ABC DAS MARAVILHAS
A poesia popular está chegando à
escola. Do Ceará para todo o Brasil, o projeto Acorda Cordel Na Sala de Aula,
criado pelo poeta Arievaldo Viana, vai espalhando a arte do folheto e da cantoria
como ferramenta auxiliar (e lúdica) na aprendizagem formal.
Por Eleuda de Carvalho da Redação
De recuperação, aquela dúzia de
meninos e meninas. Sentadinhos, um tanto enfastiados na tarde morna, numa sala
pintada de cor goiaba, na escola municipal Madre Teresa de Calcutá, ali por
trás do Pão de Açúcar da Aguanambi. Naquele dia, em vez da aula de recuperação,
a turma vai conhecer um projeto que já vem dando muito o que falar em muitos
lugares do Brasil. "Ceará, Rio Grande do Norte, Tocantins, Paraná,
Paraíba, Minas Gerais e São Paulo já conhecem e aplaudem essa idéia", diz
Arievaldo Viana, o criador do projeto Acorda Cordel na Sala de Aula. Falar em
cordel, é também falar do mano do Ari, o poeta e desenhista Antônio Klévisson,
que criou a editora Tupynanquim, responsável por fazer uma ponte entre a nova
geração e os clássicos da poesia de cordel. A premiada novela gráfica dele,
Lampião... era o cavalo do tempo atrás da besta da vida, foi adotada pelo
Ministério da Educação. "Já foi impressa a nova tiragem pela editora
Hedra, de São Paulo. A gente faz assim, vai comendo pelas beiradas, à moda
índio comendo canjica quente".
Gerardo Frota Carvalho, o Pardal,
vice-diretor da escola, é também poeta cordelista. Os alunos do Madre Teresa já
têm um contato com esta literatura popular impressa e também com a poesia oral,
assim como o teatro de bonecos. O professor Pardal é também poeta. É dele o
folheto As aventuras da família Microbim, usado em sala de aula para fazer
pensar questões ligadas à saúde e higiene. "Quando o tempo sobra, vou
criando", diz. Estão presentes ainda, para apresentar o projeto Acorda
Cordel, o cantador repentista Zé Maria de Fortaleza e o cordelista Antônio
Carlos da Silva, o Rouxinol do Rinaré. Duas professoras de Maracanaú, Eudézia
Aveiro Sales e Eliane Taveira, que escrevem monografia sobre as experiências
didáticas do cordel, também foram convidadas e acabam de chegar. Um cordão num
canto da sala traz folhetos pendurados, criando visualmente o significado do
nome que se dá a este incrível livrinho, de capas com desenhos ou xilogravuras,
e dentro uma história muito bem contada em rimas perfeitas e versos
cadenciados. Sobre uma mesa, perto da lousa, o leque de inúmeros folhetos
atraindo os olhos da meninada. Só uma lambiscada dos cerca de 120 mil cordéis
publicados pela Tupynanquim, de 1999 pra cá.
Arievaldo, vestindo um colete
sertanejo, espécie de gibão urbano feito pelo mestre Pedro Artesão, antes de
principiar a contar a história do cordel - que é por si uma aula divertida de
história do Brasil e da Península Ibérica, e falar de Gregório de Matos Guerra,
o Boca do Inferno, poeta baiano que no século 17 divulgava sua ferina arte em
simples folhetos escritos a mão, e de contar dos pioneiros desta arte
propriamente dita, feito o poeta Silvino Pirauá; e de dizer, também, que cordel
e imprensa, no Brasil, isto é, comunicação erudita e popular impressa,
"são da mesma idade" (que à colônia foi proibido por ordem real ter
tipografias, lei revogada somente em 1808, "com a vinda de D. João VI, que
levou uma carreira de Napoleão"). E ainda, antes de explicar quem foi
Leandro Gomes de Barros, que estabeleceu o modelo de folheto usado ainda hoje
em dia, pegou de vez o público, todos virados meninos naquela hora abafada, ao
contar como foi que ele, Arievaldo, começou a ler.
"Falou-se muito na morte do
cordel, nos anos 90. Diziam que só restaria o folheto circunstancial. Este foi
o grande engano dos pesquisadores. Que ninguém duvide do charme deste pequenino
produto, no passado nem tão longe, poderoso veículo de alfabetização. Quando eu
tinha cinco anos, aprendi a ler na coleção de folhetos que minha avó guardava
numa maleta. Ela lia pra mim, eu ficava encantado", conta Arievaldo. A vó
dele, dona Alzira, leu pra ele a história de João Grilo. Ari interpela os
alunos, todo mundo levanta a mão - já conheciam o danado presepeiro a partir da
minissérie Auto da Compadecida, a mais famosa peça do mestre Ariano Suassuna.
Ari recita trechos do cordel, de cor - versos que ele aprendeu menino, juntando
letra à letra, soletrando as sílabas, cantando a cadência da história, ritmada.
Talvez seja o cordel a saída mais prazerosa e eficaz para um drama que se vê na
escola pública de hoje: crianças terminando o ensino fundamental sem saber ler.
Uma das mais novas produções dos cordelistas cearenses está na coleção Baião
das Letras, editada pela Secretaria Estadual da Educação, em parceria com a
Secult. São 25 histórias, de diversos gêneros - crônica, poesia, teatro, conto
- em livrinhos ilustrados destinados a escolas de 60 municípios de baixo IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano).
Entre motes e rimas
Acorda Cordel não é só conversa, por
mais animada que seja - é vivência prática. Arievaldo Viana utiliza o material
à mão, lousa, giz e slides, para falar de métrica, rima e oração. Cada criança
ajuda, brincando de rimar as palavras, de entender como se cria uma estrofe.
Mas, além desta poesia "de bancada", como os poetas dizem, isto é,
impressa, escrita, explica ele, há a modalidade do improviso, na qual são mestres
os cantadores de viola. É aí onde entra em cena, com sua bela viola de
repentista, o cantador Zé Maria de Fortaleza. Ali, literalmente no calor da
hora, vai improvisando rimas - e consegue chamar a atenção da menina que estava
desatenta, inventando ali na bucha uma estrofe com ela, e segurando outra vez
sua atenção. Arievaldo Viana recita o texto A Raposa e o Cancão, e depois
Klévisson também conta um dos seus livros, O pulo do gato. Rouxinol do Rinaré
apresenta a versão que fez para o romance Iracema: Um curumim, um pajé e a
lenda do Ceará.
Para saber mais sobre o projeto
Acorda Cordel, e conferir novas imagens das oficinas e informações, é dar uma
espiada no fotolog do Arievaldo Viana, no endereço
http://.com.br/acorda_cordel:74. Entre os dias 5 a 7 de fevereiro, o projeto
será implantado em Reriutaba (o primeiro município cearense a encampar a idéia
foi Canindé), com uma oficina de capacitação para 135 professores. Cada um
receberá um kit completo do projeto Acorda Cordel - o livro básico, uma caixa
com 12 folhetos e um CD com romances e poemas declamados por Geraldo Amâncio,
Zé Maria de Fortaleza, Azulão e Arievaldo Viana. Será também inaugurada uma
cordelteca, com cerca de mil folhetos, contando com a presença do presidente da
Academia Brasileira de Literatura de Cordel, o poeta Gonçalo Ferreira da Silva.
No site Overmundo, artigo do jornalista Edson Wander, de Goiânia, fala da
recepção do Acorda Cordel pelo país. Confira, no endereço
www.overmundo.com.br/overblog/patativa-nao-era-analfabeto. Os folhetos que fazem
parte do projeto são publicados numa parceria entre Tupynanquim e a editora
Queima-Bucha, de Mossoró. Os folhetos podem ser encontrados, avulsos ou em
caixas temáticas, nas livrarias Livro Técnico e na banca Tupynanquim, no Dragão
do Mar.
FONTE: Jornal O POVO - Fortaleza-CE
(fevereiro de 2007)
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