “Besta-fera” que é uma tijolada em matéria de som e poesia. Mas foi no álbum seguinte, “Integral”, lançado em 1977, que Jorge Mello acertou a mão valendo-se de toda nordestinidade dos cantadores, dos cordelistas, dos aboiadores e dos sanfoneiros de pé-de-serra. Seria uma injustiça falar aqui de Belchior sem citar esse parceiro, que foi também seu sócio na gravadora Paraíso, um selo que lançou diversos artistas no mercado.

Segundo seu biógrafo Jotabê Medeiros, autor de “Belchior – Apenas um rapaz latino americano” o artista seguia a pé para o estúdio onde gravou o seu primeiro disco.
O álbum traz 11 músicas que são de autoria do próprio Belchior, que entre elas destacam-se “Passeio”, “Na Hora do Almoço”, que foi vitoriosa no IV Festival Universitário da Música Popular Brasileira, e também o grande sucesso “A Palo Seco”.
Neste disco, Belchior deixa explicito nas melodias a sua raiz nordestina e, como sugerido no título da primeira música, o cuidado e valorização das letras.

Músicas:

LADO A
1. MOTE E GLOSA
2. A PALO SECO
3. SENHOR DONO DA CASA
4. BEBELO
5. MÁQUINA I

LADO B
1. TODO SUJO DE BATON
2. PASSEIO
3. RODAGEM
4. NA HORA DO ALMOÇO
5. CEMITÉRIO
6. MÁQUINA II


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